CSP Conlutas

Central Sindical e Popular

Se paga muito imposto no Brasil? Quem paga e pelo o que se paga? A reforma tributária aprovada pelos deputados, na última sexta-feira (7), vai reduzir impostos? Quais seus efeitos práticos? Essas e outras perguntas foram respondidas pelo pesquisador do Ilaese (Instituto Latino-Americano de Estudos Sócio-Econômicos) Guilherme Fonseca em entrevista à CSP-Conlutas.

Ao analisar o sistema tributário brasileiro, Guilherme explica como são os trabalhadores e mais pobres que mais pagam impostos no país e como, independente de governos, a carga só aumenta, enquanto os direitos sociais são reduzidos.

Guilherme desmistifica o discurso de que a reforma do governo Lula coloca “o pobre no orçamento”, mostrando que são os setores empresariais, do agronegócio e banqueiros que, de fato, vão se beneficiar, enquanto a classe trabalhadora pode ter a Previdência Social ameaçada. Nem mesmo sobre a desoneração da cesta básica há clareza de quais produtos serão isentos, pois dependerá de lei complementar.

O pesquisador aponta ainda quais medidas são necessárias para, de fato, combater a desigualdade do sistema tributário.  Além da taxação dos mais ricos e desoneração dos mais pobres, Fonseca defende medidas como a suspensão do pagamento da dívida pública e estatização do sistema financeiro. Confira abaixo.


Guilherme Fonseca, pesquisador do Ilaese

Fala-se que no Brasil paga-se muito imposto. É verdade? Quem paga?

Guilherme Fonseca: No Brasil, a carga tributária é de 31,64% do PIB, enquanto a média mundial é de 34,04%. Logo, não é tão alta assim. Na verdade, a questão é quem paga os impostos no Brasil? Os impostos vinculados ao consumo são a principal fonte de arrecadação no país.

Quando compramos um celular, ou fazemos compra nos supermercados esses impostos indiretos estão inseridos no preço dos bens e produtos que adquirimos, como, por exemplo, o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).  Dados de 2022 do governo federal apontam que os impostos e contribuições sobre o consumo foram cerca de 47,20% da arrecadação. E quem paga a maior parte dessa tributação são os trabalhadores e os mais pobres.

Um dos poucos impostos que, de fato, os empresários pagam é o CSLL (Contribuição Social Sobre Lucro Líquido), mas que representa apenas 4,67% da arrecadação total do governo. Os bancos, contudo, são isentos até de dividendos. O agronegócio, por sua vez, pagou apenas 0,24% da arrecadação de tributos no país em 2021, segundo associação brasileira de reforma agrária. Com a reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados esse setor continua sendo privilegiado, com isenções de impostos para exportação e reduções de impostos que chegam a até 60%, como em insumos agropecuários, por exemplo.

Assim vemos, portanto, que quem paga imposto no Brasil são, principalmente, os trabalhadores e os mais pobres.

Já em relação ao imposto sobre a renda, também são os trabalhadores quem mais pagam. A defasagem na tabela do imposto de renda sobre pessoa física fez com essa acumule uma defasagem de 148% em 2022. O reajuste na tabela de isenção do IR pelo governo Lula foi insuficiente, pois isenta de pagar imposto quem ganha até dois salários-mínimos e congela as demais faixas.

Segundo estudos do ILAESE, em 2021, a classe empresarial nacional pagou apenas 5% de impostos enquanto a classe trabalhadora contribuiu com 69%, sendo 25% com imposto direto e 44% com imposto indireto.

Na proposta aprovada há a previsão para que o governo federal após 180 dias (6 meses) apresente uma reforma sobre a renda. Mas, permanecendo a lógica do governo Lula e do Congresso Nacional – expressada na aprovação do “arcabouço fiscal” e pela reforma tributária – é de se esperar que os trabalhadores e mais pobres continuem carregando a carga tributária nas costas.

Como podemos avaliar a relação entre o que se paga de impostos no Brasil e o retorno que a população tem com essa tributação?

Essa relação pode ser medida de várias formas, como nas políticas sociais, na qualidade dos serviços públicos, na saúde, na educação, na geração de emprego, nos direitos sociais, na qualidade dos transportes públicos, no salário-mínimo, na situação dos aposentados, no saneamento básico, no combate à fome, à miséria, no combate à violência contra os setores oprimidos, na reparação ao povo negro etc. O que se observa, porém, é que o Brasil vive, por um lado, uma situação de regressão nas condições de vida da maioria do povo e, de outro, o crescimento de alguns bilionários.

