Bernardo Cerdeira, de São Paulo (SP)

Em dia 5 de março se cumpriram 70 anos da morte de Stálin, o governante da União Soviética durante 30 anos. A Unidade Popular (UP), um partido de esquerda fundado recentemente, comemorou a data no Twitter exaltando os “70 anos da imortalidade de Josef Stálin”.

Em alguns tweets há afirmações como essas: “a vida e a obra do ‘marechal de aço’, como era conhecido, permanecem vivas e ganhando força a cada dia.” Ou ainda: “o legado de Stálin ilumina o caminho da luta de classes e reforça a necessidade de fazer a revolução e esmagar o capitalismo”.

A UP só faltou chamar Stálin de Guia Genial dos Povos, como faziam os stalinistas na época “áurea” em que todos os Partidos Comunistas se submeteram vergonhosamente ao culto à personalidade e à bajulação burocrática.

Stálin e o stalinismo foram totalmente desprestigiados quando as burocracias governantes restauraram o capitalismo na URSS, na China e demais antigos estados operários burocratizados e quando as massas se levantaram e derrubaram os regimes ditatoriais que as oprimiam. Por isso, os que querem ressuscitar Stálin só podem fazê-lo tentando proceder a uma enorme falsificação histórica.

‘Coveiro da revolução’

Na verdade, Stálin foi o máximo ditador de um regime contrarrevolucionário com métodos parecidos ao fascismo que assassinou mais de 1 milhão de comunistas opositores, para defender os privilégios materiais de sua camarilha burocrática. Foi um regime que massacrou milhões de camponeses e membros de nacionalidades minoritárias da URSS, perseguiu LGBTs e retrocedeu em direitos que as mulheres haviam conquistado com a Revolução Russa.

O stalinismo foi o contrário do bolchevismo e do marxismo. Essa burocracia foi produto da derrota da revolução mundial e do retrocesso e isolamento da URSS. Para se afirmar no poder e defender os seus privilégios, teve que julgar e executar nos Processos de Moscou toda a Velha Guarda do Partido Bolchevique, isto é, os dirigentes que haviam estado à frente da Revolução Russa.

Nas palavras de Trotsky, Stálin foi o “coveiro da Revolução”.

Stálin e a Segunda Guerra

Mas a exaltação que a UP faz dessa figura nefasta não para por aí. Afirma que o “importante papel que Stálin desempenhou na construção do socialismo na União Soviética e na derrota do nazifascismo na 2ª Guerra Mundial são fatos inegáveis e que teimam em contestar as versões burguesas da história”. Essa lenda também é uma falsificação muito difundida. Na verdade, a luta heroica do povo soviético que derrotou o nazifascismo se deu apesar e contra Stálin, cujo papel na Segunda Guerra foi desastroso; por exemplo, a criminosa execução de 40 mil oficiais do Exército Vermelho, inclusive seus melhores generais apenas três anos antes da invasão das tropas de Hitler. Ou o pacto Stálin-Hitler e a confiança que Stálin depositava nas promessas de Hitler, o que deixou a URSS desprevenida no momento da invasão alemã.

Pai da restauração do capitalismo

A UP também chega a dizer que “durante os mais de 30 anos do governo de Stálin, os povos da URSS acabaram com o desemprego, a fome, o analfabetismo e as crises econômicas, através da construção do socialismo ”.

“Construção do socialismo”? Querem nos fazer acreditar nessa farsa?  Os 30 anos do governo de Stálin, mais outros 30 anos de governos de seus colaboradores e discípulos, enterraram as conquistas da Revolução Russa e prepararam a restauração do capitalismo na década de 1980.

Basta observar a trajetória de Stálin e da camarilha stalinista que ele formou. A burocracia dirigente da URSS e as dos novos estados operários burocratizados que se formaram depois da Segunda Guerra foram minando as bases sociais desses estados e terminaram por restaurar o capitalismo em todos eles. Os ex-stalinistas se transformaram em burgueses. Esse é o exemplo da China e da Rússia. E muitos Partidos Comunistas se transformaram diretamente em partidos burgueses, como a maioria do PCB que se transformou em PPS (hoje Cidadania) ou o ex-Partido Comunista Italiano que, depois de rupturas e fusões, hoje é parte do Partido Democrático, um partido burguês. Essa história não se pode apagar.

Por que a luta contra o stalinismo continua importante nos dias de hoje

Muitos companheiros jovens, comunistas sinceros, opinam que a luta histórica dos trotskistas contra o stalinismo, desde a Oposição de Esquerda que se formou na URSS em 1923, não tem sentido nos dias de hoje. Alguns stalinistas e neostalinistas afirmam que a luta entre trotskistas e stalinistas é uma “briga de torcidas” como em um jogo de futebol.

O assunto merece uma resposta política e teórica que ajude as novas gerações a chegarem as suas próprias conclusões. O combate ideológico, político, teórico e programático contra a herança do stalinismo é fundamental hoje, porque o papel que o stalinismo cumpriu, apoiando-se no peso da URSS e na usurpação da herança da Revolução Russa, foi tão violento e tão nefasto para o movimento operário mundial que influência até hoje todas as correntes oportunistas, traidoras e burocráticas.

Teoria dos campos

Por exemplo, o stalinismo foi o responsável por sistematizar e dar um corpo teórico à política de colaboração de classes e unidade com a burguesia, através da política da Frente Popular aprovada no 6° Congresso da Internacional Comunista em 1935.

