Flagrante de desmatamento no Paraná Foto Zig Koch/SOS Mata Atlântica
Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

Hoje, 27 de maio é do Dia da Mata Atlântica. Mas não temos nada a comemorar. É um dia para debatermos a situação do bioma mais degradado do Brasil, e onde vive a maior parte da nossa população. A Mata Atlântica compreende 15% do território brasileiro e está distribuída por 17 Estados, entre o Piauí e o Rio Grande do Sul, e também está em parte da Argentina e Paraguai, porém, atualmente, esse bioma está reduzido a 12,4% da cobertura original.

Nesta semana, a Fundação SOS Mata Atlântica, revelou que a Mata Atlântica sofreu o desmatamento de mais de 20 mil hectares no período de um ano, o que equivale a 20 mil campos de futebol. Afrouxamento das regras ambientais, aprovado pela Câmara de Deputados na última quarta-feira, dia 25, com votos de parlamentares do PT, abrem caminho para a destruição do que restou deste ecossistema. Cerca de 72% da população do Brasil vivem no chamado domínio da Mata Atlântica.

Em entrevista ao jornal O Globo, o advogado e ex-deputado federal Fabio Feldmann, autor da Lei da Mata Atlântica e responsável pelo capítulo sobre Meio Ambiente da Constituição brasileira, disse que não existe parte mais vulnerável, todo o bioma é ameaçado pela decisão do Congresso. “É um ataque à realidade e à sociedade. Agravará a crise climática e de biodiversidade, eliminará recursos dos quais a maioria dos brasileiros depende e violará a já consolidada Lei da Mata Atlântica”, afirmou.

Na entrevista, Feldman cobra que o presidente Lula vete as mudanças. “Se não for vetada, veremos suas consequências em mais desastres, como o que devastou o litoral de São Paulo este ano”, ressaltou.

PT abre a porteira para passar a boiada

Essa mudança na Lei da Mata Atlântica, que ameaça o bioma mais degradado do Brasil, contou com o apoio do PT. O governo Lula liberou a sua bancada para a votação. No caso PT, sigla do presidente Lula, foram 35 votos para permitir a alteração Lei da Mata Atlântica, o que representa 69% do total de parlamentares que votaram. Deputados do PT votaram juntos com os parlamentares da ultradireita bolsonarista contra a Mata Atlântica e o meio ambiente.

No total, as mudanças que contribuem para o avanço da degradação da Mata Atlântica, foram receberam 364 votos favoráveis. Apenas 66 deputados votaram contra. Esse resultado revela o descaso da Câmara Federal com a pauta ambiental, incluindo partidos ditos de “esquerda”, como o PT.

Essa Medida Provisória (1.150), aprovada pelos deputados, foi apresentada no fim do governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Quando foi editada, em dezembro de 2022, a medida provisória determinava prazo de 180 dias para imóveis rurais aderirem ao PRA (Programa de Regularização Ambiental). Esse é um dispositivo do Código Florestal que estabelece compromisso de proprietários de terras rurais para compensar a vegetação nativa e evitar multas. Os deputados aprovaram uma emenda que amplia o tempo para adesão em 1 ano.

Além disso, passaram dos Estados para os municípios a prerrogativa de aprovar o uso de áreas com vegetação que já havia sido degradada e pode estar em estágio de regeneração. Passa a competência licenciadora para municípios, que precisariam criar conselhos de assuntos ambientais para emitir os pareceres e permissões.

As mudanças

As principais mudanças com a MP 1.150 são:

– Permite a derrubada de floresta sem estudo prévio para a implantação de linhas de transmissão de energia, gasodutos e sistemas de abastecimento de água;

– Põe fim a necessidade de zonas de amortecimento e corredores ecológicos para unidades de conservação em áreas urbanas. A questão é que muitas das unidades de conservação estão dentro ou próximas a alguma área urbana, mais suscetíveis à pressão imobiliária;

– Põe fim a necessidade de compensação para desmatamento fora de áreas de preservação permanente, o que facilita a derruba da mata original ou em estágio avançado de regeneração;

– Acaba com a exigência de parecer técnico estadual para desmatamento em áreas urbanas, transferindo a atribuição para os municípios, que em sua totalidade nem têm estrutura para isso.

