Brasília - 28/06/2023 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante anuúncio do Plano Safra da Agricultura Familiar 2023/2024 Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Redação

O chamado novo Arcabouço Fiscal, já aprovado, e a recém apresentada Reforma Tributária são duas faces de uma mesma moeda. Além de não colocar os pobres no orçamento, nem cobrar impostos dos ricos, como Lula disse que faria, mantém os pobres pagando impostos e entrega ainda mais do orçamento aos ricos. Ou seja, fazem a mesma coisa que todo o resto da política econômica do governo.

A indústria automobilística recebeu R$ 1,5 bilhão em isenção aos “carros populares” e a resposta, país afora, foi uma sucessão de fechamentos de linhas de produção e a suspensão de contratos de trabalho. Já o agronegócio acabou de receber um financiamento de R$ 287 bilhões, simplesmente o maior plano de capitalização do agro em nossa história. 

As grandes construtoras continuam sendo as maiores beneficiadas pelo programa “Minha Casa Minha Vida”, enquanto as famílias mais pobres sofrem com despejos ou, junto com a classe média, sofrem com os altos juros para um financiamento, enquanto o déficit habitacional se perpetua.

Banqueiros elogiam o governo

O governo está impondo toda a política exigida pelo capital financeiro, a grande indústria e o agronegócio. A tal ponto que o presidente do BTG Pactual (aquele fundado por Paulo Guedes), Roberto Sallouti, se derramou em elogios a Haddad: “Ele está surpreendendo os agentes econômicos positivamente. O ministro Haddad virou um bastião de credibilidade deste governo”.

Enquanto isso, o dia-a-dia de milhões de trabalhadores e trabalhadoras continua sendo marcado pelo subemprego e pela precarização, um salário mínimo de fome, com o “aumento” de R$ 18, e uma inflação que, mesmo desacelerada, subsiste, principalmente nos produtos e serviços mais básicos.

A hipocrisia do discurso contra os juros 

Desde o início do governo, Lula e o seu entorno criticam os juros altos impostos pelo Banco Central (BC). Mas, o governo não toma nenhuma atitude para mudar isso, mesmo tendo instrumentos para defenestrar Campos Neto, o presidente do BC

Ao não fazer isso, fica cada vez mais evidente que o governo apenas vocaliza os interesses de um setor da burguesia, sem estar disposto a mexer em nada que possa gerar algum atrito com qualquer um de seus setores, ainda que nos marcos do próprio capitalismo. 

Fica evidente, ainda, que esse discurso, longe de pretender mudar algo de fato, é apenas a expressão de uma irritação por parte da burguesia industrial e do próprio setor financeiro, para quem os juros altos já começam a atrapalhar seus negócios.

Trabalhador continua pagando a conta

Reforma Tributária beneficia os capitalistas

A reforma do sistema de impostos é tão prioritária para o governo que, no início da gestão, foi criada uma secretaria específica, no Ministério da Fazenda, para fazê-la. E, nela, foi colocado o economista Bernard Appy, ex-assessor de Guido Mantega, quando este foi Ministro da Fazenda, no segundo mandato de Lula, e tentou impor uma reforma semelhante.

O argumento é que a Reforma Tributária visa simplificar o emaranhado de impostos no país, unificando todos os tributos num Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

A lógica, contudo, é unificar todos os impostos no consumidor final. Na proposta do governo, os três impostos de competência da União (Cofins, IPI e PIS) se concentrarão num IVA federal, chamado de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Já os impostos dos municípios e estados (ICMS e ISS), também se unificarão num só: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Disputa entre setores da burguesia

Os monopólios industriais e o setor financeiro cerraram fileiras em torno da Reforma Tributária, enquanto setores do agro, de serviços e do varejo se opõem à proposta. Entidades como a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) fazem propaganda, afirmando que a reforma trará desenvolvimento e crescimento, enquanto a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) divulga que, com a medida, a cesta básica vai sofrer aumento de 60%.

