Entrevistamos Seu Alex, candidato a vice-governador no Pará. Assim como seu  companheiro na chapa, Cleber Rebelo, Seu Alex também é operário da construção civil, negro e dirigente do sindicato da categoria em Belém. Contudo, há uma questão fundamental: Seu Alex é um homem trans, o primeiro a disputar um cargo como este no Brasil. Em nossa conversa, Seu Alex nos falou um pouco sobre sua vida, de como entrou na luta sindical e no PSTU e do significado do nosso chamado à rebelião para os(as) trabalhadores(as) em geral e, particularmente, para os(as) LGBTs.

Seu Alex, nos fale um pouco de suas origens e de sua vida.
Seu Alex: Eu nasci filha de uma mulher negra, que era filha de índio, criada no interior de Bragança. Eu não conheci meu pai, só meu padrasto. Lá pelos 12 anos, já me viam jogando bola, empinando pipa, estas coisas de moleque. Adorava tudo isso e, já nessa época, vivia no meio dos meninos. Mas, na adolescência, na escola, eu era obrigada a usar aquelas saias rodadas, camisa de manga cumprida etc. E eu não gostava. Esse meu padrasto queria ser dono de mim, mas eu era muito rebarbada [gíria paraense pra gente muito brava]. Respondona, mesmo. E eu mesmo comecei a identificar que não era aquilo que eu queria ser. Não me via como mulher, nem pensava em ter marido. Muito menos viver a vida que minha mãe tinha com o meu padrasto. Aí, eu comecei a me descobrir e a me envolver com as meninas e vi que era isto que eu queria: queria me envolver com outras mulheres. Mas, mesmo quando eu brincava de casinha, eu sempre era o “homem”.

E como foi que você se tornou o “Seu Alex”?
Seu Alex: Teve um período, antes de começar a trabalhar na construção civil, que eu trabalhava na feira informal e eu tinha uma colega, de apelido de “Índia”, mas que usava o nome de guerra de Juliano. Ela um homem trans, também. E a gente foi formando aquela amizade. Aí, o povo começou com sacanagem, dizendo que eu tinha cara de Seu Alex e eles mesmos batizaram minha barraca de “Barraca do Seu Alex”. E eu gostei do nome e comecei a usar. Isso vem de uns 10 anos atrás, eu acho. Faz dez anos que eu fui batizado. Ali na Feira de Entrocamento, onde, hoje, é aquele elevado da Cabanagem.

E como foi que você foi parar na construção civil? Aliás, sabemos que este setor é formado majoritariamente por homens heterossexuais, então, o senhor enfrentou muito preconceito?
Seu Alex: Quando eu entrei na construção civil, eu, na verdade, não tinha outra opção. Eu tentei o mercado informal, mas tinha muita perseguição da polícia, como tem até hoje, contra os camelôs. Então, eu passei a procurar os canteiros de obras. E quando eu cheguei, como este meu jeito de ser, eu tive muitas dificuldades. Muita mesmo. Os camaradas me olhavam com diferença. Muita gente me via como mais um que iria tirar o emprego de “um homem de verdade”, um hétero.  Eu vivi muito o preconceito. Ouvia muita piadinha. Com o tempo, os camaradas foram se acostumando, mas só porque eu nunca abaixei a cabeça. Eu sempre fui assim. Como disse, sempre fui rebarbado. Aprendi a responder e enfrentar a mãe e o padrasto. Então por que eu me iria ficar calado diante dos camaradas todos? Eu tentava explicar pra eles minha orientação sexual, minha identidade de gênero. Eu sempre soube quem eu era e como eu queria me identificar. Mas só foi com muito esforço e tempo, muito mesmo, que eu comecei a ser aceito entre os camaradas. Foi assim que eu conquistei o respeito dos camaradas. Eu botei respeito. Fui mesmo pra cima e não deixei que nada me abalasse. Eu queria e mostrei pra eles que eu queria viver e me sentir como eles, que nasceram homens. Que apesar de qualquer diferença de sexo, eu merecia respeito, inclusive em termos de trabalho.  E, agora, me sinto bem em qualquer canteiro de obra. Onde quer que eu vá, qualquer camarada da obra me respeita do jeito que eu sou: Seu Alex, um trans, negro, operário. E cheio de orgulho.

