Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU

No dia 14 de outubro deste ano, o cantor Seu Jorge foi vítima de insultos racistas quando fazia um show no Grêmio Clube Náutico, em Porto Alegre (RS). Do palco, o músico ouviu gritos de “macaco” e sons que imitavam o animal vindos da plateia. Como se isso não bastasse, em áudio que veio à público, o presidente do clube, Paulo José Bing, tentou transferir a culpa para Seu Jorge – com um argumento de fundo racista –  dizendo que o artista havia desrespeitado o público do clube porque “no material de divulgação que nos forneceram, é um Seu Jorge com um terno, uma roupa bem aprazível, e ele chegou com aquele moletom, não sei por quê, meio que dissociado do clima do evento”[1].

Três dias depois, o músico e humorista Eddy Junior foi vítima de um ataque racista no condomínio em que mora, na Zona Oeste de São Paulo, por Elisabeth Morrone, sua vizinha. Elisabeth chamava Eddy Junior de “macaco”, de “ladrão” e “imundo” e o impedia de utilizar o elevador do condomínio. Um mês antes, o filho de Elisabeth havia ameaçado Eddy Junior  na porta do apartamento do músico com xingamentos e portando uma faca.

E, nas vésperas do 2º turno das eleições (29/10), a deputada bolsonarista Carla Zambelli e sua gangue bolsonarista perseguiram, à luz do dia e com armas na mão, Luan Araújo, um homem negro desarmado, em São Paulo. Além de violar a lei eleitoral que proíbe o transporte de arma de fogo nas vésperas das eleições, Zambelli deliberadamente mentiu dizendo que havia sido agredida pelo homem negro que defendia o voto em Lula.

Assim como no caso do bolsonarista Roberto Jefferson – que disparou dezenas de tiros de fuzis e lançou granadas contra agentes da PF – a PM fez vistas grossas ao racismo de Zambelli e ao fato de que a deputada violou a lei eleitoral, e permitiu que Zambelli saísse impune.

Por essas e outras, não podemos confiar no Estado e em suas polícias. Precisamos preparar a autodefesa dos trabalhadores contra as ameaças autoritárias e a violência da ultra direita!

Manifestamos nossa solidariedade ao Seu Jorge, a Eddy Junior e a Luan Araújo exigimos rigorosa apuração dos casos e punição de todos os racistas envolvidos nesses episódios.

Presidente Bolsonaro encoraja a covardia racista

Os casos acima revelam que – à despeito do que prega o mito da democracia racial, de que não existe racismo no Brasil – o racismo é uma cruel realidade para os negros e negras no Brasil. E a profusão de casos similares revela, também, que há um clima de encorajamento de ações racistas no país[2], como produto do governo genocida e racista de Jair Bolsonaro (PL).

É importante lembrar que Bolsonaro passou toda sua vida pública proferindo discursos racistas e preconceituosos contra mulheres, negros e LGBTs. Bolsonaro reduziu negros quilombolas a animais irracionais, quando disse que eles pesavam arrobas, uma unidade de peso bovino; Bolsonaro defendeu esterilização de mulheres pobres e negras; fez apologia ao turismo sexual no Brasil e disse que gays eram fruto de consumo de drogas. No governo, Bolsonaro ampliou esses ataques através de medidas econômicas que atingiam em especial os trabalhadores negros, como a reforma da previdência, e nomeando um capitão do mato para a presidência da Fundação Palmares, Sérgio Camargo.

E, embora Bolsonaro diga que a violência no país diminuiu, o que há é um “apagão” nos dados do Ministério da Saúde nos últimos anos com um crescimento vertiginoso (de 69,9% entre 2018-19) das chamadas Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI),  segundo o Atlas da Violência de 2021 do IPEA. E aqui parece funcionar a lógica negacionista, típica do bolsonarismo: se não há dados sobre homicídios, eles não existem. Por tudo isso, foi muito importante derrotarmos Bolsonaro nas urnas neste 2º turno. Agora, precisamos avançar na mobilização da classe trabalhadora e dos negros e negras para derrotar definitivamente o bolsonarismo.

A violência contra os homens negros

A violência letal acomete mais homens e mulheres negras. Contudo, apresenta maior incidência entre os homens negros. Segundo dados do IPEA, em 2019, 31.988 homens negros foram assassinados, enquanto 2.468 mulheres negras foram assassinadas no mesmo período[3].

