Júlia Eid, de São Paulo

Júlia Eid, de São Paulo (SP)

No dia 4 de fevereiro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, apresentou o pacote que está sendo chamado de “anticrime”, que enviará ao Congresso Nacional.

O projeto altera 14 leis e tem, segundo o ministro, três objetivos principais: o combate ao crime organizado, à corrupção e à criminalidade comum. O pacote altera os códigos penal, processual e eleitoral, as leis de execução penal e de crimes hediondos entre outros.

A medida apresentada é uma falsa tentativa de responder à expectativa da população em relação à segurança pública e à corrupção desenfreada na política brasileira. Temas muito utilizados durante a campanha de Jair Bolsonaro. Mas as medidas anunciadas por Moro não vão resolver o problema da criminalidade no país, ao contrário, aumentará a violência.

Tanto para Bolsonaro quanto para o ministro, a solução para a segurança pública é o aumento da repressão; do encarceramento em massa dos negros e dos trabalhadores da periferia; a ampliação do atira e depois pergunta por parte da PM e a criminalização dos movimentos sociais e ativistas.

Por outro lado, no que toca ao combate à corrupção, o projeto não altera quase nada da atual legislação e a impunidade contra os crimes de colarinho branco vai continuar.

Prisão sem trânsito em julgado das decisões condenatórias
Moro propôs que a execução da pena comece logo após a condenação em segunda instância para a maioria dos crimes e a partir de condenação em primeira instância, por um Tribunal do Júri, em casos de homicídio.

Trata-se de uma medida que, longe de resolver a impunidade, principalmente dos crimes de corrupção, vai acabar de enterrar o princípio da presunção de inocência e vai penalizar e encarcerar, sem direito à defesa em liberdade, os setores mais pobres e oprimidos. As principais vítimas dessa medida serão os jovens negros moradores de periferias e favelas.

Enquanto Moro se concentra em lutar pelo cumprimento da prisão antes do trânsito em julgado das decisões, quase a metade dos presos, mais de 40 %, não foi sequer julgada em primeira. E sobre isso o pacote de Moro nada diz, pois não está interessado em resolver os problemas reais tanto da criminalidade quanto do sistema carcerário.

Além disso, o total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a 726.712 em junho de 2016. Em dezembro de 2014, era de 622.202. Houve um crescimento de mais de 104 mil pessoas. Atualmente, a população carcerária do país, é a terceira maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e China. Além disso, mais da metade dos presos no Brasil são jovens entre 18 e 29 anos, sendo que 64% dos encarcerados são negros.

A medida de Moro vai no sentido de legalizar essa situação e aumentar ainda mais a quantidade de jovens negros presos. E é óbvio, pois já acontece atualmente, que os setores que têm menos condições de pagar altos preços para advogados renomados são os que mais sofrerão, pois hoje sequer tem o direito de julgamento em primeira instância, demonstrando o caráter classista da justiça. E sobre essa situação o pacote de Moro simplesmente se cala.

Excludente de ilicitude
O projeto tem um capítulo sobre “legítima defesa” – que engloba o excludente de ilicitude, proposta pelo presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral.

O projeto considera legítima defesa os casos em que o agente policial ou de segurança pública pode prevenir injusta e iminente agressão a direito seu ou de terceiros.

Essa proposta do ministro é, sem dúvida, um dos pontos mais complicados do projeto. Sabemos que nas periferias das grandes cidades do país, a Polícia Militar mata a juventude negra e os trabalhadores de forma brutal. Há, além disso, uma impunidade enorme contra os policiais que disparam contra os moradores da periferia.

A medida proposta por Moro é, na prática, a legalização da violência policial e da matança nas periferias e vai penalizar principalmente os jovens negros. Sem dúvida, estamos diante de uma medida que, se aprovada por esse Congresso Nacional, levará ao aumento da letalidade policial no país, que já é uma das maiores do mundo. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 5144 pessoas foram mortas pela polícia brasileira em 2017, o que correspondeu a 8% de todos os assassinatos do país. Isso representa 14 assassinatos da polícia por dia.

Nesse sentido, ao invés de reduzir, a proposta de Sergio Moro vai aumentar a violência e a impunidade dos policiais, dando uma verdadeira carta branca para as agressões e assassinatos dos jovens no país.

Ao mesmo tempo, os policiais, com licença para atirar em quaisquer situações, estarão mais expostos e a tensão e a violência tendem a aumentar, principalmente nas periferias.

Quando o Estado coloca uma arma nas mãos de um funcionário público, um policial, e dá a ele licença quase irrestrita para atirar, e não constrói mecanismo de controle sobre sua atividade, deixa toda a sociedade vulnerável. E ainda mais os trabalhadores e os jovens das periferias, que estão desarmados, ainda mais desprotegidos.