E como foi a história daí até você se transformar em diretor do Sindicato da Construção Civil em Belém? Como estes camaradas, hoje, lhe veem como dirigente da categoria e porta-voz de suas lutas?
Seu Alex: Eu tava trabalhando num equipamento de um canteiro de obra chamado cadeirinha, que fica do lado de fora dos prédios. Tinha 32 andares e desci de lá pra beber água, mas não tinha bebedouro nem água pra beber. Nisso, eu vi que tava tendo uma reunião dos patrões e fui até lá, bati na porta e eles não abriram. Aí, eu bati com mais força, vendo que a mesa estava cheia de garrafinhas de água mineral, enquanto nós, homens e mulheres, que estávamos lá fora, no sol quente, muita gente pendurada nos prédios, não tínhamos sequer uma gota de água pra beber, nem na hora do almoço. Procurei o mestre de obra e disse: “Muito bonito, né? Eles bebendo água mineral na reunião e nós lá, no sol quente, sem água pra beber”. Aí, tinha uns camaradas que já conheciam o pessoal do sindicato e chamaram eles. Então, vieram uns companheiros do sindicato e duas colegas da militância do PSTU. Quando elas chegaram, eu tava falando na reunião e foi aí que eu recebi o convite pra conhecer o partido, de vir pra militância, de vir pra luta. E foi isto o que aconteceu. Depois, me convidaram pra participar das reuniões no sindicato, também. Em 2008, tinha eleição do sindicato e eu fui eleito, porque os próprios colegas da obra acharam que era melhor eu entrar pra defender as nossas lutas. Eles já me viam como uma referência e isto foi legal.

Sabemos que o Brasil é o que mais mata transexuais no mundo. O que significa ser um homem trans num país como este?
Seu Alex: Realmente muitos de nós somos mortos, mesmo. Matam muitos e muitas travestis, transexuais e LGBTs todo ano, dia após dia, porque parece que nós incomodamos a sociedade. Mas nós somos seres humanos e temos o direito de viver com dignidade. Temos que ter o direito de viver, de amar, de tentar sermos felizes. Deveríamos ter o direito de abraçar e beijar, na rua ou em qualquer lugar, nossos companheiros e companheiras. Mas isto ainda incomoda muita gente. E, aí, entram os assassinos. Gente que nos maltrata e mata. E o governo é cúmplice por não fazer nada. Todo dia tem um caso. Um dos últimos casos, inclusive, foi da policial que se identificava como trans e foi assassinada. Mas, isto acontece todo dia, mesmo.

Hoje, tem gente que diz que vivemos uma “onda conservadora”, que impede o povo de lutar e se mobilizar. Tem gente por aí dizendo que houve um “golpe” e que precisamos unir as “forças progressistas” pra defender a democracia.  Como você vê esta história?
Na verdade, o que acontece é que a gente teve que lutar quando tinha os governos do PT e temos que continuar lutando agora. Naquilo que é mais importante eles são iguais. Pra nós, LGBTs, operários, negros e negras, mulheres a única saída continua a mesma: fazer uma rebelião contra os “de cima”, que só lucraram com estes governos. Pra nós, só tem um jeito: a revolta. A gente tá num sistema em que nenhum governo, de verdade, está do nosso lado ou nos dá apoio. Por isso, nós estamos apresentando nosso programa e nosso chamado à rebelião. Nós queremos juntar todos e todas os “de baixo” e construir uma sociedade socialista. Diferente de tudo isto.

Você é candidato a vice-governador ao lado de outro peão de obra, o Cleber Rabelo. Na campanha, vocês têm defendido que a luta contra as opressões tem que ser travada com independência de classe e ao lado dos trabalhadores e daqueles que se encontram entre os mais explorados, como o povo da periferia, os ribeirinhos, quilombolas e indígenas. O que significa esta unidade com a classe na luta dos LGBTs?
Seu Alex: Eu e o Cleber, que é também operário, juntos, defendemos a classe. Todos trabalhadores e trabalhadoras que são explorados. E, pra todo mundo que também é oprimido, como nós, LGBTs, mulheres, negros e as negras, eu acredito que é a única saída é unir as duas coisas. Precisamos unir a luta contra a opressão que sofremos à luta contra a exploração que todo(a) trabalhador(a) sofre. Eu acho que se unindo, a gente vai conseguir lutar com mais força. Eu vejo as coisas assim. Só unidos é que vai ser possível encontrar uma forma de combater tudo isso. Mas, pra que isto aconteça, a gente tem que se enfrentar com o capitalismo e os burgueses, que são os que usam dos preconceitos pra dividir os trabalhadores e explorar a gente ainda mais.  São os burgueses que massacram a classe trabalhadora com a exploração e, também, estão por trás dos assassinatos das mulheres, dos gays, das lésbicas, dos negros, dos homens e mulheres trans. Todo mundo que é “diferente”. Nossa chapa que passar esta mensagem. A gente tem que se juntar. É um operário hétero e um operário trans tentando organizar a luta e apresentar uma solução pros sofrimentos de nosso povo.

