Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Quando os festejos pela derrota de Bolsonaro tomaram o país, não havia como não perceber a emoção estampada nas faces de negros(as), mulheres, LGBTIs e membros de outros setores historicamente marginalizados e oprimidos . E não sem razão.

Afinal, derrotamos, nas urnas, um governo que nos infernizou com a propagação do ódio e o incentivo à violência. De um lado, vimos a deputada bolsonarista Carla Zambelli tentando assassinar um homem negro no meio da rua; acompanhamos os ataques a negros, mulheres e LGBTIs, feitos por grupos neonazistas, em universidades e escolas de São Paulo e Santa Catarina. Isso pra não falar das ações pró-golpe nas estradas e quartéis.

Do outro, assistimos Lula celebrando a força das mulheres em sua vitória, denunciando a “doença” do racismo e prometendo a criação dos ministérios dos Povos Originários e da Mulher, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.

Fatos que merecem uma reflexão. Não só pelo que devemos esperar vindo da extrema-direita, como também pelo verdadeiro abismo que existe entre a declaração de “boas intenções” de Lula e a sensação de alívio (e as enormes expectativas) de quem é atingido pelo preconceito e a discriminação.

Num capitalismo em crise, a opressão só tende a aumentar

O bolsonarismo e movimentos correlatos mundo afora só podem ser entendidos pela combinação de dois fatores: a profunda crise e degeneração do capitalismo e, também, a decepção com governos ditos “progressistas”, que têm frustrado as expectativas do povo trabalhador, pobre e periférico.

Um processo que originou, sim, um setor convictamente reacionário, que “milita” pelo controle do Estado para impor, com mais facilidade, a superexploração que garanta suas margens de lucro. E o que, infelizmente, muitos setores da “esquerda” menosprezam, é que as opressões são partes deste mesmo processo.

Discriminar, incentivar preconceitos, promover o ódio e a violência estão a serviço, em primeiro lugar, de justificar a marginalização de amplos setores da sociedade, para, assim, obter mais lucros com a manutenção de um exército de desempregados e subempregados e o rebaixamento das condições de vida. Segundo, são ideologias que dividem a classe trabalhadora, enfraquecendo seu potencial de luta contra tudo isto.

Por isso mesmo, foi fundamental afastar Bolsonaro da máquina do Estado. Mas isto não significa, de forma alguma, que suas ideias e seguidores mais fiéis não continuem a significar uma ameaça. Como também, é uma ilusão pensar que a vitória de Lula aponte para uma superação do problema e muito menos para o fim da opressão.

Pelo contrário. A História nos ensina que quanto maior a crise, maior a ganância da burguesia e, consequentemente, sua disposição para intensificar as ideologias e práticas que nos dividam e enfraqueçam.

Balanço

Não há paz, liberdade ou igualdade à sombra da Casa-Grande

No passado, mesmo num momento de menor crise, as limitações impostas pela conciliação de classes impediram que o PT revertesse os efeitos mais nefastos da opressão.

Em relação às mulheres, por exemplo, em 2003, segundo o Dieese, homens ganhavam, em média, 17,05% a mais que as mulheres; em 2014, a diferença havia aumentado 18,29% (20,5%, em 2018). Enquanto isto, a violência seguiu crescendo. Em 2013, o Brasil ainda era o quinto país no mundo em feminicídios e, em 2012, foram registrados 230% mais estupros que em 2006.

No que se refere à população negra, segundo a edição de 2017 do “Atlas da Violência”, entre 2005 e 2015, de cada 100 vítimas de homicídio, 71 eram negras. Já a taxa de homicídios de brancos em 2003 era de 14,5 para cada 100 mil habitantes e caiu, em 2014, para 10,6/100 mil (menos 27,1%), enquanto entre negros, subiu de 24,9 para 27,4: um aumento de 9,9%. Além disso, segundo o IBGE, em 2018, negros e negras eram dois em cada três desempregados; 63,7% dos que viviam sem renda; 67% dos ambulantes e 66% dos trabalhadores domésticos.

Quanto à comunidade LBGTI, segundo os dados (subnotificados) do Grupo Gay da Bahia, também só podemos falar em aumento da violência: no início do primeiro mandato de Lula, foram assassinados 163 LGBTIs. No final do mandato Dilma e Temer, o número tinha saltado para 445 mortes.

Isso tudo ocorreu apesar das medidas parciais e pífias que o petismo só adotou pressionado pelas lutas destes setores. Medidas que ao estarem submetidas à lógica do capital não mexeram na essência daquilo que afeta a classe operária e particularmente seus setores mais oprimidos.

Sem atrelamento

Opressão não se combate com ilusões

Depois da terra arrasada deixada por Bolsonaro, as perspectivas são ainda mais sombrias, principalmente em função da amplitude das alianças petistas e dos compromissos assumidos com setores conservadores e reacionários.

Lula se comprometeu com  evangélicos a não encaminhar nada ao Congresso “que comprometa os valores cristãos e da família”. Ou seja, tudo que tenha a ver com o direito ao aborto e, particularmente as pautas LGBTIs. Aliás, LGBTI é termo que Lula, simplesmente, se nega a usar, como ficou evidente na Paulista, mesmo com Daniela Mercury celebrando a festa.

Com a transição em curso, as coisas estão ficando, literalmente, mais “claras”. No dia 4, lideranças negras de partidos da Frente Ampla, encaminharam um texto exigindo representação negra, em posições de “prestígio e poder”, como dizem os defensores da tese do “racismo estrutural”, na equipe entregue nas mãos de Alckmin. No entanto, os principais nomes já haviam sido apresentados (banqueiros, empresários do agronegócio) e nenhum negro ou negra havia sido incluído.

Exemplos pontuais que nos permitem prever o que vem por aí. Por isso mesmo, também para mulheres, negros(as), LGBTIs, indígenas, quilombolas e demais setores oprimidos, só há um caminho a seguir: se organizar, inclusive no que se refere à autodefesa contra a extrema-direita, ao lado da classe operária, com completa independência, nos preparando para as lutas que virão e, principalmente, construindo uma alternativa de poder socialista e revolucionária. A única que pode nos libertar.