Claudiceia Durans, de São Paulo (SP)

O significado histórico do 25 de Julho
A partir de 1992, o Dia Internacional Latino-Americano e Caribenho da Mulher Negra passou a fazer parte do calendário de luta de negritude, resultado da realização do I Encontro de Mulheres Afro-Caribenhas ocorrido na República Dominicana. Apesar de recente, é um marco internacional importante de luta e resistência da mulher negra, pois tira do limbo a invisibilidade, a estigmatização, a indiferença e sub-humanidade a que foram submetidas.

Nesse sentido, essa data tem demandas represadas. São vários temas e ações que têm sido realizadas. As ações giram em torno da organização das mulheres negras; interesses e necessidades específicas; indicadores sociais de raça, gênero e classe; dificuldades de sobrevivência (social, econômica, política e cultural); divulgação da condição negra; diferenças com as mulheres não negras; história de luta, necessidade de trazer à tona mulheres negras que ajudaram a mudar a rota de sua coletividade; enfim, tirar da margem e colocar as mulheres negras no centro, a partir de sua voz. Esse é o propósito do 25 de julho que tem sido construído no Brasil.

No Brasil, a partir de 2014, o 25 de julho foi instituído como “Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra”. Tereza de Benguela chefiou o Quilombo de Quariterê, resistindo durante duas décadas. Ainda no mês de julho, no dia 31, comemora-se o “Dia da Mulher Africana”.

Da colonização aos dias de hoje: as desigualdades recaem sobre os ombros da mulher negra
Afastada de seu lugar de origem por conta do tráfico, a mulher negra, desde os tempos da escravidão, foi condicionada aos trabalhos pesados na lavoura, nas vendas em condição de escrava de ganho, como ama de leite, na prostituição. Foi sempre tratada de maneira desigual. Isso a distingue de outras mulheres.

O capitalismo a transformou em reprodutora do capital. Para isso, combina-se racismo e machismo, tirando-lhe sua humanidade e buscando reduzi-la a símbolo da escravidão e a objeto sexual. Naturalizaram-se estupros, abusos sexuais praticados pelos senhores de fazenda, foi negado o direito de escolha de seus parceiros, de cuidar de seus filhos. Buscou-se negar e até destruir suas experiências de organização política, formas de vida familiar e comunitária, bem como usou-se diversas estratégias para impossibilitar qualquer solidariedade entre seu povo. O tráfico e a escravidão foram dois dos crimes mais repugnante que o capitalismo.

Passados 129 anos da abolição, a mulher negra ainda vive na base da pirâmide social, representa a maior cota no trabalho doméstico, na terceirização, no trabalho informal e no trabalho temporário. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) do período de 2004 a 2014 constatam esse fato: 39,1% das mulheres negras ainda ocupavam postos precários, com renda de até dois salários mínimos, sem carteira assinada.

Só em 2009, existiam 7,2 milhões de brasileiros trabalhando em limpeza, cozinha e manutenção de casas e escritórios, sendo que 61,6% do total, ou seja, 4 milhões eram negros e negras. A taxa de desemprego em 2009 era de 12% entre mulheres negras, comparada a 9% para mulheres brancas. Comparativamente, em termos de escolaridade o Ipea, em 2011, apontava que a taxa de escolarização de mulheres brancas era de 23,8%, enquanto entre mulheres negras era de apenas 9%. Ou seja, os dados revelam que há hierarquia de gênero e raça.

Vale lembrar que com a recente aprovação da reforma trabalhista, a tendência é potencializar ainda mais a discriminação e tornar as mulheres negras mais vulneráveis frente aos patrões, ampliando a jornada de trabalho sem regulamentação de direitos, além de reforçar a ideia de que os trabalhos subalternizados cabe à mulher negra. Num país em que 39,8% das mulheres negras são chefiam suas famílias, segundo o IBGE (2014), e que há famílias inteiras em que a única renda é o benefício da Previdência, não é difícil imaginar quem mais será prejudicada com a reforma da Previdência.

As mulheres negras começam a trabalhar muito cedo e na informalidade. Diminuir o valor do benefício, colocando abaixo do salário mínimo, bem como dificultar a aposentadoria, aumentando a idade, é uma política de liquidação dos mais pobres. É a volta da lei dos sexagenários do período da escravidão. Muitos não chegarão à idade proposta, morrerão no meio do caminho. Sem contar que esta reforma tem o objetivo também de liquidar o Sistema Único de Saúde (SUS), impedindo ainda mais o acesso a serviço gratuito de saúde.