Um dos índices que indicam a desigualdade social no país é o Coeficiente de GINI (mede desigualdade entre sua população), entre os mais ricos e mais pobres. Em 2022, o Brasil foi o 12º mais rico do mundo, mas ficou em 2º lugar como o de maior desigualdade entre os vinte países mais ricos. Já quanto ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), o Brasil ficou na 87ª posição. Então aqui vemos como vive nossa população e como essa riqueza não significa melhora nas suas condições de vida.

Não existe uma relação direta entre aumento da arrecadação e melhorias de ganhos sociais para a população, pois estamos num Estado capitalista onde a burguesia com seus representantes diretos e indiretos dominam. Na década de 1970, os militares endividaram o Brasil e aumentaram a carga tributária, que passou de 17% em 1965 para 26,8% em 1983, em relação ao valor PIB. Contudo, o crescimento dessa tributação serviu para pagar a dívida externa e não para melhorar as condições de vida da classe trabalhadora.

Da década de 1990 para cá a carga tributária não diminuiu, mas os direitos sociais sim.  A carga tributária continuou a crescer de patamar, inclusive nos governos como o de FHC, Lula e Dilma, chegando num patamar de 31, 8% do PIB. Com Bolsonaro chegou ao recorde de 2021, chegando a 33,9% do PIB.

De lá para cá, entrou governo e saiu governo, e a dívida pública aumentou. Ou seja, a carga tributária vai ser direcionada em sua maior parte para pagar juros e amortização das dívidas a banqueiros e especuladores. Ela consome quase 50% do orçamento federal desde os anos 2000.

Também se aprofundou cada vez mais elementos de barbárie em nossa sociedade, o que pode ser verificado no aumento da violência contra mulheres, negros, LGBTI, entre tantas outras desgraças do mundo atual.

A Constituição de 1988, em que pese ser uma Constituição da manutenção da exploração do capital contra o trabalho e sequer garantiu reforma agrária, pela mobilização dos trabalhadores garantiu a conquista de muitos direitos sociais. No entanto, logo depois a burguesia e com a colaboração de distintos governos foram retirando a maioria dessas conquistas. Ao total já foram feitas 128 Emendas à Constituição desde 1988. E essas Emendas em quase sua totalidade são regressivas e reacionárias.

A PEC 45, de 2019, que é a base da reforma tributária, apoiada pelo governo Lula e que foi votada na Câmara dos Deputados, é mais uma nesse sentido. Afinal, quem vai continuar pagando a conta dos impostos ao consumir produtos e adquirir bens serão os trabalhadores e os mais pobres.

A reforma tributária do governo Lula-Alckmin fala basicamente na substituição de cinco impostos federais, estaduais e municipais por apenas dois, visando uma simplificação na cobrança de tributos. Isso necessariamente significa redução de impostos? A quem interessa essa medida?

A simplificação de impostos ligados ao consumo não significa necessariamente redução dos impostos. Além disso, uma lei complementar é que vai definir o valor dessas alíquotas, que inclusive, vão poder variar de estado para estado.

O fato é que a substituição de impostos não quer dizer que o consumidor (maioria trabalhadores e mais pobres) vá pagar menos. Como o governo e a Câmara dos Deputados ofereceram várias benesses para o grande empresariado, setores econômicos, governadores e prefeitos, alguém terá que pagar a conta, e quem será?

Nessa proposta criaram até um Conselho Federativo de Impostos e Bens e Serviços que vai administrar os recursos do IBS. Segundo entidades dos trabalhadores do fisco nacional, como a Unafisco ou Sindifisco nacional, nesse conselho pode ter representante da iniciativa privada e atenta contra o fisco nacional com livre arbítrio sobre os repasses dos impostos arrecadados. Os governadores e prefeitos foram agraciados com a prorrogação por mais 10 anos da desvinculação de 30% das receitas municipais e dos Estados para os governantes gastarem como quiserem, desvinculando desse percentual, gastos com saúde ou educação, por exemplo, sendo mais um ataque ao serviço público.

O projeto prevê que as alíquotas dos novos impostos e vários pontos dependerão de lei complementar. Que efeitos isso pode ter?

Na reforma, o Senado Federal fixará alíquota de referência do imposto de cada esfera federativa através de Lei Complementar. Embora os Estados possam ter alíquotas diferenciadas, elas serão as mesmas para bens e serviços, com exceção dos setores privilegiados.

Na reforma votada na Câmara houve um verdadeiro lobby de vários setores para não pagarem impostos. Vários setores serão beneficiários com redução de 60% dos impostos, como produtores agropecuários (agronegócio principalmente), serviços de educação e saúde privados. A indústria da universidade privada que está no programa Prouni não pagará nada. O grande produtor rural além de não pagar imposto para exportação, também poderá ser beneficiado em outros casos pois esse que é considerado quando recebe anualmente até R$1,5 milhões de receita anual, mas pela proposta aprovada na reforma   pode beneficiar quem recebe até R$3, 6 milhões de receita.

