Wagner Damasceno, de Florianópolis (SC)
Wagner Miquéias F. Damasceno – Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU
Quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que o governo deveria aproveitar a pandemia de COVID-19 para “passar a boiada”, veio a público o modus operandi do governo Bolsonaro: aproveitar a maior pandemia do século para destruir direitos, liberdades e promover toda sorte de ataques aos trabalhadores, às mulheres, negros, indígenas e LGBTs.
É o que Sérgio Camargo vem fazendo à frente da Fundação Palmares.
Quem é Sérgio Camargo?
Camargo é um jornalista de 56 anos, cuja biografia não registra domínio técnico e/ou teórico acerca da questão racial, nem registra atuação relevante nos debates políticos públicos que o capacitassem para assumir a presidência da Fundação Palmares, em novembro de 2019.
Então, por que este homem tornou-se presidente de uma instituição cuja missão é promover e preservar a cultura e a história do povo negro?
A resposta é simples: porque Camargo é um negro bolsonarista. Isto é, um militante de extrema-direita alinhado a Bolsonaro e ao escritor Olavo de Carvalho.
Camargo veio à superfície com a vitória eleitoral do bolsonarismo e pôs a sua cor e a sua raça à disposição de Bolsonaro em seu projeto autoritário para o conjunto do país, e de autoritarismo particular ao movimento negro.
Mas ele não faz isso tudo de graça. Além do prestígio que o cargo em Brasília lhe proporciona, segundo o Portal da Transparência, Camargo recebe um salário de R$ 16.944,90. Nada mal, não é mesmo?
Nestes quase dois anos, Camargo desferiu vários ataques ao povo negro.
Em ocasião do 13 de maio do ano passado, Camargo ordenou a publicação de uma série de textos delirantes e caluniosos no portal da fundação. Um deles chamava Zumbi de Palmares de “falso herói” e insinuava que o líder quilombola era um “vagabundo”, “farsante” e “bandido”.
Em dezembro passado, o bolsonarista excluiu da lista de personalidades negras da Fundação Palmares nomes como Elza Soares e Conceição Evaristo.
E neste dia 10 de junho publicou “Retrato do Acervo: três décadas de dominação marxista na Fundação Cultural Palmares”, um relatório que tenta embasar sua ordem inquisitorial de retirada de obras literárias e imagéticas que, nas palavras do próprio Camargo, são “obras pautadas pela revolução sexual, pela sexualização de crianças, pela bandidolatria e por um amplo material de estudo das revoluções marxistas e das técnicas de guerrilha”.
Num misto de caça às bruxas macartista e de perseguição cultural maoista, o relatório dividiu o material entre “Caixas ‘A’ (Temática negra, militante e não militante); Caixas ‘B’ (Temática não negra, militante e não militante); Caixas ‘C’ (Temática não negra, francamente marxista)”.
Ataques aos quilombolas
A Fundação que preside leva o nome do mais importante quilombo da história deste país: Palmares. E desde que assumiu sua presidência, a Fundação suspendeu as certificações dos processos de titulação de terras quilombolas, impedindo que esses processos prossigam na via crúcis burocrática para à regularização desses territórios.
E, como se isso não bastasse, no dia 31 de maio deste ano, Camargo revogou uma instrução normativa de 2018 emitida pela própria Fundação Palmares que estabelecia termos para licenciamento e proteção ambiental de terras quilombolas. Com isso, os territórios quilombolas ficam sem qualquer proteção jurídica contra a sanha de empreiteiras, madeireiros e latifundiários.
Um capitão do mato em Palmares
Capitães do mato eram negros livres que, em troca de um soldo, capturavam e devolviam aos senhores os escravizados que fugiam ou que se aquilombavam. Não à toa, eram odiados pelos demais negros e quilombolas. Afinal, colocavam sua raça, suas redes de relações sociais e seu conhecimento da região a serviço dos escravagistas, contra o povo negro.
Durante a escravidão, capitão do mato chegou a ser uma espécie de posto militar. Não à toa, o termo passou a ser associado aos modernos policiais, sobretudo os militares, já que além de serem os principais responsáveis pela prisão e execução de negros nas favelas e periferias deste país, também são eles mesmos em sua maioria negros. E, como parte da força repressiva do Estado burguês, a polícia está a serviço da atual classe dominante: a burguesia.
Mas, a verdade é que capitão do mato tornou-se uma expressão usada para designar negros – seja de pele mais escura ou clara – que perseguem e oprimem outros negros de diferentes maneiras, mas sempre a serviço de senhores (geralmente brancos).
Não há, portanto, termo mais adequado para classificar o presidente da Fundação Palmares. Sérgio Camargo é um capitão do mato a serviço de Jair Bolsonaro e da grande burguesia que afiança esse governo de ultradireita e genocida.
Palmares não é seu lugar. Palmares não é lugar de capitão do mato. Fora Sérgio Camargo.