Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Nesta segunda-feira (21), a repórter Laurene Santos, da TV Globo, virou alvo de ataques por parte do presidente Bolsonaro. Ao ser questionado sobre o uso de máscaras em São Paulo, lembrando que ele havia sido multado em outra ocasião pela falta do uso do equipamento, o presidente reagiu de forma agressiva e retirando a máscara que utilizava, xingou a imprensa e mandou a jornalista “calar a boca”.

Num momento em que o país ultrapassa 500 mil mortes pelo Covid-19 e manifestações contra o governo se multiplicam pelo país, Bolsonaro mais uma vez destila todo seu autoritarismo contra a imprensa e o faz de forma machista e violenta contra uma jornalista mulher.

Ataques sistemáticos a jornalistas e aos meios de comunicação

Somente em 2020, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) contabilizou 580 ataques à imprensa brasileira promovidos por Bolsonaro, seus familiares e seu círculo próximo. Segundo a entidade, os insultos, a estigmatização e as humilhações públicas desferidas contra os jornalistas se converteram numa marca registrada desse governo.

Em especial quando se sente pressionado, é costume de Bolsonaro atacar jornalistas e os meios de comunicação. Em agosto do ano passado, por exemplo, ao ser questionado por um repórter sobre depósitos que Fabrício Queiroz teria feito na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, o presidente respondeu: “Vontade de encher tua boca com porrada, tá? Seu safado”.

Além de recorrer a insultos verbais e estimular a hostilidade para evitar responder questões incômodas, o governo também usa instrumentos jurídicos com intuito de constranger jornalistas. Em 2019, a ministra Damares pediu abertura de investigação contra a Revista AzMina por conta de uma reportagem sobre o aborto seguro. O ministro da Justiça, André Mendonça, por sua vez, tem apelado de forma reiterada à Lei de Segurança Nacional para solicitar inquéritos contra jornalistas.

Agressões e perseguições à jornalistas não são uma novidade, nos últimos dez anos, o país registrou 30 assassinatos de jornalistas e comunicadores, é o segundo país da América Latina com o maior número de profissionais de imprensa assassinados na última década, atrás apenas do México. Mas com a ascensão de Bolsonaro ao governo ao coisas se tornaram mais difíceis, sendo que o comportamento agressivo do presidente contra os jornalistas é replicado por seus seguidores.

Casos como o da colaboradora e ex-editora da Ponte Jornalismo, Maria Teresa Cruz, que em novembro do ano passado foi vítima de ataques misóginos e ameaças de morte, após uma publicação em apoio às manifestações pela morte de João Alberto por seguranças do supermercado Carrefour. Ou do repórter da CNN Brasil, Pedro Duran que em maio desse ano foi agredido por apoiadores de Bolsonaro e impedido de realizar a cobertura de um protesto, são cada vez mais comuns.

Em fevereiro de 2020, a jornalista Vera Magalhães se tornou alvo de ataques nas redes sociais após revelação de que o presidente Jair Bolsonaro teria usado seu celular pessoal para compartilhar um vídeo que convocava a população para manifestações contra o Congresso Nacional. Uma conta falsa em nome dela foi criada no WhatsApp e mensagens fraudadas foram distribuídas em outras redes sociais. Houve até o compartilhamento de um boleto de cobrança do colégio onde os filhos de Vera estudavam, expondo a família da jornalista e colocando em risco a integridade física deles.

Com a pandemia, os ataques têm se intensificado, como forma de tentar ocultar a desastrosa gestão da crise sanitária. Ao mesmo tempo, Bolsonaro e seus apoiadores fortalecem a rede de fake news criada para desinformar e confundir a população, além de criticar obstinadamente as medidas de restrição para conter a propagação do vírus.

Bolsonaro insulta jornalista da Folha de S. Paulo

Machismo e misoginia

A forma agressiva e intimidatória como o presidente reage aos profissionais de imprensa, tem contornos ainda mais violentos porque são as jornalistas mulheres seus os alvos preferenciais. São ataques com características próprias, carregados de misoginia e julgamentos morais, que legitimam e estimulam toda tipo de violência cometida contra as mulheres.

