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LIT-QI

Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

Simon Lazara, do PST-Peru

Publicado no Portal da LIT-QI

Somente no dia 9 de janeiro, quinto dia após a retomada do protesto, o conflito deixou em um único ato o saldo de 17 mortos e cinquenta feridos graves em Juliaca (sul do Peru e fronteira com a Bolívia), todos por balas disparadas pelas tropas mobilizadas para o local.

É o maior saldo de mortes infligidas pela repressão aos movimentos sociais até agora neste século, e que já chega perto de cinquenta desde que começaram os protestos em dezembro diante do impeachment de Pedro Castillo.

Na prática, se vive uma situação de ocupação das zonas de conflito por parte das forças policiais e militares, colocadas em estado de emergência e brutalmente reprimidas com armas de guerra, com gás lacrimogêneo disparado de helicópteros e com tiros mesmo contra quem vai socorrer as vítimas, na sua maioria jovens. E em vez de retroceder, o governo anuncia que não vai recuar na sua decisão de restabelecer a “ordem”, e nesse sentido reforça as suas tropas na zona, ao mesmo tempo em que estabelece o toque de recolher.

No entanto, em vez de diminuir o protesto, a única coisa que conseguiram foi acender mais a fogueira. Enquanto choram seus mortos, o povo de Puno e com eles todos o povo pobre, sentem que a guerra foi declarada contra eles e se preparam para travar a batalha final para acabar com o governo responsável por este massacre.

Enquanto isso, até os feridos e mortos mostram a divisão de classes. Enquanto o povo de Puno se une, recolhe suas moedas para socorrer as famílias dos mortos, socorre seus feridos com o que tem em mãos e homenageia seus heróis nas ruas que mantém tomadas, nos átrios oficiais só falam e homenageiam o policial que foi vitimado na luta.

Como se explica esta situação? Quais são as condições que nos levaram a tal confronto, muito próximo de uma forma de guerra civil?

Boluarte: da esquerda para um governo de direita

E não estamos diante de uma ditadura militar, nem fascista, nem de uma reação cívico-militar como a imposta por Fujimori em 1992. Estamos diante de um governo precário chefiado por Dina Boluarte, que chegou ao poder na qualidade de vice-presidente eleita na mesma fórmula de esquerda de Pedro Castillo, após seu impeachment, e que conta com o apoio do Congresso.

O governo e a explosão social em curso são produtos de uma encruzilhada que construiu uma conjuntura sui generis. Boluarte vestiu a faixa presidencial em 7 de dezembro, não como produto de um golpe reacionário ao estilo de Jeanine Añez na Bolívia, em 2019, como a direita almejava e buscava. Ela assumiu como uma mediação ou um plano de transição promovido por esses setores, em aliança com o centro político e a cumplicidade da esquerda governista, com o plano de restaurar a governabilidade patronal.

O plano reacionário de destituir Castillo e sua vice-presidente para colocar um governo de seu signo foi inútil, e não só pela falta de votos suficientes (87), mas também pelo forte apoio que o presidente gerou nos setores mais pobres do país e com mais tradição de luta, como o sul andino.

Mas em 7 de dezembro já estavam criadas as condições para tentar novamente. Em meio a crescentes denúncias de corrupção e após seu distanciamento de Peru Libre – partido que o levou ao poder – Castillo não teve mais a segurança de seus votos. Além disso, era público o distanciamento de sua vice-presidenta, que negociou com as bancadas de direita e era avalizada pelo Peru Libre, para se livrar de um pedido de inabilitação, deixando assim seu caminho livre para assumir as rédeas do Estado no caso de Castillo ser impedido.

A cereja que completava o bolo seria colocada pelo próprio Castillo. Em um ato difícil de entender à primeira vista, anunciou um golpe de Estado fracassado que não só justificaria seu impeachment, mas também o levaria à prisão onde está sendo mantido acusado de rebelião. Peru Livre e Juntos pelo Peru votaram pelo impeachment, com algumas exceções e a abstenção ou ausência de outras, revelando que houve algum acordo ou convergência deste setor com a direita para manter uma continuidade pós-Castillo que lhes garantisse cotas de poder e, sobretudo, seus cargos, até o término do mandato. A nova presidente foi muito nítida e enfática sobre esse acordo implícito quando foi empossada: “Juro até 2026”, disse ela, enquanto todas as bancadas a aplaudiam e tiravam selfies em meio aos parabéns.

