Soraya Misleh, de São Paulo
O mês de novembro apresenta oportunidade para os movimentos sociais, populares e os defensores de direitos humanos no Brasil avançarem em sua solidariedade com os palestinos.
O período marca dois momentos trágicos para o povo palestino, decisivos para que o sionismo consolidasse seus planos de limpeza étnica, que culminaram na contínua Nakba – catástrofe com a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948. O primeiro, em 2 de novembro de 1917, quando a Grã-Bretanha – à qual seria formalizado no pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918) o mandato sobre a Palestina – emitiu a Declaração Balfour, afirmando ser favorável à constituição de um lar nacional judeu naquelas terras.
O segundo momento foi a recomendação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 29 de novembro de 1947, da partilha da Palestina em um Estado judeu e um árabe, delegando a um projeto colonial cerca de metade daquelas terras, obviamente sem consulta aos habitantes nativos.
Em 1947, Oswaldo Aranha chefiou a delegação brasileira na recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), quando foi recomendada a partilha da Palestina em favor de Israel.
Todo esse processo se dá em face de as oportunidades vislumbradas pelos imperialismos à época em suas ambições coloniais no Oriente Médio e Norte da África. O sionismo desde sempre enxergava essa aliança como estratégica para dar cabo de seu projeto político de constituição de um Estado judeu em terras palestinas, ao que a expulsão da esmagadora maioria do povo palestino – não judia – era, como sabiam, condição sine qua non.
Enquanto a Declaração Balfour abriu caminho para a intensificação da imigração sionista, a recomendação de partilha – cuja assembleia foi presidida pelo diplomata brasileiro Osvaldo Aranha –, 30 anos mais tarde, foi o sinal verde para se inaugurar fase decisiva da limpeza étnica planejada, que culminou na expulsão violenta de 800 mil palestinos de suas terras e destruição de mais de 500 aldeias. A sociedade e a paisagem locais foram totalmente transformadas, e o Estado de Israel avançou na sua criação para 78% do território histórico da Palestina. Em 1967, ocupou o restante – Cisjordânia, Gaza, Jerusalém Oriental.
O resultado, mais de 73 anos depois, é que o número de palestinos na diáspora supera os que se encontram sob ocupação desumana, expansão colonial agressiva, racismo e regime de apartheid. Mais da metade dos 13 milhões estão fora de suas terras, sendo cerca de 5 milhões em campos de refugiados nos países árabes.
O dia 29
Enquanto os 104 anos da Declaração Balfour permanecem uma trágica marca lembrada sobretudo em ambientes acadêmicos e nos círculos da solidariedade e resistência palestina, o 29 de novembro está registrado com um Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino.
A data foi instituída em 1977 pela mesma ONU que deu seu aval ao projeto colonial, ao recomendar a partilha da Palestina. Desde então, anualmente, realizam-se no 29 de novembro, em todo o mundo, atividades para denunciar que essa população ainda espera por justiça e ampliar o chamado urgente por solidariedade internacional.
Este mês representa excelente oportunidade para ampliar a conscientização da população brasileira sobre o apartheid e limpeza étnica contínuas, revelando a cumplicidade do governo Bolsonaro com esses crimes contra a humanidade, ao tempo em que – juntamente com os governos estaduais – expande a compra de tecnologias militares testadas sobre os corpos palestinos e depois utilizadas no Brasil ao genocídio pobre, negro e indígena.
Nesse sentido, urge articular desde já unidade de ação para enviar uma mensagem de apoio e força incondicionais ao povo palestino, que resiste como pode. O dia 29 de novembro de 2021 pode servir para ampliar a construção da tão necessária e urgente solidariedade internacional permanente e efetiva. Para enviar mensagem aos palestinos e palestinas de que não estão sós e que, desde o Brasil, oprimidos e explorados, defensores dos direitos humanos seguirão em luta pela libertação nacional e retorno dos milhões de refugiados às suas terras.
Assim, é importante abraçar a campanha central de BDS (boicote, desinvestimento e sanções) a Israel e fortalecer todas as iniciativas contra a ocupação.
Este é o chamado que os palestinos e palestinas no Brasil vem fazendo e que precisa ser ouvido.
Publicado originalmente no Monitor do Oriente Médio