Além disso, os homens negros também são maioria em termos absolutos nos presídios brasileiros. Do ponto de vista ideológico colabora para isso, um imaginário racista construído pela classe dominante de que os homens negros são essencialmente violentos e estupradores em potencial.

Por essa razão, é plenamente compreensível a iniciativa feita por homens negros que lançaram um comunicado em resposta à violência racista. Embora não tenha assinaturas, oComunicado de Homens Negros Organizados no Brasil” foi compartilhado por figuras como Ewerton Carvalho, Yuri Marçal e Roger Cipó.

O comunicado denuncia o massacre, encarceramento e adoecimento dos negros. Denuncia, também, a violência contra as crianças negras e o genocídio da juventude negra no Brasil. E avisam que, a partir de agora, não responderão à violência racista com notas de repúdios.

Estamos de acordo com o espírito do comunicado: não podemos nos resignar com essa violência sistemática que se abate sobre os homens negros. E não podemos acreditar que notas de repúdio ou negociações frearão a barbárie racista. É preciso organização e ação contra todas as manifestações de racismo em nosso país.

Por isso, defendemos que neste Novembro Negro devemos ir às ruas em ações unitárias, junto com a classe trabalhadora, mulheres, indígenas e LGBTIs contra o racismo e contra a exploração capitalista. Junto a isso, precisamos avançar na organização da autodefesa dos negros e trabalhadores contra a sanha bolsonarista que seguirá forte, mesmo após a derrota eleitoral de Bolsonaro.

Divergências

No entanto, divergimos de alguns aspectos do chamado e queremos apresentar essas divergências aqui, no intuito de dialogarmos para construirmos a melhor estratégia de luta antirracista.

O primeiro aspecto diz respeito ao caráter específico do chamado, que é centrado nos homens negros. Se a violência letal se abate majoritariamente sobre os homens negros, não se pode perder de vista que o racismo também se abate sobre as mulheres negras e nas mais diferentes formas. A combinação do racismo e do machismo faz das mulheres negras, por exemplo, as maiores vítimas dos feminicídios – perpetrados, inclusive, por homens negros –, faz das mulheres negras a parcela mais mal paga da classe trabalhadora; faz das mulheres negras, também, as maiores vítimas da violência obstétrica.

As consequências da violência letal sobre os homens negros também se abatem sobre as mulheres direta e indiretamente, seja porque perdem companheiros, filhos ou irmãos, seja porque, com suas mortes, redobram as responsabilidades pelo cuidado dos filhos e idosos sobre as mulheres negras. Recai sobre elas, ainda, a tarefa de lutarem por justiça e reparação do Estado como as “Mães de Acari”, as “Mães de maio” e as “Mães do Jacarezinho”.

Além disso, quando falamos do encarceramento das mulheres negras, é importante lembrar que a maioria está presa por crimes enquadrados no tráfico de drogas, muitas vezes a serviço dos próprios companheiros ou parentes.

Um segundo aspecto diz respeito a ausência de exigências que podem reduzir sensivelmente a violência contra os negros e negras nos meios urbanos, como é o caso do fim da Lei Antidrogas, sancionada pelo governo Lula em 2006, e a desmilitarização das polícias militares e, no meio rural, é fundamental defender reforma agrária e a titulação de terras quilombolas.

Por fim, um terceiro aspecto diz respeito a ausência de um corte de classe que, por sua vez, aponte para a necessidade de se combater o racismo e o sistema capitalista.

O capitalismo alimenta permanentemente o racismo, desde o seu desenvolvimento até a atualidade decadente, e imperialista, intensifica sua ofensiva, inclusive fortalecendo e promovendo grupos de ultradireita e fascistas para atacarem negros e imigrantes. Por isso, a necessidade de se lutar contra o capitalismo.

A luta contra o racismo, não pode ficar circunscrita apenas aos homens negros, mas deve incluir as mulheres negras e os LGBTIs negros. Mais ainda: por se tratar de uma luta condicionada à luta contra o capitalismo, essa luta deve assumir um caráter de classe e ter em sua dianteira os negros da classe trabalhadora e contar com a solidariedade e apoio de todos

[1]     https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2022/10/18/audio-presidente-de-clube-de-porto-alegre-seu-jorge-sofreu-ataques-racistas.ghtml

[2]     https://www.pstu.org.br/nao-ha-capitalismo-sem-racismo-a-explosao-do-racismo-sob-o-governo-bolsonaro/

[3]     https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/filtros-series/3/violencia-por-raca