Cleber Rabelo e Seu Alex: A chapa do PSTU ao governo do Pará

Sempre dizemos que as urnas são pequenas pra caber nossos sonhos e que só a luta muda a vida. Então, por que participar das eleições? Qual é o recado que você quer dar principalmente pros LGBTs na campanha eleitoral?
Seu Alex: Estamos nas eleições pra fazer um chamado à rebelião. Por isso, meu principal recado pros LGBTs é que é preciso que a gente se organize. O que a gente que dizer na campanha é “Vamos nos unir, vamos nos organizar, lado a lado com os operários e os outros setores oprimidos e explorados”. Estar nas eleições é um jeito, pra nós do PSTU, pra mostrar e discutir nosso programa. O que a gente quer é levar um programa de luta contra tudo isto que tá aí. Um programa socialista. É um jeito pra chegar nos bairros, nas obras, nas escolas, na periferia, onde quer que tenha gente explorada e oprimida. Estar nas eleições, pra nós, é um meio pra colocar nas ruas e espalhar por aí nossa revolta, nossa indignação e nossa vontade de se rebelar contra tudo isto. E, acima de tudo, queremos apresentar uma saída pra esta situação. E pra nós, a única saída é acabar com o capitalismo e construir o socialismo.

Nestas eleições o PSTU está fazendo um chamado à rebelião. O que significa isto para os transexuais e qual é o programa que o partido defende?
Seu Alex: Queremos fazer um chamado pra unir toda a classe. Aqueles e aquelas que são mais oprimidos e explorados. Nós queremos juntar todo mundo, LGBTs, negros e negras, mulheres, indígenas, quilombolas com todos e todas da classe operária pra fazer uma rebelião, pra organizar uma revolta imensa pra mudar este sistema. As coisas só vão mudar assim. Que morra este capitalismo. E nós, LGBTs e principalmente os homens e mulheres trans, precisamos nos unir com a classe trabalhadora. Não só os(as) LGBTs. É preciso unir todos os “de baixo”. Temos que pegar aquela revolta que sentimos quando matam uma mulher, quando matam um negro e, muito mais, quando matam um (a) trans e se organizar pra acabar com este sistema. Nosso programa específico para o combate à LGBTfobia (vejam os principais pontos abaixo) tenta unir aquilo que nós, trans, lésbicas, gays, travestis etc. precisamos com as necessidades de toda a classe trabalhadora.

Um programa para o combate à LGBTfobia
A luta contra o preconceito, a discriminação e a violência contra os/as LGBTs tem um profundo corte de classe, porque não é possível acabar com todo o preconceito sob o capitalismo. Não há saída individual, nem por meio do consumo capitalista (“libertação pelo mercado” ou “cidadania pelo consumo”) que acabe com a LGBTfobia:

1. Criminalização da LGBTfobia! Contra toda forma de violência e assédio (físico, psicológico, moral ou emocional). Por campanhas que combatam o preconceito e a discriminação e pelo amplo atendimento às vítimas de violência, com atendimento à saúde física e psicológica, a construção de casas abrigo, investigação e punição aos agressores;
2. Fim da exclusão, da discriminação no mercado de trabalho e do desemprego impostos pela LGBTfobia.
3. Abaixo à repressão policial LGBTfóbica.
4. Respeito à identidade de gênero na saúde, nas instituições de ensino, nos presídios e em todos os espaços sociais
5. Direito ao nome social de transgêneros, transexuais e travestis, sem burocracia
6. Despatologização da transexualidade;
7. Acesso amplo, público, gratuito e sem discriminação à saúde das LGBTs, respeitando e atendendo às especificidades e necessidades ligadas ao sexo, à identidade de gênero e à orientação sexual;
8. Acesso amplo à saúde das pessoas transexuais, incluindo o direito à cirurgia de redesignação sexual e tratamentos hormonais pelo SUS!
9. Fim das regras que proibem gays, travestis e transexuais de doar sangue;
10. Por educação pública que garanta o livre e seguro desenvolvimento e exercício da sexualidade e respeite a diversidade de gênero e orientação sexual. Não ao Projeto Escola sem Partido!
11. Cotas para pessoas transexuais nas Universidades e nos Concursos Públicos! Abaixo à exclusão e o desemprego;
12. Fim da mercantilização dos espaços de luta das LGBTs, como as Paradas do Orgulho LGBT, que são patrocinadas pelos governos e pelo mercado pink, restringindo a participação do movimento e esvaziando-os de conteúdo político;
13. Por um Estado laico de fato: abaixo a intervenção religiosa sobre os direitos LGBTs.
14. Abaixo à LGBTfobia na mídia pela a divulgação de estereótipos e desmoralização das LGBTs! contra a divulgação de ideologias que alimentam a discriminação.