Ricardo Ayala, de São Paulo (SP)

Ricardo Ayala

As negociações secretas realizadas no encontro de Xi Jinping com Putin em Moscou, colocou o “plano de paz” chinês no centro das atenções da guerra de agressão nacional russa contra a Ucrânia em um momento de fortalecimento da política exterior chinesa, pelo apadrinhamento do acordo que reata as relações diplomáticas entre Arabia Saudita e Irã. Agora Xi está no centro das negociações da guerra Russa, mas não tem outro objetivo que preservar o regime de Putin e seus interesses na Ásia, tal qual os EUA e a UE. A ambos pouco importa a soberania ucraniana.

Um verdadeiro desfile de primeiros ministros e chefes de Estado ocorre em Pequim continuando as negociações, obviamente secretas, após o encontro de Xi com Putin. Depois da robusta delegação de empresários alemães que acompanhou Olaf Scholz, o primeiro ministro do Estado Espanhol, Pedro Sánchez, fez sua visitinha. Agora será a vez da presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, acompanhada pelo carrasco das aposentadorias dos franceses, Emmanuel Macron, que serão sucedidos pelo presidente brasileiro Lula.

Para além dos acordos comerciais e investimentos anunciados, as reuniões mantiveram o padrão da diplomacia secreta que circundou o encontro Xi-Putin no Kremlin. Mas, o prato principal foi como acabar com a guerra, preservando os interesses estratégicos das potências envolvidas no conflito, ao mesmo tempo em que todos estão de acordo em impedir uma vitória da resistência ucraniana. O decreto de Zelensky que desarma a população ucraniana, é uma das expressões.

A imprensa burguesa, os governos e os sindicatos amarelos com suas campanhas pela “paz” colocam a discussão sobre o fim do conflito nos seguintes termos: quem defende a soberania ucraniana? De nossa parte, insistimos que a nenhuma das potências envolvidas no conflito, os europeus ou Biden e Xi, interessam a soberania ucraniana, muito menos ante a possibilidade de que esta seja conquistada por uma vitória militar das massas que heroicamente resistem, apesar de Zelensky.

A pressa dos governos europeus e de Biden

Passados mais de um ano de guerra, agora com a crise no sistema bancário norte-americano e europeu, nunca foi tão correto dizer que “tempo é dinheiro” e, portanto, é a principal questão que deve preocupar as potências de ambos os lados do Atlântico. Acrescenta-se a isso que os governos europeus estão acossados por greves e a rebelião das massas francesas contra a reforma da previdência de Macron, e os monopólios petroleiros continuam subindo artificialmente o preço da energia, mantendo a pressão inflacionária na Europa. Nos Estados Unidos. a declaração da nova estrela republicana, De Santis, de que “os EUA não têm interesse estratégico na Ucrânia” joga lenha na fogueira da disputa interna com o Partido Democrata.

Após utilizar a invasão russa à Ucrânia para avançar em seus objetivos, conseguindo vitórias parciais importantes, urge para Biden uma “pax americana”, antes que as contradições geradas por tais louros produzam o efeito inverso: entre estas vitórias políticas parciais está a explosão do pacto germano-russo energético cujo óleo/gás azeitava a máquina exportadora alemã.

Mas, não apenas a incorporação da Finlândia à OTAN, é o recibo do fracasso estratégico de Putin ao reativar o papel norte-americano de gendarme europeu, também demonstra a falsidade de seu argumento para ocupar Ucrânia. A nova OTAN, poderá agir fora do espaço europeu, algo que buscou Bush, o pai, na primeira ocupação do Iraque em 1990 e também o filho em 2003, sem resultado. Em sua nova versão, a OTAN tem como observadores os países “aliados” do pacífico, quer dizer, Biden utiliza a guerra na Europa para fortalecer sua estratégia no pacífico. E diferente dos europeus, o tempo relativo de Biden é mais elástico, seu objetivo principal de conter a China, necessita de uma vitória no front ucraniano para fortalecer a relação com os aliados asiáticos.

Entretanto, as contradições embutidas podem gerar o efeito contrário, a reação alemã-francesa com o rearmamento europeu concretizado no aumento do orçamento militar francês, o qual é explorado por Xi que, segundo a agência de notícias Reuters, aplaudiu o desejo francês e europeu de “autonomia estratégica” porque isso evita “submeter-se à vontade dos outros” (alusão implícita ao aliado americano)”.

