Imagens Romerito Pontes
Jerônimo Castro, de Congonhas (MG)

Em 5 de novembro de 2015, pouco antes das 15h, se espalhou a notícia de que a barragem do fundão, da mineradora Samarco havia se rompido matando dezenas de pessoas. Levou dias até que um mínimo de informações seguras chegasse e fosse possível ter uma dimensão, ainda que apenas aproximada, do tamanho deste crime.

Com a ruptura da barragem do fundão, milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos foram lançados, primeiro sobre os trabalhadores da própria barragem, depois sobre as comunidades circunvizinhas, sendo a mais atingida a de Bento Rodrigues, e finalmente sobre o Rio Doce até atingir o mar.

Foi um “crime” do trabalho…
A primeira coisa que deve ser dita é que o que ocorreu na Samarco foi um acidente, ou melhor dizendo, um crime do trabalho com múltiplas repercussões. Não foi um crime ambiental, nem social (em seu sentido amplo) mas um evento dentro das relações trabalhistas que poderia ter sido evitado desde dentro destas próprias relações, e não foi, por uma decisão consciente da empresa de colocar seus próprios lucros acima de tudo.

É emblemático que nas semana que antecederam à ruptura da barragem do fundão, o Sindicato Metabase Inconfidentes, que é filiado à CSP-Conlutas, tenha tido uma reunião de negociação com a Vale (que é uma das proprietária da Samarco junto com a BHP Billiton em uma joint venture onde cada uma detém 50% da propriedade da empresa) e, diante do aumento de “quase acidentes” e pequenos acidentes na empresa, propôs uma medida para resolver o problema: a criação de uma comissão de empregados eleita pelos próprios trabalhadores, com estabilidade e tempo livre para fiscalizar as condições de segurança dentro das minas e, se necessário, paralisar o funcionamento dos setores em caso de risco real e iminente.

A proposta partia de uma compreensão, a de que quem mais tem interesses em impedir acidentes de trabalho são suas principais vítimas, os próprios trabalhadores. A resposta da empresa foi escárnio e ironias. Poucos dias depois a realidade demonstrou o quanto esta comissão é necessária.

… com profundas repercussões sociais…
Mas não eram apenas os trabalhadores as vítimas potenciais de um “acidente” de trabalho na mineradora. Como todo megaprojeto, por suas proporções, pelas dimensões das estruturas que ele envolve, seu colapso, total ou parcial, atinge inevitavelmente não apenas os trabalhadores mas toda a comunidade próxima.

Assim, não apenas os trabalhadores deveriam ter tido o direito de fiscalizar a empresa. Os moradores em volta dela, diretamente atingidos pela ação minerária deveriam poder opinar sobre seu funcionamento e estar em condição de se protegerem em caso de algum problema.

Nada mais longe da realidade, a principal comunidade atingida, o Bento Rodrigues, não tinha nenhum mecanismo de comunicação ou alarme para casos como o que ocorreu. No dia em que a barragem estourou não foi dado nenhum alarme para a comunidade sobre o ocorrido. Foi uma professora, com uma moto, que passou de casa em casa avisando sobre um estrondo gigantesco que ela havia escutado. Salvou neste dia dezenas de vida. Se este mesmo “acidente” tivesse ocorrido durante a noite provavelmente o número de vítimas teria sido muito maior.

… e ambientais
Também não foram pequenas as consequências ambientais deste crime. Sem exagero se pode dizer que todo um ecossistema foi destruído, ou se encontra em uma situação de risco bastante grande. Como sempre, o problema não é do ecossistema em si. É que a destruição deste ecossistema resulta no surgimento de doenças, na morte de peixes, na impossibilidade de utilizar a água do Rio Doce, que abastecia dezenas de cidades rio abaixo.

Entre os ambientalistas, a discussão tem variado entre a total impossibilidade de reversão, tamanha a destruição causada, e a possibilidade remota, demorada e altamente custosa.

Ninguém foi punido
Passados dois anos do crime da Samarco nenhum dos responsáveis foi punido. Ao contrário, o poder público fez o que pôde para proteger os grandes acionistas e altos executivos desta empresa. Desde o prefeito de Mariana, que declarou pouco depois da ruptura da barragem que era necessário uma anistia de R$ 10 milhões à empresa para que ela pudesse socorrer as vítimas e retomar as atividades, até representantes do governador do estado de minas, do PT, que declararam que a empresa também era uma vítima. Nas semanas seguintes ao acidente, o governo Dilma nada fez para apurar e punir os responsáveis.

A razão para esta postura, que vai do apoio ativo ao silêncio cúmplice pode ser encontrada, entre outros, nas gordas contribuições que as grandes mineradoras deram nos últimos anos aos candidatos de todas as matizes políticas, da esquerda à direita, e na farta bancada de prefeitos, vereadores, deputados e senadores eleitos por estas empresas.

Os trabalhadores e a população pagaram a conta
No outro polo, os trabalhadores da Samarco e a população da região, atingidos direta ou indiretamente pela ruptura da barragem vêm pagando a conta. Milhares de trabalhadores ligados a Samarco diretos ou terceirizados foram demitidos. Mariana viu sua população desempregada chegar a 23%. O dobro da média nacional. Pequenos comerciantes viram do dia para noite sua clientela desaparecer, muitos quebraram e fecharam suas lojas.

Os moradores das comunidades próximas a Samarco, em especial a de Bento Rodrigues, viram toda a sua vida desaparecer em um mar de lama, vivem em casas alugadas em Mariana, muitos deles sofrem de um profundo deslocamento social.

Agora se descobriu que alguns dos atingidos estão desenvolvendo doenças típicas de quem teve contato com substâncias tóxicas, o capítulo dos sofrimentos físicos e emocionais destes setores ainda está longe de se encerrar.

É preciso restatizar o sistema minerário brasileiro
Não é possível uma mineração segura na forma com que é praticada no Brasil hoje. Pior, a legislação avança no sentido de transformá-la em ainda mais insegura e predatória dando prioridade à exploração do minério em detrimento da segurança dos trabalhadores, da preservação do meio ambiente e da existência de comunidades tradicionais, indígenas ou quilombolas.

A saída para impedir que novos acidentes como este ocorram passa por uma mineração 100% estatal, onde os trabalhadores controlem a produção e as comunidades atingidas pela mineração possam opinar sobre seu funcionamento.

O capitalismo é por sua natureza predatório, ele mata! É preciso acabar com o capitalismo!