Laurene Santos foi uma, mas infelizmente nem a primeira e nem a única jornalista mulher a ter uma pergunta respondida com insultos e uma “ordem” para calar a boca. Em abril, a repórter Driele Veiga, da TV Aratu, filiada da SBT na Bahia, foi chamada de idiota ao vivo, depois de questionar o presidente sobre ele ter posado para uma foto com uma placa escrito CPF cancelado, referência a pessoas que mortas pelas milícias. “Não tem o que perguntar, não? Deixa de ser idiota”, disse o presidente.

Bolsonaro sempre foi um machista repugnante. Já disse a uma deputada que não a estupraria porque “ela não merece”, defendeu que mulheres ganhem menos porque “engravidam”, minimizou a violência contra a mulher, os estupros e o feminicídio, chegou a afirmar que sua filha foi fruto de uma “fraquejada”. Seu histórico contra jornalistas mulheres não é novo, em abril de 2014, durante entrevista sobre os 50 anos do golpe militar, Bolsonaro xingou a repórter Manuela Borges da Rede TV, de idiota, analfabeta e ignorante.

Mas essa conduta sofreu uma escalada com sua chegada ao governo. Em de março de 2019, o presidente divulgou em sua conta oficial do Twitter um relato deturpado de uma conversa com a jornalista Constança Rezende, na época no jornal O Estado de S. Paulo, fazendo a cobertura do caso Queiroz. Foi a senha para o ataque por parte de apoiadores.

Em maio do mesmo ano, quando questionado sobre verba para educação, Bolsonaro atacou a Marina Dias, jornalista da Folha de S. Paulo, dizendo que o jornal não pode contratar “qualquer uma”. Em junho, ao ser questionado por Sylvia Colombo, também da Folha de S. Paulo, sobre entrega de credenciais para uma mulher nomeada como embaixadora da Venezuela, tentou constranger a repórter e mudar o foco das perguntas se dizendo “apaixonado por ela” e parabenizando o jornal por ter contratado uma pessoa que “sabe fazer pergunta”,  O presidente ainda chamou a repórter Isadora Peron, do Valor Econômico, de feia. Thais Oyama, da Jovem Pan, como a “aquela japonesa” e disse que “não sabe o que ela faz aqui no Brasil”. Disse que Miriam Leitão, jornalista e comentarista da Globo, mentiu ao dizer que foi torturada durante da ditadura militar. No início desse mês, ele chamou apresentadora da CNN Brasil, Daniela Lima de “quadrúpede” ao falar com seus apoiadores na porta do Palácio do Alvorada.

Um dos casos mais bizarros ocorreu em fevereiro de 2020 envolvendo a jornalista da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello. Após o presidente repetir mentiras inventadas por um depoente na CPMI das Fake News e por seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, sugerindo que a jornalista teria tentado trocar sexo por informações para prejudicar a campanha de Jair Bolsonaro, um exército de contas falsas e perfis reais passaram a atacá-la dia e noite, numa das piores campanha de linchamento digital já conhecida. “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim“, disse o presidente.

O caso de Patrícia é emblemático porque em 2018, após publicar reportagem denunciando caixa 2 na campanha do presidente, a jornalista já havia sido alvo de uma ação movida por Bolsonaro contra a Folha de S. Paulo e a repórter, numa tentativa institucional de intimidar a jornalista, ferramenta que como vimos, também é utilizada de forma sistemática pelo governo para tentar censurar a imprensa. Como o uso dos meios institucionais não funcionou, partiu-se para o uso do machismo e do assédio moral como ferramentas para tentar silenciá-la.

Esse tipo de ataque não é nenhuma novidade. Historicamente, quando se quer desqualificar a atuação profissional de uma mulher, não é seu trabalho que se torna alvo de críticas ou análises, mas sim sua reputação. Quem nunca ouviu falas sobre alguma mulher “ter dormido” com o chefe para conseguir uma promoção? Ao “rebaixá-la” ao nível da prostituta que supostamente não é digna de respeito por parte da sociedade, se diminui o valor daquilo que ela faz e do que diz.

