Júlio Anselmo

No último dia 3 de outubro, a capital de São Paulo parou contra as privatizações levadas a cabo pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

A entrega dos setores e do patrimônio público, porém, não é uma exclusividade de São Paulo, como aponta o recém-lançado boletim “Contra-Corrente”, do Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), dedicado às privatizações. Ao menos seis outros governadores já anunciaram sua intenção de privatizar, nos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, Goiás, Alagoas e Espírito Santo. O setor mais visado desse processo é o de infraestrutura.

Se os governos da direita tradicional e bolsonaristas alardeiam aos quatro ventos seu projeto privatista, os do PT seguem a mesma cartilha, ainda que de forma mais escamoteada. 

O governo petista de Jerônimo Rodrigues, na Bahia, avança na venda da Bahiagás, segunda maior distribuidora de gás natural do país. Em maio, o governo petista firmou contrato com a Ernst & Young (multinacional britânica de auditoria e consultoria) e o Consórcio Genial (especializado em estruturar, financeira e juridicamente, planos de privatização, tendo participado da venda da Eletrobras), a fim de organizar a venda da estatal de gás.

Já o governo Lula, meio que ataca as privatizações, no discurso e de forma dúbia; mas, por debaixo dos panos, avança na entrega do patrimônio e de serviços públicos ao capital privado e aos grandes monopólios internacionais e nacionais. Na prática, não só não move um dedo para reverter a venda da Eletrobrás, como permite a entrega do metrô de Belo Horizonte, controlada pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), vinculada ao Ministério das Cidades. 

Em abril último, o Governo Federal alterou um decreto de 2016, sobre “incentivo ao financiamento de projetos de infraestrutura”, ampliando as áreas passíveis de entrarem no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência; ou seja, que podem virar concessão ou Parcerias Pública-Privadas (PPPs). Essas áreas vão do saneamento básico, da Educação e da Saúde, até mesmo à Segurança Pública e sistema prisional, como ocorreu no último dia 6, com a concessão do Presídio de Erechim (RS).

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Tipos diferentes de uma mesma entrega

Privatização e Parcerias Público-Privadas

A entrega do país, suas riquezas e do setor público aos grandes grupos privados, especialmente estrangeiros, assumiu diferentes formas nos últimos anos. Existe a venda pura e simples das estatais; ou o Estado se desfazendo de suas ações, até que permaneça minoritário, com o controle sendo transferido ao capital privado, como Bolsonaro fez com a Eletrobrás (e o governo Lula manteve) ou Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende fazer, agora, com a Sabesp (empresa de saneamento e água de São Paulo). 

Existe, ainda, casos como o da Petrobras, em que o controle está com o Estado, mas a maioria de suas ações é repassada aos grandes capitalistas estrangeiros e, na prática, a empresa atua como se já fosse uma empresa inteiramente privada, a fim de proporcionar dividendos bilionários aos banqueiros e acionistas, especialmente estrangeiros.

Outra forma é a Parceria Público-Privada, em que uma empresa é remunerada pelo Estado para a concessão de determinado serviço público. São estabelecidos contratos, que podem variar de cinco a 35 anos, com lucros garantidos através de repasses públicos. Ou seja, um capitalismo de risco zero. 

Todos caminhos levam aos bolsos de empresários e banqueiros

Nessa modalidade, a PPP pode ser através de uma “concessão administrativa”, em que a remuneração ocorre diretamente pelo governo (como no caso dos presídios), ou “patrocinada”, em que há uma combinação de recursos públicos e da população, através de taxas ou tarifas (como no transporte público). 

A PPP, geralmente utilizada para privatizar de forma disfarçada, tem, portanto, o mesmíssimo sentido da privatização tradicional, com o mesmo objetivo: fazer lucrar os grandes conglomerados privados. 

E de forma até mais vantajosa pois, aqui, praticamente não há o risco de que o negócio não prospere, seja por uma má gestão, seja por uma eventual crise econômica. O governo entra com o dinheiro e as empresas saem com o lucro. Além de abrir não uma brecha, mas um verdadeiro rombo para todo tipo de falcatrua, desvio e corrupção.

Entreguismo

Avanço do rebaixamento e da decadência do país

O avanço da entrega do país segue o processo de recolonização e desnacionalização. A tendência de regressão do país à condição de mero exportador de commodities (produtos agrícolas e recursos naturais), cada vez mais colônia do imperialismo, é o que está por trás da entrega das estatais, que começou há 30 anos e que, agora, tem um novo impulso. 

Por que isso acontece? O Brasil viveu um processo acelerado de industrialização após a Segunda Guerra. Porém, longe de ser fruto de uma política independente de desenvolvimento, ainda que capitalista, a industrialização no Brasil foi desde sempre subordinada ao imperialismo e às multinacionais. 