Essa briga de foice no escuro se estende aos estados e municípios, que não querem perder arrecadação e os instrumentos que contam, hoje, para guerra fiscal: a possibilidade de oferecer isenções para grandes empresas. Mesmo com a União prometendo um fundo para compensar perda de arrecadação, a desconfiança permanece.

O que está por trás dessa reforma é uma disputa entre setores da burguesia, para ver quem ganha mais privilégios com os tributos, pagando ainda menos e garantindo maiores lucros. Todos querem manter e ampliar os muitos privilégios com os quais já contam, hoje, sem perder as inúmeras brechas que têm no emaranhado da atual legislação para toda sorte de isenção.

Mantendo a carga nas costas dos trabalhadores

A briga ocorre porque a alíquota unificada significaria que alguns setores pagariam mais, e outros pagariam menos, em comparação ao que acontece atualmente. Mas este debate esconde que a proposta visa justamente diminuir a quantidade de impostos pagos pelo empresariado. 

Ou seja, o conjunto da burguesia, o governo e o Congresso Nacional do Centrão mantêm um acordo acima disso tudo: manter a carga tributária nas costas da classe trabalhadora.

Entenda

Reforma unifica tributos em um imposto único sobre consumo (IVA)

Cofins + IPI + PIS = Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)

ICMS + ISS = iImposto sobre Bens e Serviços (IBS)

Não são os ricos

Quem paga imposto no Brasil

Ao contrário do que ouvimos muitas vezes por aí, a carga tributária do Brasil, mesmo atingindo o recorde de 33,9% sob o governo Bolsonaro, em 2021, não é alta em relação aos outros países. O que, sim, ocorre, e pouca gente diz, é que ela é extremamente regressiva, incidindo justamente sobre os mais pobres e isentando os capitalistas bilionários. 

Ou seja, quem paga imposto é o pobre e a classe média, tanto através dos impostos diretos retidos na fonte, como, principalmente, por meio dos impostos indiretos, aqueles embutidos nos produtos, que incidem sobre o consumo e taxa, de forma igual, tanto o bilionário quanto o pobre. 

Essa estrutura perversa e desigual faz com que as famílias mais pobres paguem, proporcionalmente, mais impostos que os super-ricos, porque pagam quando recebem o salário, e pagam, novamente, quando vão ao supermercado comprar comida, gastando quase metade da renda em impostos.

Um sistema que privilegia principalmente o imperialismo, por meio das multinacionais e do capital associado a setores como o agro, e que retira seus lucros limpos, sem qualquer taxa, através de dividendos, da remessas de lucros etc.

Roubo legalizado

Ao contrário do afirmam a burguesia e os representantes do capital financeiro, não são os gastos públicos, o Bolsa Família ou qualquer outro gasto social que pressionam os impostos. No capitalismo, os tributos servem para manter esse Estado, esse regime de exploração e, consequentemente, beneficiar ainda mais os ricos. 

Por exemplo, no Brasil, a carga tributária teve dois grandes aumentos. Primeiro, na ditadura militar, para financiar a indústria de base, que viabilizaria as multinacionais, principalmente as da indústria automobilística. Depois, no governo FHC, para pagar a dívida aos banqueiros. 

A classe trabalhadora é assaltada inúmeras vezes. Ela, que produz todas as riquezas, recebe uma ínfima parte disso na forma de salário. De cara, já tem retido parte do salário no Imposto de Renda. 

De todo o mais que ela produz, parte é embolsada diretamente pelo capitalista, como lucro. Outra parte paga os impostos do próprio patrão, quando ele não sonega. E, ainda, uma parcela escoa na forma de impostos indiretos. 

Essa parte, que vai para o Estado, na forma de impostos diretos e indiretos, não é revertida em serviços públicos; mas vai para banqueiros, na forma de juros da dívida, para subsidiar grandes empresas e multinacionais e bancar as isenções bilionárias. 