Nesse sentido, Moro vai tornar qualquer tipo de controle sobre possíveis excessos e erros dos policiais quase inviável, pois o que hoje ainda pode ser considerado excesso e erro, vai ser considerado a conduta legal dos policiais, principalmente da PM.

Culpa negociada
Com a justificativa de desafogar a justiça, o pacote institui o chamado plea bargain (barganha de pena), sistema usado nos EUA. Nesse sistema, o acusado, ao assumir a culpa, pode negociar a redução de pena com o Ministério Público.

A incapacidade do Estado de garantir justiça e oferecer um julgamento justo, pois 40% dos presos sequer foram julgados, ficando detidos por anos a fio, será substituída pela confissão com uma pena determinada. Quer dizer, é uma confissão de Moro com relação a falência do poder público em aplicar justiça, vindo do próprio ministro da Justiça.

Primeiro porque não há defesa pública de qualidade para os mais pobres e, por diversas vezes, os réus, mesmo inocentes, são obrigados a fazer acordos com o Ministério Público para evitar um longo processo.

Segundo, porque nas delegacias já há uma pressão enorme para os detidos confessarem a autoria dos crimes. Isso ocorre, no dia a dia, por meio de agressões e até por meio de tortura. Segundo relatório de 2017 da Defensoria Pública, de setembro de 2015 a setembro de 2017, foram ouvidos 11.689 presos durante audiências de custódia. Destes, 3.677 relatam ter sofrido algum tipo de agressão na ocasião da prisão, sendo que 979 dizem ter sido torturados. Há uma denúncia de agressão a cada 5 horas e uma de tortura a cada 18 horas.

Ao propor a culpa negociada, Moro está aumentando a pressão para que ocorram confissões de inocentes e incentiva os meios violentos, já largamente utilizados, para obter tais confissões nas delegacias.

Medidas contra o crime organizado
Uma das medidas do pacote é a tipificação de organizações criminosas, que passarão a ter um tratamento mais duro na legislação.

A proposta de Moro autoriza expressamente a infiltração de policiais nas organizações criminosas e propõe que as lideranças comecem a cumprir pena em estabelecimentos penais de segurança máxima, além de proibir a progressão de pena.

Para entender melhor o significado dessas alterações propostas por Moro, é necessário compreender que a Lei da Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013), criada por Dilma, possibilita que vários tipos de organizações, incluindo movimentos sociais e organizações políticas sejam enquadradas dentro desta “lei”.

Essa lei foi aplicada em inúmeros processos contra ativistas após as jornadas de junho de 2013. Muitos jovens lutadores foram enquadrados na lei da “organização criminosa”, cujo objetivo, além de criminalizar, era dissuadir as manifestações. Trata-se, portanto, de uma lei utilizada fundamentalmente contra ativistas e manifestantes.

As alterações propostas pelo governo, portanto, endurecem ainda mais a punição contra os movimentos sociais, as organizações políticas e contra suas lideranças. Na medida em que forem consideradas organizações criminosas, a polícia poderá se infiltrar livremente e de forma legal nas organizações políticas, mapear seu funcionamento, suas ações e seus militantes. As lideranças poderão ficar presas em presídios de segurança máxima e não terão direito a progredir de regime.

O combate ao crime organizado no Brasil não passa por endurecer as leis penais. O maior negócio e a maior fonte de renda de tais organizações é o tráfico de drogas. E é a guerra pelo lucro gerado pelo tráfico o maior responsável pela violência nas periferias e favelas do país.

Qualquer medida que busque desarticular e enfraquecer o crime organizado deveria passar pela descriminalização das drogas, pois o custo econômico e em vida humanas da “guerra às drogas” é um dos promotores da violência. Além disso, a punição e confisco dos bens dos grandes empresários do tráfico, que são os maiores beneficiados pela atual política de drogas do país.

A quem serve o Pacote Moro?
O Brasil, atualmente, tem 27 milhões de pessoas desempregadas, se contarmos o subemprego este número aumenta. Contando os jovens e outros setores que não conseguem entrar no mercado de trabalho, são 66 milhões sem emprego formal.

Além disso, as medidas do governo já reduziram R$ 5 bilhões em benefícios do sistema de Seguridade Social. São pais e mães de família, acidentados no trabalho; pensões e um logo etc. de famílias que tem esses benefícios como única renda familiar.

A reforma da Previdência piora ainda mais isso, pois o projeto prevê que milhões de aposentados que hoje sustentam suas famílias com os filhos desempregados ganharão menos do que um salário mínimo.

Com essa política o governo Bolsonaro vai aumentar a atual catástrofe social. Por isso ele é incapaz de propor qualquer projeto de segurança pública que não seja aumento da repressão. E Moro é o responsável para criar o arcabouço legal que justifique criminalizar os movimentos, os lutadores e encarcerar e matar a juventude negra do país.