Após ultrapassar o momento mais crítico da crise energética, o inverno, não sem contradições, as greves que se multiplicam devido ao aumento da inflação, e o aumento da dependência dos oligopólios petroleiros norte-americanos, Macron y Von der Leyen se dirigem a Pequim, para “trazer a Rússia de volta à razão e todos à mesa de negociações”, como disse Macron em seu discurso na quinta-feira passada.

A guerra de agressão russa e a corrida pelas alianças

A guerra de Putin para manter-se no centro de Eurásia, e a política de Biden e dos europeus para isolá-lo ficou absorvida, não somente pelo incremento das relações comerciais com a China – cujas exportações a Rússia saltam de cerca de US$ 45 bilhões em 2019, para quase US$ 80 bilhões em 2022 – e Índia, mas, fundamentalmente, porque os países semicoloniais não engoliram o “altruísmo” norte-americano, tampouco dos ex-impérios coloniais europeus, de que estariam lutando pela em defesa da “soberania e dos direitos humanos”.

Esta é a conclusão do insuspeito The Economist, em sua edição de 25/03 ao referir-se à invasão do Iraque em 2003. O semanário explica que o problema não foi a ruptura das regras internacionais, mas…

O problema foi como isso foi feito — a maneira como os EUA e o Reino Unido ignoraram a lei internacional — e a violência que tomou conta do Iraque depois que o governo Bush fracassou em preencher o vácuo de poder criado pela mudança de regime. Os últimos 20 anos desde a invasão, somados à ditadura de Saddam, totalizam quase meio século de tortura para o povo iraquiano, centenas de milhares de pessoas foram mortas…

Em outras palavras, as leis internacionais não tocam nos interesses das potências. Se em 90 diziam atuar para defender o Kuwait, em 2003 após bombardear o mundo com a propaganda das “armas de destruição massiva”, não encontradas, e destruir todo um país, os restos do regime de Saddam e a decomposição social, originou nada menos que o Estado Islâmico, não se pode dizer menos do que a barbárie… a mesma que a Rússia está impondo à Ucrânia. E conclui o semanário definindo o eixo da propaganda imperialista:

“Para muitos, a invasão do Iraque em 2003 expôs o duplo padrão do Ocidente em relação ao direito internacional e aos direitos humanos, um ponto que a mídia estatal da China está ocupada em insistir… O objetivo de longo prazo é refutar a acusação de que as regras globais servem apenas aos interesses ocidentais e expor o ponto de vista pobre do mundo que a China e a Rússia estão promovendo.”

Ocorre que este “ponto de vista pobre” pode significar para as classes dominantes dos países semicoloniais, negócios, onde a região asiática está na mira chinesa com a Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Inciative – BRI) e enquanto isso Zelensky, para além dos mísseis de Putin, está às voltas com uma dura investida do FMI. Como afirmamos anteriormente, a submissão ucraniana, seja ao capital financeiro ocidental ou às armas russas, implicará mais sofrimento para o seu povo. A única força motriz que pode e que tem interesse em lutar pela soberania da Ucrânia são os seus trabalhadores, e por isso Zelensky busca desarmá-los.

China: navegando entre duas águas

A intensidade das negociações secretas destes dias não tem como distanciar-se muito da relação de forças sobre o terreno militar, diante do recuo das tropas russas, e a anunciada ofensiva de primavera de Putin: todos os caminhos das potências europeias levam a Pequim. Como afirma Reuters “segundo fontes diplomáticas, Macron pediu expressamente a Xi que China não forneça armas à Rússia. A resposta do presidente chinês de que a guerra da Ucrânia não era “sua guerra” talvez indique a resposta.

Xi, tenta deter a escalada de Putin, mas ao mesmo tempo tem que lutar para preservar o governo Putin, uma potência nuclear e um aliado para o controle de Ásia e na resistência às investidas dos EUA. Não por uma fidelidade canina, mas porque uma possível queda do regime russo, e a incerteza de quem o substituiria, questiona os objetivos chineses, no mínimo na Ásia. O aumento da dependência econômica russa em relação à China, principal comprador do petróleo e gás russo, antes destinada à Alemanha, inclina a balança da relação a favor de Xi. A força política desta dependência será testada nestes dias, sob a fórmula da saída política defendida por Xi.

