Esse tipo de temor é difundido de todas as maneiras possíveis pelos defensores do imperialismo, pela imprensa e partidos burgueses, cuja crença está na consciência de boa parte do povo brasileiro.
Na verdade, esta é a outra face, pela negativa, da ideologia, também muito difundida, de que não existe alternativa aos planos neoliberais. Quando se insiste na idéia de ruptura, os defensores assumidos ou não dos planos argumentam com o poder militar dos EUA, para demonstrar que devemos simplesmente aceitar os planos neoliberais.
A direção do PT, há vários anos, se somou a esta campanha. Lula afirmou na grande imprensa que um governo do PT “honraria todos os compromissos com o mercado internacional, inclusive com o pagamento da dívida externa”. No Jornal Nacional, por exemplo, o candidato petista chegou a se referir de forma até desrespeitosa aos que participaram do Plebiscito da dívida externa em 2000: “uma coisa é você perguntar a uma pessoa humilde de uma favela, a um índio pataxó, ou a uma dona-de-casa se ela é favorável a pagar determinadas coisas. Dependendo do discurso que você faça essa pessoa vai dizer ‘não paga’. Entretanto, quando você faz a discussão política da realidade de uma dívida externa, e se você fizer um plebiscito, ainda hoje muita gente vai dizer para não pagar, mas quando você assume um governo você tem uma relação de Estado para Estado.”
Não existe nenhuma forma de resolver os problemas dos trabalhadores, dos pobres, se continuarmos a pagar a dívida, como propõe Lula. E para isso, deveria servir a possibilidade de chegar ao governo. Mas as “relações de estado”, para a direção do PT, resumem-se a aceitar as imposições do imperialismo. Preferimos ficar com a razão de uma dona de casa em uma favela ou a de um índio pataxó a ficar com a de Lula nos dias de hoje, pois a ruptura com o FMI é imprescindível.
O argumento da “possibilidade do caos” é incrível. De que país e de que caos estamos falando? Já existe parcialmente o caos hoje no Brasil nas situações de barbárie do cotidiano das grandes cidades, cujas crianças “garimpam” seu almoço nos lixões, cujos milhões de desempregados estão desesperados e cujas cidades estão tomadas pela violência.
E será a continuidade do plano neoliberal (se vier a gestão continuísta de Serra) ou a assinatura da Alca que vão levar o país a um caos completo, a uma grande crise como na Argentina.
Para a maioria, o caos social já chegou e foi provocado pelos planos neoliberais e o pagamento da dívida
O verdadeiro caos é o da Argentina hoje, onde o plano econômico aplicado (igual ao defendido por FHC-Serra) levou o país a uma situação semelhante aos efeitos de uma guerra: o desemprego explodiu para cerca de 30%, os trabalhadores ainda empregados tiveram uma redução salarial brutal e uma parte da classe média hoje vive nas ruas. Não foi a vitória da oposição que levou a crise atual no país vizinho, como FHC afirmou, mas o fato de que o governo De la Rua seguiu aplicando o mesmo plano dos governos anteriores.
Há outros argumentos, como o da defesa da “estabilidade”, que são quase uma piada. Primeiro porque não existe nenhuma estabilidade na economia de hoje, mas uma crise que ameaça escapar do controle ainda antes das eleições. Segundo porque do ponto de vista da vida cotidiana dos trabalhadores, o que prevalece é uma instabilidade permanente. O desemprego e a miséria crescem a cada dia, o que gera insegurança no presente e no futuro.
O calote já foi dado… na dívida social
Os defensores do pagamento da dívida apelam também a comparação entre a seriedade de um trabalhador que compra uma geladeira e faz uma dívida no crediário (“quem tem divida deve pagar”) com a necessidade de “honrar os compromissos com o pagamento da dívida externa” e que “não podemos dar o calote em uma dívida”.
No entanto existem duas diferenças gritantes: uma é que a dívida externa já foi paga várias vezes. Ela era de 148 bilhões de dólares no início do governo FHC. Em seus dois mandatos foram pagos 348 bilhões, ou seja, só na era FHC, foram pagos mais de duas vezes o valor da dívida original. No entanto, a dívida atualmente está em 236 bilhões de dólares. Não estamos tratando, portanto, de uma compra em um crediário, ou de um empréstimo normal, mas de uma fantástica agiotagem, que tem de ser encerrada. A outra é que não existe a “geladeira”, ou seja, algum benefício para os trabalhadores com esta dívida. Pelo contrário, durante o governo FHC, o nível de vida dos trabalhadores piorou.
É preciso optar por qual calote a ser efetivado. O governo FHC já optou. Por exemplo, até hoje o governo vem dando um calote na Constituição, já que esta determina um salário mínimo quase quatro vezes superior ao fixado pelo governo. Existe um calote social de uma enorme crueldade, que sacrifica a vida, a educação e a saúde de milhões de trabalhadores para garantir que não haja um calote nos banqueiros.
Post author Eduardo Almeida, da Direção Nacional do PSTU
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