Geraldo Batata, de Contagem (MG)

O recente apagão de energia elétrica em todo o país, contraditoriamente, lançou luz, novamente, na discussão sobre as privatizações. No caso da energia, menos de um ano após a privatização da Eletrobrás, já vivemos um corte com imensos prejuízos. 

A empresa já vinha sendo sucateada pelo governo Bolsonaro, para colocá-la à venda por um valor irrisório em relação ao seu patrimônio. O governo Lula, contudo, poderia ter aproveitado a crise desencadeada para avançar na discussão de reestatização da empresa, mas preferiu seguir a vontade de seus aliados no Congresso e calou-se diante dessa possibilidade. 

A derrota de Bolsonaro nas eleições não significou o fim da ofensiva burguesa contra os direitos da classe trabalhadora e o patrimônio público. Segue a ofensiva privatista, levada a cabo por governadores e prefeituras, enquanto o governo Lula segue dando continuidade a alguns projetos aprovados por Bolsonaro, sem reverter esses as privatizações. 

Entrega do patrimônio público 

Quem privatiza o Brasil?

Os governadores de vários estados seguem, a todo vapor, com seus planos de entrega de estatais em diversas áreas, como geração e distribuição de energia, saneamento básico, gás, mineração, dentre várias outras. 

Bahia – O governador petista Jerônimo Rodrigues colocou a Bahiagás à venda, o que pode agravar a crise nos preços dos combustíveis no Nordeste, já que, com a privatização da refinaria Landulpho Alves, a região apresenta os preços mais altos do país.

Minas Gerais – O governo Zema (Novo) está fazendo de tudo para vender a Copasa (empresa de saneamento e água), a CEMIG (energia elétrica), a Gasmig e a Codemig, que detém parte do controle sobre as reservas de nióbio (minério usado para fabricação de aço e outras ligas metálicas). Para isso, o governador enviou um projeto na Assembleia Legislativa que desobrigaria o estado de convocar um plebiscito popular sobre privatizações de estatais.

Paraná – O governo de Ratinho Júnior (PSD) privatizou a Companhia Paranaense de Energia (Copel), através de venda de ações no valor de R$ 5,1 bilhões. Uma bagatela, já que a empresa é uma das maiores no setor de energia, atendendo 4,5 milhões de domicílios, em 400 municípios.

Rio Grande do Sul – Eduardo Leite (PSDB) avançou com a assinatura da privatização da Corsan (saneamento), entregue para a Aegea Saneamento, uma das empresas que monopoliza o setor.

São Paulo – O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quer privatizar o Metrô, a Sabesp (água e saneamento) e a CPTM (companhia de trens). Além dessas, outras 12 empresas estão na mira do bolsonarista. 

Esses são alguns exemplos de empresas entregues ao capital internacional, a preços muito baixos e criando monopólios privados, que, sem pestanejar, também aumentam as tarifas e os lucros, piorando o atendimento à população. 

História do entreguismo

De monopólios estatais a monopólios privados

De acordo com o modelo de desenvolvimento econômico adotado no país, a criação de estatais garantiu a infraestrutura para a industrialização. Na verdade, as multinacionais entraram no país com indústrias de maior valor agregado, recebendo, por décadas, isenções fiscais, dentre outras vantagens que garantiram lucratividade fácil em tempo recorde. 

Por este motivo, o crescimento econômico do país foi profundamente marcado pela ampliação da desigualdade social, da miséria, da favelização das grandes cidades, a manutenção do latifúndio etc.

No decorrer das décadas, as estatais estiveram presentes em diversos setores, como a produção do petróleo e gás (Petrobras), geração de energia (como a Eletrobrás) ou em serviços prestados pelos estados, como saneamento, estradas, mineração e siderurgia. Assim, associadas à entrada de grandes indústrias estrangeiras, foram responsáveis pelo crescimento acelerado do país durante muito tempo. 

Mudança de rumo

No final dos anos 1980, quando o país assumiu uma nova localização na divisão internacional do trabalho, ao mesmo tempo em que ocorria uma queda na entrada de investimentos estrangeiros e a transferência desses para a China e Leste Asiático, a burguesia nacional passou a adotar um modelo de abertura comercial, privatizações e ajustes fiscais, com o objetivo de transferir a propriedade estatal e os serviços públicos para empresas privadas. 