Ao mesmo tempo em que os negócios chineses com a Europa, o principal destino das exportações – um fluxo comercial que alcança quase 700 bilhões de euros – e as consequências econômicas da guerra no continente, obriga Xi a mover-se com cautela com os governos europeus, pois também não lhe interessa uma recessão na Europa, montada em um tripé de crise bancária e greves…e guerra.

A manutenção do regime de Putin é vital para a expansão chinesa, que de eixo econômico asiático vai se convertendo no eixo político da Eurásia. Depois do acordo Teerã-Riad, que abre as portas para a volta do Irã ao mercado mundial de petróleo, rompendo as sanções norte-americanas, ato seguido o gabinete saudita em uma sessão presidida pelo rei Salman bin Abdulaziz, aprova a entrada do país na condição de observador na Organização de Cooperação de Xangai (OCX), aliança militar liderada pela China, além da Rússia, Índia, Paquistão, Irã e mais quatro Estados da Ásia Central. Em outras palavras: o controle do petróleo.

Mas a fórmula de Xi baseada em uma solução “política” passa por reconhecer que também a soberania russa foi violada pela expansão da OTAN no espaço historicamente conquistado pelo Czarismo. Conclui que a solução política passa pelo “respeito às preocupações de segurança de todos os países na solução da crise”. Isto é: o reconhecimento explícito de que cabe a Putin a forma e o controle dos Estados do antigo império dos czares.

Mas a esta altura da guerra, com o retrocesso das tropas russas, nenhum governo europeu pode apoiar explicitamente a repartição da Ucrânia, e ainda por cima tendo Xi como pacificador. Mas os Estados europeus estão dispostos a usar as relações comerciais como principal arma para que Xi utilize a dependência russa e force um “acordo”. Mas em qualquer caso, Von der Leyen, a presidenta da Comissão Europeia, viaja para a China com um mandato alemão, se demarcando da política de Biden:

“Acredito que não seja viável, nem mesmo no interesse da Europa, dissociar-se da China. Nossas relações não são preto no branco, e nossa resposta também não pode ser… é por isso que precisamos nos concentrar em reduzir o risco, não nos desvincular.”

As negociações secretas realizadas em Moscou e Pequim coloca para Xi a difícil tarefa de encontrar um ponto na fronteira para um possível acordo, que preserve a localização de Putin na Eurásia, ante o avanço, de um lado das potências ocidentais, e da China do lado oposto. Talvez, somente após o resultado da relação de forças militares sobre o terreno com o fim do inverno, se defina as condições para uma possível negociação. Porque o que está em jogo é, na verdade, a partilha da Ásia. Para seguir avançando é imprescindível para Xi contar com a Rússia para manter o equilíbrio político regional, ao mesmo tempo em que a debilidade do capital financeiro russo, ao impedir qualquer papel solitário russo, necessita da China para manter sua área de influência regional, ainda que seja pela força das armas.

A ameaça de utilizar armas nucleares, a partir do território da Belarus, em resposta à entrada da Finlândia na OTAN, somente alguns dias depois da visita de Xi, escala um degrau a mais no enfrentamento. Mas, a questão atual se mantém no papel da resistência ucraniana, que se colocou no centro da partilha asiática, ao condicionar os limites, ou até mesmo a continuidade do regime de Putin. Estamos presenciando uma frenética tentativa de acordo antes do início da primavera, a qual transferirá o centro das atenções ao terreno militar ditando os termos, a dinâmica e a relação de forças entre os Estados.

Em pouco tempo saberemos em que nível Xi se comprometeu com a ofensiva da primavera russa, qual seja, os acordos secretos que têm continuidade com a visita de Macron-Von der Leyen. Mas antes de qualquer coisa, reafirmamos que ambos os bandos necessitam derrotar e enfraquecer a resistência para garantir seus interesses, porque as guerras não eliminam a luta entre as classes, ao contrário as recrudescem. Neste momento, cercar a resistência de todo apoio continua sendo a principal tarefa do proletariado mundial, em particular o europeu.