No dia 12 de julho, o Senado aprovou por unanimidade o projeto de lei que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.
O setor movimenta mais de R$ 10 bilhões ao ano e é o mais apetitoso pedaço da privatização do país. Sem as teles e o setor energético, o saneamento passou a ser a “jóia da coroa“ da desestatização e será disputado por multinacionais e empreiteiras nacionais. Como nos casos anteriores de privatização, o setor passa por um processo de redução de investimentos há mais de dez anos. E o resultado é que apenas 20,2 % das cidades brasileiras coletam e tratam o esgoto, de acordo com o IBGE. Os trabalhadores sofrem com as doenças de veiculação hídrica e o meio ambiente é castigado. E já existem 63 concessões privadas pelo Brasil.
Após as derrotas do capitalismo em Cochabamba, onde a mobilização popular derrotou a empresa concessionária, e na Argentina, onde a empresa teve de ser reestatizada devido à impossibilidade de garantir o aumento de lucros com a cobrança de tarifas devido à crise no país, ocorreu uma mudança estratégica: o foco passou a ser a garantia do lucro através de legislação específica (a regulação), para evitar contestações judiciais.
O Banco Mundial e a ONU financiam estudos e projetos sobre o saneamento com o objetivo de privatizar. A ONU divulgou em 2003 o relatório “Financiando Água para todos“, organizado por Michel Camdessus, ex-diretor-gerente do FMI, cobrando a necessidade de garantia de investimentos.
FHC tentou, mas não conseguiu. Durante seus governos, a privatização do saneamento foi cobrada pelo FMI, constando em todas as revisões dos acordos com o fundo. Os tucanos elaboraram o projeto 4147, que foi engavetado por Lula, que o substituiu por outro visando a regulação e não simplesmente a privatização da empresas. Lula e seus ministros das Cidades Olívio Dutra e Márcio Fortes (PP) se empenharam na aprovação do projeto. O modelo foi a lei elaborada por Marta Suplicy e aprovada no município de São Paulo, com elogios de Dutra, mas que foi suspensa pela justiça estadual.
O projeto de Lula foi unificado com o projeto do senador Gerson Camata (PMDB/ES), relatado na Câmara, onde recebeu mais de 800 emendas, pelo deputado Júlio Lopes (PP/RJ), e no Senado por César Borges (PFL/BA). Agradou a Associação Brasileira de Infra-estrutura de Base, a Federação Nacional do Urbanitários (FNU-CUT) e o líder do PSDB na câmara, Jutahy Magalhães, que manifestou apoio do partido para a votação, que deve ocorrer em outubro, com pedido de urgência do PP.
Os principais objetivos dos investidores para garantir os lucros eram:
1. estabelecer a titularidade, isto é, quem pode vender a concessão . O projeto, por consenso, omitiu o tema, que está na pauta de julgamentos do STF;
2. criar órgão regulador, uma agência como a ANEEL, ANATEL, etc, para fugir do controle do governo central;
3. criar mecanismos de revisão tarifárias ;
4. ter “licença para matar“, ou seja, permissão para corte de água dos inadimplentes, o que hoje a justiça impede principalmente para empresas, mas que coloca em risco a saúde da população em um país com alto índice de desemprego .
O que eles conseguiram colocar no projeto :
o projeto afirma que um dos princípios fundamentais do serviço de saneamento é a eficiência e a sustentabilidade econômica ( art 2°, VII );
os contratos só serão válidos com condições de equilíbrio econômico-financeiro ( art 11°, IV );
“os serviços públicos de saneamento básico terão a sua sustentabilidade econômico-financeira assegurada mediante remuneração pela cobrança de seviços“ ( art. 29° )
Para evitar o problema argentino, o projeto prevê “revisões tarifárias periódicas ou extraordinárias, quando se verificar a ocorrência de fatos não previstos não contrato, fora do controle do prestador de serviços, que alterem o seu equilíbrio econômico-financeiro“(art. 38°);
O projeto prevê corte de água do inadimplente. Isso regulamenta o corte, que hoje é possível de ser evitado na justiça, por se tratar de serviço essencial ( Art. 40°, V);
O projeto permite que grandes usuários negociem suas tarifas com o prestador de serviço (Art 41). Embora divulguem que economizem água, as grandes empresas fazem contratos de fornecimento de água que lhes garantem o abastecimento fixo ao preço reduzido. As empresas de saneamento gostam, porque é faturamento garantido. Como pagam por volume fixo, empresas como a GM no ABC não implementam programa de reúso. Mas os moradores da periferia não têm a garantia do fornecimento e são penalizados pagando até o racionamento, regularizado pelo art 46, “para garantir o equilíbrio financeiro da prestação do serviço“;
O projeto legisla sobre meio ambiente: a qualidade do tratamento de esgoto terá metas que considerem a “capacidade de pagamento das populações e usuários envolvidos“ (art 44, 2. Ao separar populações e usuários, o projeto abre espaço para uma empresa que despeje seus efluentes na rede pública mas que esteja em “crise“, limite o tipo de tratamento a ser empregado pelo custo do serviço;
A criação de taxas e tarifas para custeio dos serviços de água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem urbana, ou seja, teremos taxa de enchente. (arts 33 a 36). E, mais uma vez, os fabricantes de embalagens se livram de custear os tratamentos dos resíduos.
O art 2° prevê a adoção de métodos e técnicas que considerem as peculiaridades locais: os bairros nobres terão água vip, o agreste…
A entidade reguladora será independente, com autonomia administrativa, orçamentária e financeira, e editará normas sobre regime, estrutura e níveis tarifários, bem como os procedimentos e prazos de sua fixação, reajuste e revisão (art 21, I e IV) . A fixação de tarifas observará: geração dos recursos necessários para a realização dos investimentos, recuperação dos custos, remuneração adequada do capital (art 29). A entidade de regulação poderá autorizar o prestador de serviços a repassar aos usuários custos e encargos tributários não previstos originalmente.
A publicidade dos relatórios é prevista, mas “EXCLUEM-SE … OS DOCUMENTOS CONSIDERADOS SIGILOSOS EM RAZÃO DE INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE MEDIANTE PRÉVIA E MOTIVADA DECISÃO”. Doutrina Bush.
As empresas atuais podem ser indenizadas em caso de rompimento ou término dos atuais contratos, ou de novos contratos onde não existam. Isso acontecerá nos municípios que retomarem a concessão. Essa indenização foi prevista como compensação para as empresas, estaduais e geralmente públicas, mas pode ser a pá de cal, porque elas ficarão com a dívida e a nova empresa com a receita.
A universalização dos serviços de saneamento é necessária e urgente. Ao assumir o governo, o PT estimou em R$ 178 bilhões de reais o gasto a ser feito em 20 anos para concluir o serviço, mas o país gasta com juros da dívida 155 bilhões em um ano!
O projeto unifica os setores de água, esgoto, resíduos sólidos (lixo) e drenagem urbana. O setor do lixo já é dominado por máfias em São Paulo.
A senadora Heloísa Helena defendeu “que só o setor público invista em saneamento, por causa do risco de elevação de tarifas e custo nos serviços terceirizados“. Mas, infelizmente votou a favor do projeto.
Com a aprovação do projeto, voltará a pressão para a privatização das empresas estaduais existentes e das concessões municipais que estão sem contrato hoje. Ocorrerá demissão de trabalhadores, redução de direitos. As áreas mais populosas serão mais visadas e as áreas carentes continuarão sem saneamento.