Para a direita, Dina Boluarte era uma espécie de mal menor, pois só conseguiria os votos de que precisava com o apoio de pelo menos um setor do Peru Libre. Por outro lado, a ilusão de um novo governo de “esquerda” mais centrado se revelou com o apoio aberto de alguns setores que iam além do partido oficial, como o Patria Roja. A própria CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru) aceitaria conversar com Boluarte, aprovando seu apelo a um governo “conciliação”. A verdade é que, na prática, o ponto de apoio fundamental de Boluarte era a maioria de direita no Congresso e sua mídia. Assim, diante da onda de protestos que começou no mesmo dia em que ocorreu o impeachment e que foi crescendo, a única resposta foi a política e as orientação elaboradas pelo referido setor.

O fator dinâmico de todo esse processo foi a entrada em cena das massas populares. De seu lado, especialmente os do sul andino mais fiéis e incondicionais a Castillo pelo apego à sua origem e identidade, outra realidade foi vista: a consumação do golpe que a direita e sua mídia tanto encorajaram, e Boluarte foi vista como traidora, usurpadora e fantoche desses mesmos setores que apenas vomitaram ódio contra eles. E eles foram às ruas. Ninguém ou muito poucos esperavam isso. Embora esses mesmos meios de comunicação acusem o Peru Libre e o Bloco Magisterial de instigar os protestos, a verdade é que seus parlamentares tiveram que esconder sua atitude e se reacomodar.

A reação desses setores foi natural, mas podia esmorecer com o passar dos dias com uma eficaz política de governo, voltada para a conciliação, o diálogo e, sobretudo, o atendimento de suas sentidas demandas. Mas pedir isso a um governo apoiado pela direita era tolice: sua resposta foi, fortemente, reacionária. Boluarte, que orquestrou o primeiro discurso, se revelaria uma marionete das alas mais reacionárias do Congresso, das Forças Armadas e dos patrões, e oficializou o discurso contra o terrorismo e a violência que a direita havia destilado durante o governo Castillo, agora contra as mobilizações, e voltou contra elas uma feroz repressão.

O próprio Otárola foi muito nítido a esse respeito: a partir do governo (e da direita) os protestos atuais são vistos como a “ressaca” do governo Castillo, que associam ao terrorismo e à esquerda marxista, e depois de exonerá-lo, agora veem a necessidade de derrotar suas bases de apoio. A verdadeira ressaca é o fantasma construído pela burguesia nesses dois anos.

Assim, foi ordenado atirar. Nos protestos de dezembro em Ayacucho, 11 foram assassinados em um único ato, e outros 18 caíram em outras partes do país. A agência Reuter filmou a forma como um jovem que prestava assistência a um ferido foi baleado impunemente.

Os discursos reacionários e as mortes produzidas apenas alimentariam a raiva. A luta foi adiada devido às festas de final de ano e à necessidade de reorganização, e foi retomada no dia 4 de janeiro com a convocação de greve por tempo indeterminado de uma série de organizações de base da macrorregião sul. A resposta do governo foi dar mais um passo à direita: promoveu Alberto Otárola, ministro da Defesa e responsável direto pelo massacre de dezembro, ao cargo de primeiro-ministro.

Assim, foram criadas as condições para um confronto maior que produziu o novo massacre em Juliaca. De um lado temos uma Boluarte que age como uma covarde que balbucia incoerências e não entende nada do que está acontecendo, e à deriva, onde quem manda é um primeiro-ministro que realmente decide com toda a aprovação da direita, a mídia e o CONFIEP (Confederação Nacional de Instituições Empresariais Privadas), que acreditam estar travando a maior de todas as batalhas contra a subversão. E, por outro, a um movimento de massas liderado pelo campo do sul do país, inflamado e encorajado contra a podridão desastrosa do regime, e contra o massacre com o qual responde.

Ação de “terroristas” ou luta de massas

A polarização que existe pode ser percebida até no discurso oficial veiculado por todos os meios de comunicação e qualificado por quem produz opinião: os protestos, diz-se, são arquitetados por terroristas, subversivos e financiados pelo narcotráfico e pelo garimpo ilegal; e as formas violentas em que se manifestam seriam a amostra dessa intervenção. A verdade é que esse discurso é anterior à eleição de Castillo e hoje se tornou oficial. É um discurso ultrarreacionário que esconde uma verdade: todos os que eram apontados com essas qualificações durante o governo Castillo, tornaram-se subservientes ao regime, colaboraram com a burguesia e abandonaram as ruas junto com seu programa.

Óbvio, esses mesmos setores que viram perder o poder ou as cotas nele fazem parte da luta atual, mas estão longe de liderá-la porque perderam o crédito. E não há dúvida de que em todo rio agitado há lucro para os pescadores. No entanto, o caráter popular auto-organizado e autoconvocado da luta está fora de qualquer dúvida.