Esse processo foi capitaneado por bancos, fundos de pensão e fundos de investimentos nacionais e estrangeiros que, desde então, constituíram grandes monopólios privados. Outra consequência foi a desnacionalização e a desindustrialização relativas da economia, visto que o setor primário (matérias-primas e alimentos), com fornecimento de produtos para a China, absorveu grande parte dos investimentos.  

As privatizações tiveram início no governo Sarney e continuaram com Collor, Itamar e FHC, governo que mais privatizou. Entre 1990 e 2005, mais de 200 empresas foram privatizadas e o dinheiro foi usado para pagamento de amortizações, juros e serviços da dívida pública. Ou seja, foram parar nos bolsos dos mesmos banqueiros que compram títulos da dívida pública. 

As empresas privatizadas são gigantes como a Vale, Embraer, Telebrás, Usiminas, Açominas, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), todo o setor de siderúrgico, de fertilizantes, distribuição de energia elétrica, além das ações da Petrobras e do Banco do Brasil.

Todos governos privatizaram

Os governos do PT seguiram administrando esse processo. Cerca de 2.600 km de rodovias foram revitalizadas e a manutenção foi concedida a grupos privados, cobrando taxas e pedágios. Além dos principais aeroportos do país, também foram privatizados os bancos do Estado do Ceará e o do Estado do Maranhão. E o maior leilão realizado resultou na entrega do Campo de Libra, na camada do pré-sal.

Bolsonaro avançou bastante na estratégia de venda das estatais, sendo a Eletrobrás a principal delas. Além disso, promoveu a venda de ações de subsidiárias da Petrobras (BR Distribuidora, Refinaria Landulpho Alves, e TAG) e do BNDESPAR (setor do banco especializado em marcado de capitais e investimentos). Ao todo,  Bolsonaro arrecadou R$ 304 bilhões com as privatizações,  valores também usados, em sua maior parte, para abatimento da dívida pública. 

A atual onda privatista, nos estados, está inserida nesse contexto. O objetivo é avançar na entrega do patrimônio público para os grandes monopólios privados. No guia informativo para a privatização da Sabesp, por exemplo, o governo Tarcísio de Freitas chegou a colocar como medida benéfica a transformação da empresa em plataforma multinacional do setor.

A rapina dos monopólios privados

Eles querem saquear nosso patrimônio

Desde o início das privatizações, muitas mudanças ocorreram no controle das empresas. Na grande maioria ocorreu a constituição de gigantescos monopólios privados de multinacionais, que assumiram os serviços antes prestados pelas estatais. Desde então, recursos fabulosos, que poderiam ser investidos no desenvolvimento do país, foram transferidos para poucos ricaços. Veja abaixo alguns exemplos:

→ Do antigo Sistema Telebrás, o controle da telefonia está nas mãos de três grandes grupos: Claro (30% do mercado, propriedade do mexicano Carlos Slim); Vivo (25% do mercado, espanhola); TIM (20% do mercado, propriedade italiana).

→ Embraer: 15% foram para a gestora norte-americana Brandes Investment Partners; 5,4% para o BNDESPAR; e outros 5% para BlackRock, maior gestora de investimentos do planeta. O restante foi pulverizado em ações de inúmeros fundos de investimentos.

→ Vale: 74% das ações da Vale estão pulverizadas. A Previ tem 8,72% das ações; a Mitsui, japonesa, 6,31%; e a BlackRock, 6,01%. 60% das vendas de minério de ferro vão direto para a China.

→ Setor de energia elétrica: Nove empresas controlam quase todo o setor, entre elas a Eletrobrás, Engie (Franco-Belga), AES, EDP (portuguesa e 3G Radar), ENEL (italiana), Energisa (nacional) e Neoernergia (Espanhola). Com a privatização da Eletrobrás, a energia está nas mãos dos monopólios privados, em sua maioria com participação de fundos de investimentos estrangeiros. 