A política da Frente Popular se baseava na “Teoria dos campos” ou do “campo burguês progressista”, que substituía a ideia da luta de classes entre a burguesia e o proletariado pela concepção da luta entre dois campos: de um lado estaria o campo da burguesia reacionária, da ultradireita e do fascismo; de outro, o campo “progressista” formado pela classe operária, os setores populares e a burguesia “progressista”.

Segundo essa teoria, os revolucionários deveriam lutar para que governos progressistas chegassem ao poder e governassem com seu apoio ou participação. É o oposto do que diziam os mestres do marxismo: que os revolucionários nunca podem participar ou apoiar governos burgueses porque estes levarão o movimento operário a terríveis derrotas.

Nos dias de hoje

Atualmente a unidade com a burguesia para governar é praticamente uma unanimidade na esquerda mundial. Basta ver a Frente Ampla Lula-Alckmin e setores do centrão no governo atual. Ou os governos ditos “progressistas” da América Latina. Ou os governos socialdemocratas na Europa. E todos levaram e levam a derrotas.

A teoria dos campos está intimamente ligada à falsa teoria do “socialismo em um só país” que pregava que o socialismo poderia ser alcançado na URSS pelas condições excepcionais do país, ou seja, por sua extensão territorial e riquezas naturais. Por isso, a tarefa fundamental dos comunistas de todo o mundo seria defender a URSS, subordinando a revolução socialista mundial aos interesses da URSS. Isso também contraria os princípios do marxismo, que o socialismo só pode ser um sistema internacional que implica que a classe operária tome o poder nos países capitalistas avançados, caso contrário, a economia mundial capitalista terminaria prevalecendo.

A maior evidência da falência do “socialismo em um só país” é que os países do chamado “socialismo real” sucumbiram totalmente às pressões do capitalismo mundial, e a burocracia stalinista decidiu restaurar o capitalismo e transformar-se, ela própria, em uma nova burguesia  como a Rússia e a China.

Falsificando a história

O stalinismo, para justificar a sua ditadura, gerou uma falsificação histórica de que o regime político do socialismo seria um regime de partido único, o Partido Comunista, que deveria eliminar totalmente a democracia operária nos Sovietes (Conselhos), transformando-os em órgãos decorativos e instaurando uma ditadura burocrática que se tornou ditadura unipessoal, a de Stálin. E essa ditadura se assentava em um partido monolítico, sem direito a qualquer debate democrático e em que qualquer crítica poderia ser punida com o fuzilamento.

Para justificar a perseguição e o assassinato dos revolucionários que se opunham a ele, o stalinismo introduziu a degeneração moral dentro do movimento operário. Criou uma verdadeira escola de calúnias e falsificações. Impôs a regra do vale-tudo contra as correntes revolucionárias críticas. E justificou, como nunca antes, a violência e os assassinatos dentro do movimento operário e revolucionário. Esses métodos são hoje aceitos como válidos e justificados por burocratas, traidores e oportunistas de diferentes correntes em todo o mundo.

Essas falsificações do que seria o socialismo, da independência de classe, do regime político de um Estado operário, do partido revolucionário e da moral dos revolucionários continuam presentes até hoje entre a vanguarda. Por isso, longe de ser uma “briga de torcidas”, o combate contra essas falsificações e contra essa herança do stalinismo abrange problemas centrais para o movimento operário e é de importância fundamental para as novas gerações de comunistas.

Balanço histórico

A crítica dos trotskistas é importante?

Muitos dizem que essas críticas ao stalinismo podem ser corretas, mas as minimizam, tentando diminuir a importância de quem as faz. Um típico “argumento” desse setor da vanguarda é que o trotskismo não teria dirigido nenhuma revolução, logo não teria a autoridade política para fazer essas críticas.

Esse é um argumento muito pobre. A justeza da crítica teórica e política não depende do fato de seus autores terem dirigido uma revolução ou um Estado. Marx e Engels não puderam dirigir nenhuma revolução porque a época histórica em que viveram não proporcionou a eles essa oportunidade, mas nenhum socialista sério colocará em dúvida seu papel como fundadores do socialismo científico ou suas críticas aos reformistas e anarquistas. Só o papel histórico do trotskismo como corrente opositora ao stalinismo já demonstra sua importância na história.

Mas, acima de tudo, esse é um argumento errado no seu conteúdo. Qual foi a maior revolução da história, a primeira, a mais completa e consequente? Não foi a Revolução Russa? Quem a dirigiu? Depois de Lenin, que foi o seu dirigente máximo, Trotsky foi, sem dúvida, quem mais se destacou e foi presidente do Soviete de Petrogrado. Quem foi o fundador, organizador e principal dirigente do Exército Vermelho que derrotou a contrarrevolução? Foi Trotsky. Stálin teve um papel secundário na revolução.

Outros dirigentes que depois integraram a Oposição de Esquerda tiveram um papel de primeira linha como Rakovsky, presidente do Conselho de Comissários do Povo da Ucrânia Soviética; Ivan Smirnov, que era considerado o Lenin da Sibéria por seu papel dirigente nessa região durante a guerra civil. Preobrazhensky, comissário do povo para os assuntos econômicos; Piatakov, que segundo Lenin era o mais destacado membro do Comitê Central. Antonov-Ovseenko, que liderou a tomada do Palácio de Inverno em outubro de 1917.

Os trotskistas na URSS foram presos, enviados a campos de trabalhos forçados e depois fuzilados, inclusive esses dirigentes. Os trotskistas tiveram que enfrentar não só a contrarrevolução nazista e imperialista em todo o mundo, mas também a ação contrarrevolucionária do stalinismo que fez uma frente única com a reação mundial. Foram derrotados e massacrados, mas suas críticas e seu diagnóstico se mostraram corretos e mantêm toda a sua força e atualidade.

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