Rosenverck Estrela Santos, do PSTU Maranhão, Quilombo Raça e Classe e vocalista do grupo de Rap Gíria Vermelha
Na Folha de S. Paulo, o intelectual reacionário Antonio Risério escreveu um artigo repleto de pressupostos errados e conclusões falsificadas, com o nítido propósito de causar polêmica nas redes sociais. E causou!
Considero as discussões de boteco ou de feira mais importantes do que estes artigos na Folha de S. Paulo que, inclusive, só tem acesso, em regra, quem pode pagar. A grande massa da classe trabalhadora passa longe de ler e debater tais artigos. Mas é fato que o racismo reverso é sempre tema de discussões em todos os lugares e, por isso, vamos fazer breves considerações (o texto de Risério não merece mais que isso) sobre o citado artigo.
Em primeiro lugar, é bom evidenciar que além de causar polêmica, o texto da Folha de S. Paulo tem o objetivo entrar no debate de desconstrução das políticas de ações afirmativas, que parte da mídia racista e da burguesia brasileira irão fazer, justamente no ano de 2022 no qual ocorrerá a revisão da Política de Cotas. Por isso a necessidade de vigilância total.
Quanto aos pressupostos, o primeiro pressuposto errado e, portanto, com conclusão falsa é que somente a Folha de S. Paulo é racista e divulga fake news. Eu li muitos textos de articulistas e intelectuais, inclusive negros (as), que trabalham e colaboram com mídias racistas que dirigem suas críticas à Folha, mas nada dizem sobre os órgãos em que trabalham. Em tempo, é preciso dizer: Folha de S. Paulo, Estadão, Veja, Isto É, Globo, SBT, Record, Band e por aí vai, são todas instituições racistas que, ao longo da história, disseminaram, reproduziram e consolidaram práticas discriminatórias no Brasil. Algumas delas, inclusive hoje, quando trazem o debate do racismo, não é para combatê-lo, mas para impedir que o antirracismo se torne revolucionário. A intenção é domesticar e impor limites ao antirracismo, em mais uma das práticas racistas de nossa imprensa.
Outro pressuposto que precisamos debater é a tal branquitude. Esse conceito tem sido utilizado toda vez que se quer acusar alguém de racista. Por isso, o Antonio Risério estaria exercendo sua branquitude. Prefiro chamá-lo de racista e ponto. Contudo, pouco se envereda sobre qual realmente é a função da branquitude, porque esse conceito foi criado e como ele se popularizou e se transformou ao longo de nossa prática antirracista. Está aí um desafio de aprendizagem a todos (as) nós, para não incorrermos em conclusões falsas. Por enquanto, posso dizer que a tal ideia de branquitude tem servido para uma crítica identitarista das análises e militantes que buscam conectar raça e classe, nas propostas revolucionárias de parte da militância negra. Além disso, tem servido na desinformação quanto à função do capitalismo na manutenção e reprodução do racismo no mundo. Tem servido para minar a solidariedade de classes entre os(as) trabalhadores (as) brancos (as) e trabalhadores (as) negros (as), inclusive transformando movimentos classistas e revolucionários de luta contra o racismo, em movimentos puramente identitários e pró-capitalistas. É uma das tantas “armadilhas da identidade” que nos fala o intelectual paquistanês Asad Haider.
A partir daí, apontamos outro pressuposto errado do racista Risério que afirma que o identitarismo racialista e essencialista é de esquerda. Mais uma conclusão falsificada. O identitarismo racialista e essencialista não é uma posição ideológica e política de esquerda, muito pelo contrário, é de direita e neoliberal. Tem servido para distorcer os movimentos antirracistas revolucionários no mundo todo e adequar a prática de movimentos, intelectuais e jovens militantes a teorias como empoderamento, lugar de fala, empreendedorismo e outras formas de adaptação e reforma da sociedade burguesa. É, portanto, uma posição teórica e política conservadora, ou seja, de conservar o capitalismo e criar uma geração de jovens negros neoliberais e antirracistas, como se isso fosse possível.
Para exemplificar as conclusões falsificadas, o articulista da Folha de S. Paulo cita a Frente Negra Brasileira como um movimento simpático ao nazifascismo, uma simplificação grosseira da história desse importante movimento. Por isso, é preciso entender melhor a história da FNB, incluindo suas contradições, e cabe a nós mais esse aprendizado. Mas fica a pergunta: se a FNB era fascista, por que, então, um governo nitidamente com inclinações e relações fascistas como o governo Vargas, proibiu o funcionamento da FNB? Lembramos que foi o governo Vargas que entregou Olga Benário para os campos de extermínio nazista e constituiu uma era ditatorial em nosso país.
Para continuar nos exemplos falsificadores, Risério cita movimentos, intelectuais e lideranças negras no mundo que proferiram discursos racistas para reafirmar a existência do racismo antibranco e, portanto, do racismo reverso. O racismo antibranco vira simplesmente uma lista biográfica e bibliográfica de citações contra brancos, judeus etc., proferidas por alguns militantes e intelectuais negros como se fosse a realidade massiva e geral da população negra no mundo. Como se existisse uma formação social e econômica no qual a população negra de conjunto, se beneficiasse da exploração do trabalho branco. Como se existisse um projeto negro internacional de dominação contra os brancos, sem evidentemente conseguir citar (porque não existe) sequer um programa de transição desse projeto de dominação. Portanto, o racismo reverso é uma piada – de muito mau gosto – mal contada!
Ele busca escamotear de propósito que, pelo contrário, o racismo antinegro não é uma criação ideológica e política de intelectuais brancos, mas uma determinação fundamental do modo de produção capitalista na constituição das desigualdades sociais. É um práxis de dominação que articula raça, classe e gênero para explorar e oprimir uma grande parcela dos (as) trabalhadores (as) no mundo: a classe trabalhadora negra! E ao mesmo tempo dividir, por meio da ideologia racista a classe trabalhadora. Portanto, o racismo antinegro, longe de estar na cabeça de alguns brancos, está nas estruturas da sociedade capitalista, no projeto de dominação da burguesia empresarial, financeira e latifundiária. E, infelizmente, na experiência de vida da própria classe trabalhadora que se move, se pensa e se articula com base nessa memória e construção teórica racista. Está presente em toda a sociedade, indiferente a classes sociais.
Por isso, além de combater o racismo burguês, urge atacar e discutir o racismo no interior da classe trabalhadora, para que possamos construir articulações de classe e raça num projeto de humanidade com igualdade social e a com eliminação de todas as formas de discriminação.
Risério nos acusa de querer o poder! Sim, queremos o poder. E nós da esquerda revolucionário antirracista temos um programa de transição. Mas, não para manter as estruturas burguesas de dominação que criam miséria, destruição da natureza, fome e doenças pelo planeta. E nisso ele é igualzinho à burguesia branca e aos racialistas identitaristas que ele supostamente diz atacar, em nome de um humanitarismo falso.
Queremos o poder para destruir as estruturas burguesas, o capitalismo e suas formas de dominação. Queremos o poder para destruir o racismo, o machismo, a LBTfobia e todas as formas de opressão e exploração. Queremos o poder para construir um mundo com igualdade social e emancipação humana.
Para esse projeto, a classe trabalhadora negra consciente de sua classe e de sua raça cumprirá um papel fundamental. É disso que a imprensa racista tem medo. É por isso que Antonio Risério não consegue dormir e cria falsificações impossíveis de ser verossímeis.
Enquanto isso… queremos e conquistaremos o poder!
Cedo ou tarde, a angústia da burguesia e seus asseclas se tornará uma realidade, para pesadelo deles e sonhos nosso!