→ Já no setor de saneamento, cinco grandes grupos controlam contratos com prefeituras e governos onde vivem 47 milhões de pessoas (22% da população). Essas empresas são controladas, em geral, por bancos e fundos de investimentos estrangeiros. A BRK é a maior empresa, detém quase metade das concessões privadas no país (45%) e é de propriedade da canadense Brookfield, atuando em 109 municípios, em uma área onde vivem quase 20 milhões de pessoas. As outras empresas são a Aegea, o Grupo Águas do Brasil (Saab), a Iguá e a GS Inima Brasil. As críticas da população se avolumam. Além de deixarem sem água as áreas onde a população mais pobre vive, também cobram uma tarifa 11% maior que em outras cidades e estados. Já houve casos em que o serviço foi reestatizado, como no Tocantins.

São essas empresas que estão de olho nas privatizações de Zema e Tarcísio. No caso da Sabesp, a receita líquida é R$ 22 bilhões e lucro líquido de R$ 3,12 bilhão. No caso da COPASA (saneamento em Minas Gerais), 11,8 milhões de pessoas são abastecidas pelo sistema e o faturamento anual é de R$ 5,37 bilhões, com lucro líquido de R$ 843 milhões. 

Trabalhadores devem exigir que Lula reestatize as empresas privatizadas

A luta dos sindicatos e movimentos sociais tem se intensificado esse ano. Em São Paulo, os trabalhadores e trabalhadoras das estatais, sindicatos e movimentos sociais lançaram, no último dia 05 de setembro, o “Plebiscito Popular Contra as Privatizações”. As votações e mobilizações têm encontrado grande apoio popular. No 5° Congresso da CSP-Conlutas, centenas de delegados e delegadas votaram contra as privatizações e, também, foi aprovado que se dê todo apoio à luta dessas categorias. Em Minas Gerais, os trabalhadores das estatais também têm se mobilizado contra a ofensiva de Zema.

Mas, enquanto isto, uma coisa começa a chocar os ativistas: apesar da grande expectativa quanto ao apoio do governo Lula/Alckmin na luta contra as privatizações, até esse momento o governo não se moveu para impedir que as mesmas continuem. Ao contrário, o governo Lula apoiou a privatização do metrô de Belo Horizonte, quando poderia tê-la impedido, e, até agora, tem se calado diante da privatização do metrô do Recife. 

No caso da Eletrobrás, a posição oficial do governo é manter a privatização e brigar meramente para aumentar o peso no Conselho de Administração, o que, de fundo, significa que pretende continuar sócio dos acionistas privados, gente como Lemann e Cia.

Isso não pode acontecer. Devemos exigir que o governo assuma, de forma definitiva e categoria, uma posição contrária às privatizações em curso, que reverta o processo no Metrô de BH e impeça o do Recife. Mas, também, que jogue todo o seu peso institucional contra as privatizações em curso nos estados e no país. E, ainda, reestatize as empresas que foram privatizadas, com apoio e controle dos trabalhadores e das comunidades. 

Não basta ser estatal, é preciso o controle dos trabalhadores.

As estatais foram fundamentais para o desenvolvimento econômico do país. No entanto, estão colocadas sob o marco geral da propriedade privada capitalista, que visa o lucro, sem levar em consideração as reais necessidades da maioria da população trabalhadora. 

Em geral, as direções dessas empresas ficam nas mãos de representantes do capital financeiro nacional e estrangeiro, que dilapidam essas empresas e reduzem a sua produtividade, desviando sua finalidade. Após saqueá-las durante décadas, resolvem, ao seu modo, privatizá-las a preços muito abaixo do que valem, demitindo trabalhadores, reduzindo direitos e aumentando as taxas para os serviços que prestam para a sociedade.

Um verdadeiro desenvolvimento econômico deve partir das necessidades da população. Por isso, a necessidade de reestatizarmos as empresas privatizadas que, hoje, são grandes monopólios que servem apenas para aumentar o lucro das oligarquias dos bilionários. Essa tarefa está nas mãos da classe trabalhadora, da juventude, de todos os explorados e oprimidos pelos desmandos do capital.

O controle dessas empresas pelos trabalhadores e trabalhadoras, a partir de conselhos populares, pode garantir que as riquezas dessas empresas sirvam para resolver os graves problemas sociais que são constantemente agravados pela crise do capitalismo. O socialismo que defendemos é o da democracia operária, do controle da produção pelos operários e a população trabalhadora. Significa colocar um fim às décadas de atraso econômico, social e cultural que herdamos de uma burguesia covarde, exploradora e escravocrata.