Nisso, o Estado investiu pesadamente em projetos e estatais de infraestrutura, a exemplo da própria Petrobrás; para a geração de energia elétrica, como a Eletrobrás; ou para a mineração e siderurgia, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Vale do Rio Doce. Ou seja, tratou-se de criar as condições para a instalação e funcionamento das multinacionais, principalmente automobilísticas, com uma indústria privada brasileira de componentes, no marco de um desenvolvimento capitalista subordinado.

Os investimentos do Estado se estenderam à urbanização do país, mesmo que extremamente insuficiente, nem sequer garantindo saneamento básico à população (e hoje, mesmo após os 14 anos dos três governos do PT, quase metade do povo não conta com água e esgoto). 

Já setores como Saúde e Educação avançaram com muita luta, permitindo conquistas como o direito à Educação gratuita e o Sistema Único de Saúde (SUS), também, desde sempre insuficientes. Até mesmo porque, há 30 anos, vêm sendo atacados, desmantelados e privatizados. 

Sob o neoliberalismo, o imperialismo exige a total entrega do país

Acontece que, com o advento do neoliberalismo e o redesenho da organização internacional dos Estados, se o papel do Brasil era o de uma plataforma regional de exportação de produtos industrializados, reconfigurou-se cada vez mais como um fornecedor de matérias-primas. 

Se nos últimos 30 anos tivemos a venda de estatais estratégicas, como a Vale e a CSN, e de setores de ponta, como a Embraer, agora tivemos a Eletrobras e se abre a perspectiva da entrega de praticamente todos os setores públicos. É o imperialismo, com a ajuda e o suporte dos governos federal e estaduais, raspando o tacho do patrimônio público para a entrega aos monopólios.

Resumo da história: se o desenvolvimento capitalista e burguês, baseado no domínio do imperialismo, já colocou o Brasil numa condição de subalternidade e rebaixamento, agora isso se agrava ainda mais com a privatização do que resta das estatais, e a entrega de todo o setor público. É um passo adiante na decadência do país.

Romper com o imperialismo

Reestatização das empresas entregues, sob o controle dos trabalhadores

É necessário, antes de mais nada, parar todas as privatizações que estão ocorrendo. Chega de privatizações e PPPs. Mas é preciso, também, reestatizar as empresas privatizadas, sob o controle dos trabalhadores, começando por garantir uma Petrobrás 100% estatal, sob controle dos trabalhadores.

O sistema elétrico do país já está quase todo privatizado e nas mãos de várias multinacionais. A Petrobras, por sua vez, está cada vez mais nas mãos dos fundos de Investimentos estrangeiros, dos banqueiros internacionais, enquanto as petrolíferas estrangeiras entram cada vez mais no Brasil. 

Mesmo os setores mais importantes da economia nacional, como o agronegócio, estão nas mãos de monopólios financeiros. Agora, além das rodovias e aeroportos, também estão entregando os portos. E por aí vai.

Essas empresas não têm interesse em desenvolver o país. Querem, pelo contrário, lucro rápido e fácil. Por isso, inclusive, ao longo dos anos, sempre se aproveitaram da relação com o Estado através das PPPs, das privatizações e de todo tipo de benefícios fiscais e econômicos. Também continuamos reféns dos interesses das multinacionais e dos países ricos e, por isso, o país se mantém atrasado e especializado em setores de baixo valor agregado. 

Mesmo com Lula fazendo grande propaganda do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), prometendo bilhões em investimentos, o que estamos vendo é, na verdade, a entrega e cada vez maior domínio da economia brasileira pelas multinacionais, sejam elas dos EUA, da Europa ou China.

É preciso derrotar nossa burguesia submissa e o imperialismo sanguessuga

A burguesia brasileira é associada à burguesia internacional e não tem nenhum interesse em mudar sua posição de subalternidade. A burguesia imperialista, por sua vez, ao investir no país, não faz isso nas áreas de pontas, nem transferindo tecnologia ou contribuindo para o real desenvolvimento para o Brasil para ascender no cenário internacional. 

Pelo contrário, nos mantém submissos, como importadores e consumidores de tecnologia, e dependentes das matrizes de suas empresas. E ao menor sinal de crise, ou ao bel prazer de suas empresas, depois de extraírem bilhões em riquezas do povo, saem daqui sem que fique nada de desenvolvimento no país, como foi no caso da Ford. 

Por isso que é fundamental a reestatização das empresas privatizadas. Mas, também, não há desenvolvimento no país que não passe pela expropriação dos grandes monopólios que dominam nossa economia. Não basta estatizar. Afinal, o Estado atual segue servindo aos interesses capitalistas. 

Por isso, seria preciso também colocar estas empresas sob controle dos trabalhadores. Assim seria possível termos serviços de melhor qualidade, muito mais baratos, com salários dignos para seus trabalhadores. E, principalmente, com os lucros gerados por essas empresas, que hoje vão para os acionistas e bolsos privados, podendo ser revertidos para o investimento nas necessidades do povo e do país.