Background of many american one hundred dollar banknotes
Gustavo Machado do canal Orientação Marxista

Nos dois artigos anteriores desta série (Keynesianismo: a ciência impossível do capitalismo e Socialismo X Capitalismo | Liberalismo: as leis “eternas” do mercado), vimos como liberais e keynesianos interpretam unilateralmente o dinheiro e o capitalismo. Tais interpretações unilaterais e, por isso, falsas, os levam a propor saídas distintas para salvar o capitalismo. Existe, ainda, outra corrente que vem ganhando peso nos dias de hoje e atribui poderes realmente mágicos ao dinheiro e ao Estado. É conhecida como MMT (Modern Monetary Theory), sigla em inglês que em português chamamos Teoria monetária moderna.

Tal como os keynesianos, os adeptos da MMT delegam ao Estado o papel de regente da orquestra, o elo capaz de fazer o capitalismo se desenvolver de modo continuado com pleno emprego. O foco, no entanto, é a produção de dinheiro. Vejamos.

Os fazedores de dinheiro

Toda a questão gira em torno de dois aspectos básicos e verdadeiros. O primeiro é que não interessa quantas moedas existam, o Estado deve adotar um padrão monetário válido em todo o seu território. Por exemplo, o real. Como não há planejamento social no capitalismo, a única forma de comparar a riqueza produzida em todos os lugares é por meio de um padrão dos preços comum. A montadora de automóveis sabe que seu carro vale 40 vezes mais do que um celular, porque o carro custa 40 mil reais e o celular, mil reais. Sem a moeda estatal seria impossível saber. O Estado deve, necessariamente, emitir uma moeda válida e aceita em todo o território nacional, pela força da lei: é a moeda de curso forçado.

O segundo ponto é que a emissão dessa moeda não ocorre imprimindo uma mala de dinheiro e entregando ao primeiro que passa na rua. A moeda de curso forçado, como o real, entra e sai na economia por meio do orçamento público. Quando o Estado gasta, sendo ele o emissor da moeda, um banco qualquer terá um crédito com o governo: pago na moeda estatal. Uma certa quantidade de moeda entra na economia. Quando uma quantia é paga ao Estado, essa moeda é, por assim dizer, destruída: retorna àquele que a emitiu.

Nos dias de hoje, os Estados procuram manter essa balança entre gastos públicos e arrecadação pública “equilibrada” – emissão e destruição de moeda –, delegando o desequilíbrio para o mecanismo de expansão ou contração da dívida pública interna. Deixaremos, no entanto, a dívida pública para outro momento.

Por ora, o que nos interessa entender é o seguinte. Segundo essa explicação, não existe limite para os gastos públicos. Sendo o Estado o emissor da moeda legalmente aceita em todo o território, ele pode gastar à vontade, sem qualquer limite. A MMT não passa de um keynesianismo turbinado pelos poderes mágicos do dinheiro. O Estado poderá gastar de forma ilimitada, por exemplo, para promover o pleno emprego ou para desenvolver a indústria nacional. É assim que vários “marxistas”, adeptos da MMT, defenderão a emissão desmedida de moeda de modo a desenvolver as forças produtivas e o capitalismo até que, no dia do juízo final, a sociedade esteja preparada para o socialismo: é o etapismo.

Quem realmente cria o dinheiro?

O problema da MMT, como toda concepção burguesa, está em seu unilateralismo. Considera apenas o aspecto técnico por meio do qual a moeda de curso forçado é produzida, deixando de lado o significado social do dinheiro. Aliás, esse significado social, no caso do dinheiro, é simplesmente tudo. Papel moeda e mesmo ouro não são, por natureza, dinheiro. Dinheiro é o produto de um processo social em que um mediador tem de surgir, já que a produção da riqueza é social e sua apropriação é privada.

O dinheiro é, no capitalismo, o elo que liga essas várias empresas independentes e seus proprietários. A classe operária produz a riqueza. O capitalista é quem controla a riqueza produzida pela classe operária, separando o valor de seu corpo e o cristalizando em dinheiro. O Estado, portanto, não cria nem destrói dinheiro. Ele cria apenas uma moeda, cujo valor depende inteiramente da produção e circulação de mercadorias. O valor expresso pelo dinheiro depende inteiramente da classe operária e não do Estado. É por isso que, na MMT, a luta de classes é jogada para debaixo do tapete. O processo social é reduzido a uma questão técnica envolvendo a moeda estatal.

De nada adianta dispor da moeda se o conhecimento técnico e a capacidade para produzir são propriedade das empresas privadas, sobretudo as estrangeiras. De nada adianta migrar para o âmbito do Estado os valores produzidos, por meio do artifício de emitir moeda, se esses valores continuam sendo produzidos de modo privado, visando o lucro. O proprietário, para evitar que os valores que ele controla migrem para o Estado, poderá elevar o preço das mercadorias: é a inflação, que constantemente assombra a classe trabalhadora.

Definitivamente, não existe solução técnica para as contradições do capitalismo. Essas contradições apenas podem ser solucionadas alterando-se a forma como a sociedade se organiza, revolucionando as relações de propriedade. Quando a produção e distribuição da riqueza tornar-se social, o dinheiro será desnecessário. Teremos apenas contabilidade social. Os marxistas devem, portanto, desnudar os poderes mágicos do dinheiro e devolvê-los àqueles que são os únicos responsáveis por esse aparente poder: a classe trabalhadora.