Vem mais ataques por aí

Além de liberar a bancada para votar as mudanças na Leia da Mata Atlântica, o governo Lula liberou fechou acordo que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. O perfil do PT no Senado, nas redes sociais, comemorou essa votação na Comissão Mista (Câmara e Senado).

O texto aprovado retirou do Meio Ambiente o controle do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e da Agência Nacional de Águas (ANA). A demarcação de terras indígenas foi deslocada do Ministério dos Povos Indígenas para o Ministério da Justiça. O relator da medida provisória que apontava tais mudanças, aliado do governo, Isnaldo Bulhões (MDB-AL), disse que as mudanças apresentadas no texto estão em convergência com o governo. Ou seja, foi uma negociação que teve o aval do governo Lula.

Tanto é assim, que os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) também pontuaram que as mudanças feitas pelos parlamentares não impedem a implementação do programa de governo.

A postura do PT e do governo Lula quanto aos temas votados esta semana no Congresso mostram que o compromisso desse governo é com o agronegócio. Até a votação sobre o regime de urgência do Marco Temporal, o governo liberou a base para aprovar.

A bancada ruralista, reacionária e de ultradireita sai fortalecida, com o apoio do PT e do governo Lula. Aproveitando esse momento, apontam um conjunto de mudanças que atendem seus interesses econômicos, prejudicando os pequenos produtores rurais, a reforma agrária e os povos tradicionais.

Uma das medidas que buscam aprovar é que licenças ambientais passem a ser emitidas por estruturas além do Ibama, como o Ministério de Minas e Energia, que está no centro de uma disputa com o órgão ambiental.

Outra prioridade da bancada ruralista é um projeto que prevê indenização para proprietários cujas terras passaram a ser consideradas reservas indígenas. A proposta de indenização aos donos de terras já foi aprovada pelo Senado.

Outra medida é avançar com o texto que amplia o número de agrotóxicos que podem ser usados no país, apelidado de “PL do Veneno” por ambientalistas.

Organizar a luta com independência de classe

Os fatos mostram que não podemos ter nenhuma confiança no governo Lula e no PT, que negociam as pautas ambientais com os setores reacionários da ultradireita, favorecendo o agronegócio. Em dois meses do governo Lula, os ruralistas aprovaram medidas que não conseguiram aprovar em quatro anos de governo Bolsonaro. Isso só possível porque o PT negociou e o governo deu aval.

Precisamos nos organizar de forma independente para enfrentar estes ataques dos ruralistas, negociados com o governo Lula, contra o meio ambiente e os povos indígenas. É preciso ocuparmos às ruas. Realizar protestos. Ocupar Brasília!

Não será através do governo e do parlamento corrupto e reacionário que vamos avançar nas pautas ambientalistas, barrar o Marco Temporal e defender nossas florestas. Será na ação direta, com independência de classe, que vamos mudar esse jogo.

É necessário organizar e pôr nas ruas uma grande mobilização dos trabalhadores contra esses ataques e pelas reinvindicações da classe, e isso, inevitavelmente, bate de frente com o governo. Não é possível achar que um governo que abriu a portaria para passar essa boiada contra o meio ambiente e os povos indígenas seja um governo da classe trabalhadora. Aqueles que se dizem de esquerda devem romper com esse governo.

Precisamos organizar a classe trabalhadora, construindo um campo de classe para lutar por nossas reinvindicações, construindo também uma oposição de esquerda ao governo e à ultradireita. Defendemos uma alternativa revolucionária e socialista que aponte a necessidade de um governo socialista dos trabalhadores e uma outra sociedade, sem exploração e opressão.