O IPCC lançou no último dia 20, o sexto relatório de avaliação sobre as mudanças climáticas. O documento do órgão científico que assessora a Organização das Nações Unidas (ONU) é uma síntese de outros documentos que foram publicados em mais de uma década. Estranhamente, a divulgação não ganhou a devida repercussão na imprensa mundial, apesar do seu forte senso de urgência, face o aceleramento do aquecimento global.

Mais uma vez o IPCC constata: as emissões de gases de efeito estufa causaram “inequivocamente o aquecimento global”, e hoje a temperatura da superfície global é 1,1°C acima da média do período pré-industrial, entre 1850 a 2020.

Mas não é só isso, nos últimos 50 anos a temperatura da superfície global aumentou mais rapidamente do que os últimos 2000 anos. Outro dado assombroso: apenas nos últimos 30 anos (1990-2019), foram lançados na atmosfera 42% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEE), desde 1850. Ou seja, apesar das inúmeras conferências ambientais e climáticas realizadas nesses três décadas – da ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, até a última COP, realizada no Egito em 2022 – houve uma aceleração enorme de emissões de GEE na atmosfera. Em 2019, as concentrações atmosféricas de CO2 somavam 410 partes por milhão, os maiores já registrados pelo menos nos últimos 2 milhões de anos.

Vamos superar a barreira dos 1.5ºC na década e 2030

O relatório ainda conclui que o aumento exponencial e incontrolável da temperatura média global vai ultrapassar os 1.5ºC acima dos níveis pré-industriais ainda na década de 2030. Como se sabe, esse foi o limite traçado pelo Acordo de Paris, que recomenda limitar a média de temperatura global em 1.5°C.

Manter a temperatura média da Terra em até 1,5 °C significaria administrar as mudanças climáticas um pouco mais severas do que se apresentam hoje. Convém lembrar que, em toda a sua história, a humanidade nunca enfrentou um aumento da temperatura média global como este. Acima de 2°C já pode significar um passo para acionar pontos de ruptura do sistema Terra e poderia ameaçar inúmeras cidades costeiras. Já uma elevação de 3°C condenaria muitos sistemas naturais da biosfera ao colapso, e as cidades costeiras desapareceriam.

Pontos de ruptura são sistemas de retroalimentação positiva. Ou seja, um limiar crítico além do qual um sistema se reorganiza de forma irreversível, retroalimentando o aquecimento global. A Amazônia, por exemplo, pode chegar a um ponto de não retorno com a degradação da floresta, despejando mais CO2 na atmosfera e retroalimentando o aquecimento do clima. Outro ponto de não retorno é o descongelamento do permafrost, um tipo de solo permanentemente congelado que tem potencial de liberar o dobro de carbono que atualmente existe na atmosfera.

De todos os gases de efeito estufa (dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso), o CO2 é o mais preocupante. Aproximadamente dez anos após ser lançado, o CO2 atinge sua máxima capacidade de retenção de calor, e pode permanecer por muitas décadas e séculos na atmosfera e nos oceanos. É o chamado efeito inércia do CO2. Segundo o IPCC, a maior parte das emissões (79%), vieram dos setores de energia, indústria, transporte e construção, e 22% da agricultura, silvicultura e outros usos da terra. No caso do Brasil, o setor que mais emite é o de mudança do uso da terra, ou seja, o desmatamento das nossas florestas e expansão da agropecuária. Pouco mais 46% das emissões brasileiras foi de desmatamento, seguido por 24% de emissões das atividades agropecuárias, o que reflete claramente a condição semicolonial do país.

Mudanças são rápidas e generalizadas

O relatório reconhece que já estão ocorrendo mudanças generalizadas e rápidas na atmosfera, oceano, criosfera e biosfera. O nível médio do mar global, por exemplo, aumentou 0,20 cm entre 1901 e 2018. Pior ainda: a taxa média de aumento do nível do mar tem acelerado: foi de 1,3 mm por ano (entre 1901 e 1971), para 3,7 mm/ ano, entre 2006 e 2018.

Metade da humanidade vive em “contextos altamente vulneráveis às mudanças climáticas”, expostos a insegurança alimentar, hídrica e moradia. E, entre 2010 e 2020, o relatório estima que a mortalidade humana por inundações, secas e tempestades foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis, em comparação com regiões com vulnerabilidade muito baixa.

O sexto relatório ainda destaca que os extremos climáticos e climáticos estão impulsionando cada vez mais o deslocamento na África, Ásia, América do Norte, América Central e do Sul.

Obstáculos a transição energética

O relatório não diz isso com todas as letras, mas qualquer um entende que não há futuro para os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) se não quisermos comprometer irremediavelmente a civilização e todo o sistema Terra, acionando os pontos de não-retorno.