Por trás da retórica

Invariavelmente vemos os apoiadores de Bolsonaro relativizando e minimizando as declarações do presidente, recorrendo a argumentos como: “ele é assim mesmo, fala o que pensa”, “falou no calor do momento”, etc. Por outro lado, há setores que acreditam se tratar apenas de uma estratégia diversionista de Bolsonaro para desviar a atenção da mídia e da opinião pública de assuntos que considera incômodos ou escândalos envolvendo sua família.

Ambos os argumentos são meias verdades. De fato, Bolsonaro é assim mesmo, machista, misógino e reproduz todo tipo de lixo ideológico que justifica a violência sobre os setores oprimidos, por isso não vê problema nenhum em insultar e humilhar jornalistas mulheres em pleno exercício da profissão. Também é verdade que usa isso para desviar a atenção, sendo que as agressões são usadas tanto para evitar responder a alguma pergunta embaraçosa, como para abafar algum escândalo ou reportagem contrária ao governo.

Mas de nenhum modo isso significa que são “simples” bravatas. Se bem as falas e comportamento de Bolsonaro refletem o machismo naturalizado na sociedade e tem uma função prática de desviar a atenção, são também expressão de um projeto ideológico e de poder muito bem delimitado, de cunho autoritário e reacionário e acompanhado por ações e medidas de governo que ataca as liberdades e direitos democrático.

Por exemplo, quando Bolsonaro afirma que turistas gays não são bem-vindos no Brasil e que “leis existem para proteger maiorias”, evidentemente ele está destilando toda sua LGBTfobia e legitimando a violência e a opressão sobre as LGBTIs, pois na prática o que está dizendo é que “está tudo bem xingar, bater e até matar gays por serem gays”, que “homofobia não é crime, crime é ser homossexual”. Mas não se trata apenas de uma questão discursiva – ainda que como vimos, com consequência bem reais na vida das pessoas –, porque essa fala vem acompanhado de medidas concretas de governo, como a censura à produção cultural com temática LGBTI, por meio da suspensão de editais para financiamento de filmes com essa abordagem, a proibição de um comercial do Banco do Brasil que trabalhava com o conceito de diversidade, e a alteração pelo MEC das diretrizes para aquisição de livros didáticos para os últimos anos do ensino fundamental e que entre outras coisas passaram a ignorar o debate sobre diversidade e pluralidade.

O mesmo se pode dizer sobre a suposta “doutrinação ideológica de esquerda” nas escolas. Enquanto Bolsonaro e sua staff disparam sua metralhadora contra o “marxismo cultural”, os setores reacionários e de extrema direita apresentam projetos de lei que criminalizam professores e educadores que estimulam o pensamento crítico e defendem o debate democrático nas escolas e universidades, como o projeto escola sem partido. Além disso a doutrinação “de esquerda” tem seu contraponto na doutrinação “de direita” por meio da militarização das escolas públicas e implementação do homeschooling.

Solidariedade à Lurente Santos

Como vimos não se trata apenas de retórica, mas ainda que fosse, não podemos naturalizar a forma violenta e intimidatória com que Bolsonaro trata jornalistas, em especial as mulheres, pois esse comportamento machista legitima a opressão e a violência sobre as mulheres, cuja a consequência tem sido o aumento brutal da agressões e mortes de mulheres, da violência psicológica e moral e sexual, seja no âmbito doméstico, como também no local de trabalho, nas escola e na rua e cujas principais vítimas são as mulheres da classe trabalhadoras, as negras e pobres.

Mas ao mesmo tempo, porque expressa um projeto ideológico e de poder, autoritário e reacionário, que quer acabar com qualquer direito e liberdade democrática da classe trabalhadora, tampouco podemos ficar alheios aos ataques de Bolsonaro à imprensa e seus profissionais – independentemente das mentiras sobre a suposta neutralidade dos grandes meios de comunicação, que como sabemos estão à serviço da burguesia–, pois ninguém tem mais a perder com esses ataques do que a própria classe trabalhadora, seja pelo direito à informação, mas sobretudo porque os ataques à liberdade de imprensa não atinge só os meios de comunicação burgueses mas também o jornalismo alternativo e independente e a imprensa operária.

Por isso, repudiamos veementemente a agressão machista efetuada por Bolsonaro contra a jornalista Laurene Santos, e nos solidaríamos com ela. Assim como repudiamos todo e qualquer ataque à imprensa e seus profissionais.