Existem grupos de vanguarda como em qualquer luta. Mas a luta é liderada e sustentada por organizações de base, como as comunidades camponesas, que decidiram lutar democraticamente. Comunidades inteiras são organizadas e marcham disciplinadas de suas vilas remotas para os centros urbanos do interior. Somente em Puno, 20.000 moradores das comunidades aimarás se deslocaram para a cidade.

E a própria “violência” é das massas, e é produto da raiva que encoraja a forma como estão sendo respondidas. Os que tentaram tomar o aeroporto de Puno são acusados ​​de vândalos e que foi o pretexto para a ordem de atirar à queima-roupa. Mas esses “vândalos” eram 2 mil. E os mortos agora não são tratados como criminosos, mas como heróis por dezenas de milhares que os lamentam e os homenageiam em Puno.

A rebelião que começou em dezembro e agora está em seu segundo episódio, tem sido caracterizada por seu radicalismo e violência. Locais públicos e algumas sedes comerciais foram incendiados e saqueados. Alguns aeroportos foram tomados. Há enfrentamentos com a polícia. Tudo isso leva a níveis mínimos de coordenação e armas artesanais, como fogos de artifício, e alguns outros para “autodefesa”.

Tudo isto, visto pela perspectiva daqueles que defendem o monopólio do Estado sobre as armas e o uso da violência, serve de pretexto para mostrar que estamos perante uma escalada protagonizada por terroristas que ameaçam a “democracia”, reacendendo os receios alimentados por as ações do Sendero Luminoso na década de 1980, que justificariam a repressão sangrenta.

Em suma, não estamos diante de um ato “violento” desencadeado por grupos minoritários, muito menos de “terroristas”, mas sim de uma luta de massas com características radicais, que se explica, em primeiro lugar, pela condição social dos que lutam, constituída sobretudo por camponeses e habitantes das localidades mais pobres do interior do país que sempre, ou geralmente, assim se expressam. Mas também tem a ver com quem o produz: o que aconteceu em Juliaca é um transbordamento causado pela incessante campanha oficial que os aponta como violentos, terroristas e financiados pelo narcotráfico, o que nada mais é do que uma repetição da eterna discriminação e descaso que sofrem, principalmente, os pobres do campo.

Cegueira

A lógica perversa da classe dominante e de seus ideólogos se explica por sua absoluta incapacidade de compreender a crise atual. Não falemos mais dos porta-vozes de direita de inspiração fascista, mas de sua consciência crítica expressa pela imprensa (e pelos intelectuais) chamada progressiva como o jornal La República. Seu colunista diz: o que aconteceu em Puno deve ser investigado pelo Ministério Público, se houve transbordamento das forças de ordem ou das manifestações, porque não é legítimo tentar tomar o aeroporto (Álvarez Rodrich, 10-01-2023). Consequentemente, é legítimo atirar naqueles que ousam fazê-lo.

Na mesma linha, outro jornalista investigativo, reconhecido pela sua seriedade e equilíbrio, fala em mortes “injustificadas” nas manifestações, assumindo que as mortes só devem ser justas (CE, R. Uceda, 23.08.01).

Como entender que a morte e o assassinato se justificam aqui quando se trata de defender a “ordem”, e no Brasil ocorre algo várias vezes mais grave, como a invasão às sedes do Executivo e do Legislativo por milhares de arrebatados partidários de Bolsonaro sem que acontecesse nenhuma morte?

A verdade é que por detrás do neoliberalismo grosseiro que ascendeu ao ápice nos últimos 30 anos, construiu-se também uma ideologia reacionária que não admite mediações e reformas do modelo, e que é dominante entre as elites e os setores médios. Assim, o discurso que agora é oficial foi construído pela direita; um discurso que clama à unidade em “defesa” da democracia e da institucionalidade, e contra o que consideram uma subversão da ordem, e que teria começado e instigado com Castillo durante seu governo. Do outro campo, o das massas em luta, o que se reclama e se aspira são profundas e verdadeiras mudanças democráticas que mudem e melhorem suas vidas.

A eleição e o governo de Castillo

Na verdade, essa reação popular, com suas características radicais, tem a ver com a percepção deles sobre o que aconteceu com Castillo.

O regime, o plano econômico e a institucionalidade praticada desde o retorno à democracia após a queda de Fujimori, foram radicalmente questionados pela primeira vez, com o resultado eleitoral que colocou Pedro Castillo na presidência em 2021. Castillo era professor rural de uma das cidades mais pobres do país, e foi eleito com programa e um partido de filiação castro-chavista.

Não esqueçamos: a economia nacional é uma das mais neoliberais do continente, o que lhe permitiu viver uma década de rápido crescimento que enriqueceu uma elite e alimentou uma grande classe média, enquanto pingava miséria para a maioria. O modelo foi aplicado entregando grandes recursos naturais a multinacionais, e avançou de mãos dadas com a corrupção que envolvia todos os que governavam, de direita a esquerda, criando tal desamor para com todos os partidos que alguns acadêmicos falam e escrevem sobre uma “Democracia sem partidos” (M. Tanaka), ou uma democracia com instabilidade crônica.

A instabilidade total começaria em 2016, com o governo do banqueiro PPK, que foi forçado a renunciar, e foi seguido por outros episódios cada vez mais dramáticos, como o golpe parlamentar de 2020 e a rebelião que derrubou Merino, até a eleição de Castillo em junho de 2021 Essa mesma eleição foi uma expressão dessa crise, já que seu partido e sua candidatura foram totalmente improvisados.

A eleição de Castillo ocorre como a busca das maiorias por uma saída para a emergência que viviam após uma pandemia atroz, e que só poderia acontecer nessas circunstâncias extraordinárias de grave crise institucional e ausência de representação política sólida da burguesia. Mas foi um triunfo histórico comemorado pelas maiorias mais pobres, pois foi a primeira vez que um governo de “esquerda” e um presidente de origem rural prevaleceram nas urnas.

A eleição de Castillo apareceu como uma mosca na sopa mais suculenta que as classes dominantes serviram até então, mesmo em condições de crise institucional. Não era suportável. Ainda mais quando foi resultado do voto e não de uma mudança na correlação de forças no campo da luta de classes. Além disso, após o recesso da pandemia, a burguesia veio com sede de recuperar os lucros, e se saiu bem, mas foi insuficiente para suas expectativas porque o governo não os acompanhou – nem poderia – com medidas de incentivo aos negócios. Por isso descarregaria todo o seu ódio através de seus porta-vozes de direita e com o apoio da grande imprensa concentrada em um setor (El Comercio). Assediaram Castillo e seus sócios desde antes de ser eleito e não lhe deram um minuto de trégua.

Castillo faria sua parte fazendo um governo completamente incompetente, trocando ministros o tempo todo e distribuindo cargos entre seus parentes, cada um com mais ganância predatória que o outro, enquanto seus sócios de “esquerda” disputavam cotas na administração pública também para prosperar nela. Ao mesmo tempo, ambos arquivariam seu programa e promessas de campanha para se reconciliar com a burguesia e se tornarem funcionais à ordem que afirmavam combater. Castillo guardou no armário sua roupa original, inclusive o chapéu chotano, e passou a usar um terno brilhante com gravata, mostrando sua intenção de se tornar funcional para a burguesia em conteúdo e forma.

Ao mesmo tempo, o governo Castillo descumpriu suas promessas de campanha de se adequar ao plano neoliberal, e nada fez para conter a inflação e a crise alimentar que atingiria a economia popular ao longo do ano de 2022. Não tocou nos grandes interesses e deixou correr a crise fazendo pagar aos trabalhadores e aos mais pobres, nada menos do que aqueles que o apoiavam. E foram desmobilizados com a colaboração das direções, acreditando que não havia outra saída, e que a principal ameaça eram os ataques da direita.

A paralisação do movimento de massas daria toda a iniciativa à direita, que se apoderaria da mídia, e conquistaria setores cada vez mais amplos das classes médias para sua narrativa reacionária. Assim conseguiu uma primeira vitória, ainda que pequena, nas eleições municipais locais de novembro, nas quais elegeu Rafel López Aliaga, seu porta-voz mais reacionário, em Lima.

A partir daí começaram a atuar as múltiplas denúncias de corrupção de Castillo e sua comitiva, como a principal questão para inclinar as forças a favor de sua destituição.

A corrupção e o apoio popular de Castillo

Castillo foi seguido e investigado desde o primeiro dia, até o que comia, para encontrar indícios de corrupção. Nada mais poderia ser esperado. E eles foram encontrando casos. O Ministério Público abriu 6 autos de inquérito por organização criminosa, associação ilícita e outros crimes. A princípio tudo parecia uma farsa inventada por seus inimigos e poucos deram crédito a eles. Mas membros de sua comitiva, ao serem investigados, alguns se esconderam e fugiram do país, outros, como seu secretário e subsecretário, passaram a denunciá-lo para valer-se do benefício da “colaboração premiada”, evidenciando uma verdadeira rede de distribuição de favores e benefícios monetários em detrimento do Estado, fatos que ainda carecem de comprovação. Mas uma rede que, comparada aos ex-presidentes corruptos (Toledo levantou 20 milhões de dólares em uma única licitação), equivaleria a verdadeiros pássaros frutíferos, ainda que, afinal, seja corrupção.

Tudo isso foi usado por políticos de direita e pela mídia para desacreditar, isolar e preparar sistematicamente o golpe contra Castillo. Assim, o chotano (natural de Chota -província do Peru, ndt.) chegaria muito debilitado em dezembro, para enfrentar uma nova moção de impeachment. Mas seu apoio entre os trabalhadores e, sobretudo, nos setores mais empobrecidos, continuaria firme. e: as pesquisas lhe davam 30% de aprovação, e nas áreas rurais estava acima de 40%. Um apoio que parecia surpreendente para as elites que viviam absortas em denúncias diárias contra o governo.

Por que esses 30% mantiveram seu apoio a Castillo apesar de sua convivência com o regime, sua incompetência e as dúvidas reveladas pelas inúmeras denúncias de corrupção? Para a burguesia é um mistério. A verdade é que esses 30% que o apoiava contra todas as probabilidades, tinham sido imunizados pelo discurso reacionário e pelos atos da direita e sua mídia, todos de ódio e intolerância contra Castillo e seus seguidores; e havia sido alimentado por ele mesmo, que continuava a encarnar a esperança de um futuro melhor. Este é o setor historicamente mais marginalizado, explorado e oprimido do país, que esperava realizar, em algum momento, sua esperança de mudança com a eleição de um dos seus.

Assim, o impeachment ocorreria nas condições mais favoráveis ​​que seus instigadores pudessem imaginar, mas cegos para essa realidade profunda.

No Congresso, 102 de todas as bancadas votaram a favor e apenas 6 votaram contra; Castillo foi abandonado até por seus amigos mais próximos. Todos os volumosos arquivos de reclamações contra ele e que eram discutíveis para um pedido de impeachment, dariam em nada ante o ato fracassado de Castillo. Segundo a Constituição, o fechamento do Congresso pelo presidente é motivo de impeachment. Então tudo era “constitucional” e “legal”. Até a OEA, que havia sido convocada pelo próprio Castillo invocando a Carta Democrática para evitar a alternância constitucional devido à ameaça de impeachment, teve que se manifestar contra o golpe e reconhecer a sucessão “legal e constitucional” resolvida pelo Congresso.

O plano burguês

O plano inicial com a posse de Boluarte era fazer deste um governo de “transição”. Transitório, não no sentido que as massas reivindicam, que é para novas eleições, mas no sentido burguês de restaurar as condições de normalidade institucional anteriores a Castillo. Os protestos de dezembro infligiram um revés a este plano, obrigando ao encurtamento do mandato que deveria se estender até abril de 2026, para abril de 2024, data em que prometeram as eleições. Para além da persistência de se agarrar aos cargos, o que existe aqui é o propósito de fazer mudanças institucionais e reformas que permitam garantir as condições para a renovação do poder burguês e sua estabilidade desde dito ano, e evitar uma repetição da experiência que ocorreu com Castillo.

Assim, os democratas mais delirantes acreditam que, com algumas reformas, o sistema pode ser resgatado, enquanto a direita pretende ir mais longe, como, por exemplo mudar os atuais membros dos órgãos eleitorais para poder manipulá-los e, se necessário, agir contra tal eventualidade. De qualquer forma, todos reconhecem que convocar imediatamente novas eleições equivale a prolongar ou estender a crise atual.

Por trás da restauração da ordem, o que se busca essencialmente é preservar a continuidade do modelo econômico neoliberal, colocado no centro de todas as questões nestes anos de crise, para continuar saqueando o país e explorando as maiorias operárias e populares.

Desta forma, o discurso democrático com o qual hoje se pretende justificar os tiros contra a população em luta designada por “turba”, cai por seu próprio peso. É exatamente o contrário: os camponeses e pobres que hoje lutam corajosamente no interior do país, o fazem com bandeiras autenticamente democráticas.

Pedem Fora Boluarte por sua responsabilidade nos crimes que causaram cerca de 50 mortes. Fora o Congresso que 90% desaprovam por ser reacionário e corrupto. Que as eleições sejam adiantadas. E que seja convocada uma Constituinte para substituir a Constituição da ditadura.

Pelo grau de polaridade e confronto, e pelos inimigos que enfrenta, essas bandeiras democráticas adquirem um caráter transitório ao questionar a própria ordem capitalista. Por isso, a partir do PST, fazemos propaganda para uma saída de fundo com um governo dos trabalhadores e dos pobres do campo.