As imagens das queimadas no Pantanal e na Amazônia tomam novamente o noticiário e mostram a maior onda de queimadas até hoje registrada por sistemas de monitoramento por satélite. Só no Pantanal, calcula-se que o fogo destruiu mais de 2,3 milhões de hectares, o que representa mais de 15% de toda a extensão do bioma no Brasil. Os incêndios no bioma cresceram 223% entre janeiro e o dia 9 de setembro, em comparação com o mesmo período de 2019.
O ano de 2020 certamente ficará na história e vai superar as queimadas na Amazônia do ano passado. Segundo o Instituto Espacial de Pesquisas Espaciais (Inpe), só em agosto a região teve 29.307 focos de incêndio registrados. Nos primeiros nove dias de setembro, a floresta amazônica já teve 12.412 focos de calor detectados pelo Inpe, um número que passa da metade do que foi registrado no mês inteiro do ano passado: 19.925. Já os alertas de desmatamento subiram 68% em agosto de 2020 na comparação com o mesmo mês do ano passado, de acordo com dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Em agosto, o estado que registrou o maior número de incêndios é o Pará, seguido pelo Mato Grosso. Nesses estados estão sete municípios com maiores rebanhos de gado do país. Aliás, os dois estados juntos têm um rebanho bovino de aproximadamente 50 milhões de cabeças de gado. Se os dois estados juntos fossem um país, poderiam superar a Argentina, o sexto país com maior rebanho no mundo.
As consequências ambientais desse modelo subalterno de desenvolvimento podem ser conferidas em uma imagem de um satélite mostrando a fumaça das queimadas na Amazônia e no Pantanal que se estende por mais de 3 mil quilômetros do território do país dá uma noção ampla da tragédia. Cidades inteiras estão cobertas de fumaça. Há relatos de que a vida dos índios nas aldeias do Parque Indígena do Xingu está irrespirável e que algumas casas foram incendiadas. As queimadas avançam por todas as fronteiras do parque.
Mesmo com a prova inconteste das imagens de satélite, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicaram em rede social um vídeo produzido por ruralista que nega que a Amazônia esteja queimando. Além disso, as imagens mostram um mico-leão-dourado, animal que só é encontrado na Mata Atlântica. O vídeo expôs novamente ao ridículo um governo que mente sobre a Amazônia, incentiva desmatamento, queimadas, grilagem e invasão de terras indígenas.
Desmonte da fiscalização ambiental
A maior prova disso é o desmonte da estrutura de fiscalização e combate ao desmatamento. No fim de agosto, o ministro Ricardo Salles anunciou a suspensão das atividades de fiscalização, após notícia do bloqueio de cerca de R$ 60 milhões do orçamento da pasta – R$ 20, 9 milhões do Ibama e R$ 39,7 milhões do ICMBio.
Os dois órgãos passam por um profundo desmonte. O Ibama, por exemplo, teve corte de 4% nas verbas, para R$ 1,65 bilhão. Contudo, 31% da verba do instituto (R$ 513 milhões) ainda dependem de crédito extra a ser aprovado pelo Congresso. No ICMBio, o corte foi ainda maior, de 12,8%, e pelo menos 43% da verba atual estão sujeitos ao aval do Congresso.
Tem mais. Segundo o levantamento feito pelo Observatório do Clima, Salles gastou R$ 105.409 nas ações diretas do orçamento entre janeiro e agosto deste ano. O valor corresponde a 0,4% da verbal total que deveria ser destinada para fortalecer a política ambiental.
A devastação e as queimadas batem recordes e também comprovam toda a baboseira da chamada operação Verde Brasil 2, chefiada pelo general Mourão. Há várias denúncias de que integrantes das Forças Armadas avisam desmatadores antes de realizarem as operações de fiscalização. Ou ainda simplesmente dispensam a ajuda dos ficais do Ibama, com mais informações e experiência de combate a esse tipo de crime. No entanto, enquanto os órgãos de fiscalização agonizam sem estrutura, verba e fiscais suficientes para combater o desmatamento, a operação das Forças Armadas na região custa mais de R$ 60 milhões mensais. Com esse valor daria para fazer concurso, contratar e pagar salários para novos servidores que atuariam na fiscalização. Mas não é isso que o governo quer.
Os desmonte da fiscalização é apenas o primeiro passo do plano do governo para passar a boiada na fiscalização e legislação ambiental. Sua agenda de propostas inclui mudança de orientação que trata das regras de demarcação de terras indígenas, a permissão de mineração e geração de energia em terras indígenas, afrouxamento de punição a garimpeiros que atuam de forma ilegal e a revisão do tamanho de áreas de proteção ambiental. Além disso, como já falou inúmeras vezes, Bolsonaro quer explorara a Amazônia em parceria com os Estados Unidos.
Incêndios servem ao roubo de terras
Onde há fumaça e fogo, há também roubo de terras públicas, violência e desmatamento que expõem todo o banditismo do agronegócio e seu caráter destrutivo. Essa é a realidade por trás dos incêndios que tomam o país, em particular na Amazônia, onde grande parte das terras são públicas e, por isso, são alvos da ação de fazendeiros. No Pantanal também são os fazendeiros do agronegócio que estão por trás dos incêndios. A própria Polícia Federal investiga na Operação Matáá vê no caso indícios de queimadas deliberadas para criação de área de pasto onde antes era mata nativa. Por isso foram a casa de fazendeiros e apreenderam celulares, computadores e documentos.
A abertura ou expansão de uma fazenda tem como passo inicial o roubo de terras públicas para convertê-las em propriedade privada. Nesse processo, o primeiro ato é o desmatamento seguido de incêndio na mata ressequida. Depois, planta-se capim, coloca-se cercas e algumas cabeças de gado. Finalmente, vem a grilagem, ou seja, o processo fraudulento que cria documentos falsos de posse da terra, no qual o fazendeiro tem ajuda de funcionários do estado e de cartórios.
O termo grilagem vem de uma prática antiga de envelhecer documentos forjados para conseguir a posse de determinada área de terra. Para ficarem com aspecto de documentos velhos, os papéis falsificados eram colocados em uma caixa com grilos. Com o passar do tempo, a ação dos insetos dava aos documentos uma aparência envelhecida
No Brasil, a terra é usada como reserva de valor. É um equivalente de capital usado de forma ampla na especulação financeira das bolsas de valores. Depois de grilar a terra, o fazendeiro coloca algumas cabeças de gado, diz de peito estufando que é produtor, jura que adquiriu a terra com o esforço do seu trabalho, e hipoteca a mesma com juros subsidiados. Volta e meia os governos de plantão perdoam muitas dessas dívidas ou ainda promulgam leis regularizando a grilagem.
Em junho de 2009, o então presidente Luta, por meio da Lei 11.952, autorizou a emissão de títulos de áreas públicas de até 1.500 hectares na Amazônia, ocupadas e desmatadas ilegalmente até dezembro de 2004, e dispensou a vistoria prévia à emissão de título para áreas de até 400 hectares.
Em dezembro de 2016, por meio da Medida Provisória 759, Michel Temer (PMDB), alterou a Lei 11.952/2009, aumentando a área passível de regularização para até 2.500 hectares, e mudou o marco temporal para regularização de terras públicas invadidas para dezembro de 2011.
Em dezembro de 2019, com a MP 910, Jair Bolsonaro, aumentou para 1.500 hectares as áreas passíveis de dispensa de vistoria para regularização, além de mudar o marco temporal para regularização de 2011 para dezembro de 2018. A MP vigorou de dezembro de 2019 a maio de 2020.
A atual situação da economia do país aumentou a corrida por roubo de terras públicas. Com a taxa de juros baixa de 2%, o preço das terras tem um novo boom, o que gerou uma corrida pela grilagem e, por consequência, o aumento de queimadas que assolam o Pantanal e a Amazônia.
As nossas florestas e biomas estão em chamas para dar lugar à propriedade privada da terra e viabilizar a apropriação da renda fundiária pelos grandes capitalistas.
Publicado originalmente no Opinião Socialista 598. Leia a edição na íntegra aqui