Segundo o IPCC, a instalação de novas fontes de energia limpa é o único caminho para limitar a temperatura abaixo dos 2°C. Mas isso exige uma transformação urgente, revolucionária e inédita do fornecimento de energia em escala global, na qual as emissões globais de CO2 teriam de ser reduzidas em cerca de 7% a cada ano até 2050. Atualmente, cerca de 35 bilhões de toneladas são emitidas por ano na atmosfera.

O aquecimento do clima e as consequências para as futuras gerações. Fonte: IPCC.

O texto destaca que as formas renováveis de energia, como a eólica e a solar, são cadas vez mais baratas — e manter os combustíveis fósseis pode sair mais caro do que fazer a transição para sistemas de baixo carbono. Também é enfático quanto à necessidade de desenvolvimento de tecnologias capazes de capturar CO2 da atmosfera para impedir o aquecimento acima de 2°C. No entanto, reconhece que elas ainda não são confiáveis. Na maioria das vezes, servem como uma desculpa para que as petroleiras explorem mais as reservas de óleo e gás.

O que o IPCC não diz

O sexto relatório do IPCC talvez seja um dos mais contundentes já divulgados pelo órgão. Sua leitura leva a uma conclusão inevitável: no mundo capitalista nenhum acordo climático deu certo, e nem poderá dar. Todos naufragaram, a despeito dos dados que se avolumam. Enquanto isso, a ciência caminha de olhos abertos perante a evolução da catástrofe climática. A trágica história de Cassandra da mitologia grega talvez seja uma alegoria apropriada para descrever a situação atual. Cassandra foi a profetisa troiana amaldiçoada por Apolo com dom de ver o futuro e fazer profecias. Mas ninguém jamais acreditaria nelas, e quando ela previu a queda e a destruição de Tróia, todos zombaram.

O problema é que, sob o capitalismo, a transição energética não passa de uma farsa e não vai deter a catástrofe que se anuncia. Sabemos que o obstáculo para isso são enormes subsídios concedidos pelos governos às grandes petroleiras. Um relatório de 2020 da Agência Internacional de Energia Renovável rastreou cerca de US$ 634 bilhões em subsídios ao setor de energia em 2020 e descobriu que cerca de 70% foram para combustíveis fósseis e apenas 20% foram para geração de energia renovável (1).

No entanto, as iniciativas dos governos dos países centrais do capitalismo indicam que nos anos recentes houve (e haverá) um maior investimento em pesquisas sobre fontes renováveis, tal como matrizes fotovoltaica, eólica, o aprimoramento de pesquisas em hidrogênio verde (H2V) e do uso de biocombustíveis (que não é uma energia limpa, embora entre na conta dos planejadores).

Mas esse processo tem sido feito pelos países centrais do capitalismo. Estados Unidos, China e Alemanha estão numa corrida para controlar esse mercado e obter alguma renda tecnológica aos grandes monopólios. Mesmo as grandes as petroleiras estrangeiras estão investindo pesadamente no desenvolvimento de novas fontes limpas de energia. Isso resultará não em uma “transição energética” em curto ou médio prazo, mas na criação de um “mix energético”, no qual se combinam novas fontes renováveis e limpas com os combustíveis fósseis – algo absolutamente insuficiente para resolver o problema das emissões dos gases de efeito estufa.

Os riscos estão aumentando a cada incremento do aquecimento. Fonte: IPCC.

Além disso, uma “transição verde” sob o capitalismo se baseia em uma matriz energética que depende do desenvolvimento de indústrias altamente extrativas que aumentam a crise ambiental. É o caso das baterias elétricas para automóveis, casas e outras máquinas, que exigem a extração de lítio e outros minerais raros (como cádmio, cobalto ou níquel). A “transição verde” promovida por um setor do aparelho industrial do imperialismo anda de mãos dadas com novos projetos de mineração poluentes que, entre outras coisas, põem em risco a contaminação de aquíferos e sistemas ecológicos importantes para a vida humana e animal. Ademais, com o desenvolvimento dos veículos elétricos, já há uma corrida entre Estados Unidos e China para explorar o lítio da América do Sul, existente no Chile, Argentina e Bolívia (2).

Em suma: os países centrais do capitalismo, ao mesmo tempo que intensificam a exploração de petróleo e gás, promovem o desenvolvimento de novas fontes energéticas e uma corrida imperialista para garantir o fornecimento de matéria-prima para um futuro muito próximo.

Não há futuro com o capitalismo (3). Para deter a deter a catástrofe ambiental que bate à porta e ameaça toda a civilização, a superação do capitalismo e a construção de uma sociedade socialista e ecologicamente equilibrada se faz imprescindível.

 

(1) Taylor, M. Energy Subsidies: Evolution in the Global Energy Transformation to 2050 – International Renewable Energy Agency, 2020.

(2) Ver em: https://elpais.com/internacional/2023-03-21/luis-arce-denuncia-que-el-litio-de-bolivia-esta-amenazado-por-la-derecha-internacional.html

(3) Para ver projeções ver o Atlas Interativo do IPCC: https://bityli.com/29InTA