A cor, o gênero e a classe da violência
O racismo se materializa de diversas formas, contudo a forma mais desprezível é a aniquilação e objetivação dos corpos negros: extermínio, assassinatos, limpeza étnica, controle do corpo, através de encarceramento, violência, estupros, etc. Vejamos os dados.

O mapa da violência (2015) comprova a seletividade de cor gênero e raça. Ressalta que em dez anos elevou-se em 54% a morte de mulheres negras, enquanto que entre as mulheres brancas diminui em quase 10%.

Nos dados sobre violência é oportuno mencionar a situação repugnante que vive as mulheres no Haiti. Após 13 anos de ocupação militar comandadas pelo exército brasileiro o resultado é miséria, violência e estupro. Foram mais de 2.000 casos envolvendo soldados brasileiros em estupros segundo o Jornal Estadão (abril de 2017).

No ensejo, é preciso denunciar que o Brasil é campeão em mortes de travestis e transexuais segundo dados do Grupo Gay da Bahia. Só em 2016, foram 127, ou seja, uma morte a cada três dias.

No que se refere ao encarceramento, o Informações Penitenciárias, o Infopen Mulheres (2014), destaca que o Brasil é o quinto país com a maior população de mulheres encarceradas. No período de 2000 a 2014, tal aumento representa um total de 567,4% para a população feminina. Quase dois terços da população penitenciária feminina é negra e jovem; 68% dos casos estão relacionados ao tráfico de drogas, o que nos leva a concluir que esse encarceramento em massa é uma política de controle social e há uma política de segurança pública calcada na repressão, encarceramento, construção de presídios e privatização do sistema prisional em que lucra com cada preso.

Não à toa, os investimentos com a segurança nos últimos anos. Em 2014, chegou à marca de R$ 4,2 bilhões com um aumento de 150% no período, segundo o Ministério da Justiça. O aumento do efetivo de policiais, a compra de armamentos, a implantação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP), a construção de presídios foram ações prioritárias estabelecidas no governo Dilma. A lei antidrogas foi sancionada em 2006, pelo governo Lula, e a lei antiterrorista, por Dilma em 2016.

Já com Temer, os investimentos na área de segurança pública quintuplicaram. Somente no ano passado, mais de R$ 2 bilhões do orçamento, a prioridade é a construção de cinco grandes presídios de segurança máxima, ou seja, mais cadeia para pobres.

O sistema prisional no Brasil é degradante. Não ressocializa ninguém. A mão repressora do estado pesa sobre os corpos negros. É uma fábrica de matar. Corpos são castigados, mutilados, acometidos de doenças, empilhados, isolados em minúsculas celas, decapitados em momentos de motim, enfim é imposto sofrimento físico e psicológico que se estende a toda a família.

As visitas em presídios é algo incomum, são vexatórias. Às mulheres negras, as mais frequentes nas visitas aos seus maridos e filhos, é imposto um ritual que remete à humilhação do corpo. Elas são obrigadas a se despirem, a se agacharem sob o olhar de um agente penitenciário, e são escoltadas. A prática de castigo corporal nos remete a escravidão e, portanto, ao caráter escravagista da burguesia e seus governos nos dias de hoje.

Qual é a saída?
Historicamente, as mulheres negras vêm mostrando o caminho a partir de suas experiências concretas de organização. Um exemplo é a atividade guerreira, que desde os tempos coloniais mulheres negras estavam a frente, dirigindo quilombos, à frente de lutas importantes. Mulheres como Dandara, Tereza de Benguela, Luiza Manhin, mostraram que na luta contra o racismo, a unidade com a classe dominante é inconciliável. Não deram trégua representados capitães do mato.

A sua luta foi em libertar o seu povo, se concentrando em solapar as bases materiais do escravismo e as relações de trabalho entre senhores e escravos, para isto buscou unidade de classe com os indígenas e brancos pobres. As mulheres negras foram o principal alicerce de resistência da cultura africana no território brasileiro, seja na manutenção das religiões de matriz africana, fortemente perseguida no país, seja como referência para construir valores de civilização, identidade e desmistificação da farsa do mito da democracia racial.

No Brasil, combater o racismo passa, necessariamente, por compreender a ligação com o machismo e a classe, destruindo o sistema capitalista que gera tudo isso e liberte de fato nosso povo, tendo como referência nossos antepassados e toda a condição que fomos submetidos. Por isso, exigimos de imediato, enquanto medidas transitórias, a implementação de políticas de reparações, com plano de ação concreta que garanta o acesso à educação, emprego, saúde, renda, moradia e transportes dignos.

 

Claudicéa Durans é membro da Secretaria de Negros e Negras do PSTU e do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe