Fábio Bosco, de São Paulo (SP)

Na noite de terça-feira, dia 22 de novembro, milhares de operários enfrentaram a violenta segurança interna dentro do complexo industrial da empresa taiwanesa FoxConn na cidade de Zhenzhou no interior da China continental. Vários vídeos testemunham o enfrentamento que durou madrugada adentro.

Os manifestantes foram recém-contratados para substituir centenas de trabalhadores e trabalhadoras que “fugiram” da fábrica no início do mês devido à política de “closed-loop” (circuito fechado) que obriga os 200 mil operários a viver dentro do complexo industrial, fisicamente apartados da cidade (e do mundo), implantada em meados de outubro como parte da política nacional de combate à COVID chamada Covid-Zero. Dentro do complexo industrial, os operários e operárias que testam positivo e seus colegas próximos são confinados em dormitórios com acesso irregular à alimentação e artigos básicos.

As condições de contratação dos novos trabalhadores não foram respeitadas. Ao invés do pagamento de USD 3.500 para dois meses de trabalho, um salário atrativo para esta região no interior da China, o valor real era de USD 3.500 para quatro meses de trabalho confinado no complexo industrial sob condições aviltantes.

Rapidamente a Apple interveio no conflito preocupada com a repercussão mundial dos protestos operários e precisando retomar a produção plena para abastecer os mercados mundiais com o novo iPhone 14 cujo modelo mais econômico custa USD 800.

No dia seguinte, a FoxConn anunciou que iria cumprir as condições originais de contratação e que pagará uma indenização de USD 1.400 além de fornecer transporte gratuito para regresso a suas casas aos novos trabalhadores que não quiserem permanecer.

A FoxConn é a principal montadora de produtos da gigante estadunidense Apple. Metade de todos os iPhone produzidos em todo o mundo é feita em Zhenzhou. A FoxConn é responsável por cerca de 5% de todas as exportações chinesas. De certa forma, a FoxConn é um retrato da China hoje: o ingresso maciço de capital estrangeiro; produção em larga escala para o mercado nacional e internacional; a expulsão de milhões de camponeses para prover a mão-de-obra barata nas indústrias; a superexploração da classe operária; e mais recentemente a realocação industrial para o interior do país para fugir dos salários mais altos conquistados pela luta da classe operária nas regiões costeiras, em particular a província de Cantão, no sul, junto de Hong Kong.

Estes protestos operários não foram os únicos. Na semana anterior, uma multidão de trabalhadores migrantes protestou contra o desabastecimento de alimentos no distrito industrial de Haizhu, em Cantão, onde 1,8 milhão de operários ficaram confinados por três semanas devido à política de “Zero-Covid”.

Protestos populares em várias cidades contra a morte de dez pessoas em Xinjiang

Na quinta-feira, dia 24, um incêndio em um edifício residencial na cidade de Urumqi, na província de Xinjiang, provocou a morte de 10 pessoas confinadas no 15 andar. A cidade estava em lockdown havia 4 meses.

No dia seguinte, começaram protestos na cidade de Urumqi contra a draconiana política de Covid-Zero e por liberdade. Estes protestos se espalharam para 50 campi universitários e importantes cidades como Xangai, Pequim, Cantão, Wuhan, Nanjing e Chengdu no final de semana.

Em Xangai houve repressão e prisão de manifestantes. Oradores lembraram a limpeza étnica contra a população uighur, majoritária em Xinjiang, e até mesmo o massacre na praça da paz celestial (Tiananmen). Setores de vanguarda entre os manifestantes gritaram palavras de ordem contra o ditador Xi Jinping e o regime de partido único.

Em Pequim a principal manifestação foi na prestigiada universidade de Tsinghua e contou com a participação de 2 mil estudantes que exigiam liberdade de expressão e, a exemplo dos estudantes na praça da Paz Celestial em 1989, cantaram a Internacional, o hino internacional dos trabalhadores e trabalhadoras.

Os desafios da ditadura

Recém-reeleito para um terceiro mandato, Xi Jinping terá importantes desafios pela frente.

Por um lado, a política de Covid-Zero pode levar a várias empresas importantes a transferir parte de sua produção para outros países. A própria FoxConn anunciou investimentos em sua unidade no sul da Índia para produzir iPhones. Além disso, a disputa entre o imperialismo ocidental e a China pode ser outro motivo para o enfraquecimento do capitalismo chinês.

Por outro lado, estes protestos operários e populares podem ser a ponta de lança de um processo amplo de lutas por direitos sociais e democráticos, que cedo ou tarde virá. Eles necessariamente enfrentarão um inimigo poderoso. O regime chinês suprime a liberdade de expressão, de organização e de imprensa. Líderes de greves e protestos são presos e/ou mantidos sob estreita vigilância. Até mesmo advogados trabalhistas são perseguidos.

Apesar da repressão, há fatores que podem potencializar as lutas. O desenvolvimento capitalista na China gerou o maior proletariado industrial do mundo, parte dele trabalha para o capital privado nacional e internacional, e parte dele em empresas estatais. E também concentrou a população em grandes cidades. Além disso, o maior acesso à educação e às novas tecnologias podem ser um instrumento das lutas sociais. Há ainda a memória histórica das revoluções chinesas e, em particular, os ecos dos grandes protestos da praça da paz celestial, violentamente suprimidos em 1989. Os estudantes de Pequim cantando a Internacional é claramente um sinal desta memória histórica e um antídoto contra os esforços da esquerda neo-estalinista e neo-maoísta de caracterizar as lutas democráticas dentro da China como pró-imperialistas. Afinal, que setor pró-imperialista cantaria a Internacional?