E ainda terá regimes especiais de tributação (pagarão menos) e seus valores serão definidos em Lei Complementar, como serviços financeiros em operações com imóveis, planos privados de saúde e concursos de prognósticos. Ou seja, aqui preparam para aliviar a cobrança para bancos, grandes empresas da construção civil, planos de saúde, como o Hapvida, que tornou empresários bilionários, e concursos de prognósticos, como o BET nacional que é um grande negócio de apostas.

A extinção de tributos como PIS e Cofins, que hoje são destinados à Seguridade Social, pode afetar os recursos para a Previdência?

Sim, na reforma eles acabam com o PIS e COFINS. O PIS é utilizado para o seguro-desemprego e abono salarial e o Cofins para a Seguridade Social. Ou seja, vão desonerar empresas e retirar recursos sociais. O PIS acaba e não existe nenhuma proposta para que outro tributo venha a substituí-lo (no CBS não está previsto isso) e cumprir sua função social de garantir o financiamento da seguridade social, do seguro-desemprego ou o abono salarial dos trabalhadores. Esse é um grande ataque. Mantendo apenas o PASEP que é vinculado aos servidores públicos.

A reforma prevê apenas uma “compensação” por essa perda de receita, mas o fato é que contribuições sociais são extintas para beneficiar empresários dessas contribuições sociais, que deixaram de contribuir sobre seus faturamentos e assim prejudicarão milhares de trabalhadores.

Os preços dos alimentos, principalmente da cesta básica, podem ser afetados? De que forma?

Hoje produtos da cesta básica são isentos de tributos federais, mas não de estaduais como o ICMS e aí cada Estado define quais produtos serão isentos ou não dessa tributação. Com a proposta aprovada, só através de uma Lei Complementar é que se poderá definir quais produtos destinados à alimentação da população comporão a cesta básica nacional de alimentos e dentre estes quais serão zerados. Por enquanto, até a alteração por Lei Complementar, continua tudo como está. Portanto, nada está garantido, inclusive, saber se essa “medida” terá algum impacto social.

As isenções fiscais serão mantidas até 2032. Quais os efeitos disso e quem se beneficia?

Na reforma aprovada na Câmara fica nítido que os setores beneficiários de renúncias fiscais por parte dos estados não perderão nada. Bilhões de reais foram isentos para grandes empresas que se aproveitavam da “guerra fiscal entre os Estados” para verificar quem mais oferecia benesses. Este dinheiro deixou de ser investido na geração de emprego e renda para os trabalhadores ou ainda na saúde e na educação públicas. Mas até 2032, empresas beneficiárias dessas renúncias fiscais nada perderão. Só os trabalhadores e a maioria da sociedade.

Na sua avaliação, quais as principais medidas para enfrentar as desigualdades do sistema tributário no país?

A primeira questão que tem que mudar no Brasil é que os ricos devam pagar impostos. Hoje, os impostos sobre o consumo (bens e serviços) atingem os mais pobres e a classe trabalhadora e vão continuar sendo a principal fonte de arrecadação do governo. Portanto, na essência os privilegiados, como agronegócio, vão manter seus privilégios e até setores patronais vão deixar de pagar impostos com o fim do PIS e do COFINS.  Deveria sim isentar ou reduzir os impostos para os trabalhadores, pequenos produtores rurais, pequenos comerciantes, os camponeses e os mais pobres, mas essa não é lógica dessa reforma.

Veja só. A “indústria” das universidades privadas vai ser beneficiaria com essa reforma enquanto que para as universidades públicas faltam verbas. O que precisaria era inverter a lógica da tributação. Segundo dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em 2019, o Brasil estava em primeiro entre os países com maior carga tributária sobre bens e serviços, mas era um dos últimos quando o critério era a carga tributária sobre a renda. Ou seja, os empresários e os banqueiros pagam muito pouco, quando não são beneficiados com todo tipo de isenção e de renúncia fiscal. É preciso taxar as grandes fortunas e as grandes empresas com taxação progressiva, aumentar os impostos sobre grandes heranças e isentar os pequenos herdeiros.

Suspender o pagamento da dívida pública e estatização sobre sistema financeiro e direcionar os recursos para saneamento básico, moradia, saúde, educação, empregos, entre outros, para que as pessoas não precisem receber nem bolsa família, mas terem vida de qualidade.

Essas são medidas urgentes e necessárias, mas só a classe trabalhadora organizada e com independência de classe poderá cumprir essas tarefas, pois o governo Lula, que fala em defender os mais pobres, termina por se aliar aos ricos e assim atender aos interesses deles, seja através da reforma tributária e do arcabouço fiscal. Assim, qualquer promessa para que o “pobre entre no orçamento” será impossível de ser cumprida.

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