Trabalhadores pagam mais

Levantamento realizado pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos, o Ilaese, revelou que, em 2021, os impostos diretos sobre a classe trabalhadora (Imposto de Renda e sobre as Pessoas Físicas), arrecadaram R$ 583 bilhões. Enquanto isso, as 72 maiores empresas do país (dentre as 100 maiores), pagaram só R$ 112 bilhões. 

No mesmo ano, considerando o total de impostos, quase 70% vieram de tributos diretos e indiretos sobre a classe trabalhadora (veja o gráfico). E, também em 2021, os privilégios tributários das grandes empresas e do agro somaram R$ 456 bilhões, segundo levantamento da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco).

Exportações, a grande propriedade e os dividendos bilionários remetidos a acionistas, inclusive estrangeiros, como os da CSN ou da Petrobras, por sua vez, são isentos de qualquer taxa.

Saiba mais

Impostos diretos sobre a renda dos trabalhadores, lucros e importação (2021)

– Imposto de Renda – R$ 583,5 bilhões

– Imposto Direto sobre o Lucro (72 maiores empresas) – R$ 112,4 bilhões

– Imposto Direto sobre o Capital Internacional (importação) – R$ 61,8 bilhões

Fonte: ILAESE

Novo Teto

Arcabouço de Lula tira dos salários, das aposentadorias e dos serviços públicos para beneficiar os banqueiros

Brasília (DF), 18.04.2023 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assina marco fiscal elaborado pela equipe econômica para o Congresso Nacional. Palácio do Planalto – Brasília – DF. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Enquanto fechávamos esta edição, o chamado novo Arcabouço Fiscal estava em vias de ser definitivamente aprovado pela Câmara. Ele substitui o Teto de Gastos de Temer por um novo teto, mais flexível, mas com o mesmo objetivo: impor um regime de austeridade fiscal para os próximos anos, restringindo os gastos públicos, para garantir o pagamento da dívida aos banqueiros.

A sua passagem pelo Senado joga por terra o argumento de que esse novo teto é uma espécie de “combinação possível” frente a um Congresso Nacional mais conservador. Pelo contrário, o projeto foi desenhado diretamente pelo governo Lula, com Haddad à frente, e costurado com Lira e o Centrão. 

E, assim, foi arduamente defendido. Tanto que, se na Câmara, o PT proibiu qualquer emenda para amenizar o projeto; no Senado, Haddad trabalhou pessoalmente para que o texto fosse aprovado sem alterações.

Mesmo assim, no Senado, o Arcabouço foi alterado pelo relator Omar Aziz (PSD-AM) e pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) que, a contragosto do governo, retiraram do teto o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e os gastos com ciência e tecnologia, mantendo o grosso dos ataques. 

Ou seja, justamente o que setores como a CUT e outras centrais reivindicavam. E que, mesmo assim, mantém a lógica perversa do projeto. Lembrando, ainda, que mesmo esses pontos tinham grande chance de voltar na Câmara.

Após a sua aprovação e a tramitação da Reforma Tributária, o Ministério da Fazenda já avisou que o próximo passo será enviar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) desvinculando os gastos da Saúde e da Educação do Orçamento. Essa era uma obsessão de Paulo Guedes, que ele nunca conseguiu implementar. 

Arcabouço Fiscal

Entenda o novo teto de gastos

– Crescimento das despesas só pode subir até 70% do aumento das receitas.

– Independentemente da arrecadação, o crescimento das despesas deve variar entre 0,6% e 2,5% do ano anterior. Ou seja, se o país viver um “boom” econômico e uma explosão na arrecadação, os gastos só aumentam 2,5%.

– Esse nível de gasto é menor do que os dos três governos do PT e, na média, metade do que foram os anos FHC.

– Vai impor um arrocho nos serviços públicos e no próprio salário mínimo, já que benefícios como aposentadorias, ou Benefício de Prestação Continuada (BPC), continuam sob o teto.

– Caso a meta de superávit primário (economia para pagar juros da dívida aos banqueiros) não seja cumprida, ficam proibidos os concursos públicos e até reajustes da inflação a servidores.