Eduardo Almeida

Bolsonaro anunciou inúmeras vezes que tinha certeza de ganhar as eleições. Fez uma campanha contra as urnas eletrônicas, acusando, sem provas, que elas geravam “fraudes”. Todos sabiam que Bolsonaro não aceitaria uma derrota eleitoral.

Mas, a posição da maioria da grande burguesia nacional e internacional era categoricamente contra um golpe, assim como os governos imperialistas, o que tornava inviável um golpe militar vitorioso. Sobrava, então, uma ação golpista semelhante à invasão trumpista do Capitólio, a sede do Congresso norte-americano. Essa era a possibilidade colocada na realidade por todos os analistas políticos, assim como pela própria direção do PT.

Também apontávamos essa possibilidade e, por isso, defendemos a necessidade de não confiar nas instituições burguesas – nas Forças Armadas, na Justiça, no Congresso etc. – e mobilizar e organizar a autodefesa contra essa provável ação de Bolsonaro.

A direção do PT tinha a mesma caracterização. Mas, apontou a perspectiva oposta: a de confiar na justiça, nas polícias e no Congresso. Não havia, portanto, nenhuma preparação prévia para o que ocorreu após as eleições.

As ações golpistas depois das eleições

Como era esperado, após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proclamar a vitória de Lula, todos os governos imperialistas, a começar por Biden (EUA), felicitaram o presidente eleito. Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (PSD), presidentes do Senado e da Câmara, respectivamente, além de toda a institucionalidade burguesa também reconheceram a vitória de Lula.

Mas Bolsonaro permaneceu em silêncio por dois dias, enquanto os bolsonaristas organizavam bloqueios de estradas em todo o país. Não se trava de uma mobilização dos caminhoneiros, mas de uma parte significativa das grandes empresas do agronegócio e de outros setores burgueses, como Luciano Hang, dono da Havan.

Foram mais de mil pontos de bloqueios totais ou interdições parciais no país. Nas regiões de maior peso do agronegócio (Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Sul do Pará) os bloqueios eram mais fortes e organizados.

Os bolsonaristas não aceitavam a derrota eleitoral, denunciavam uma suposta “fraude” e defendiam um golpe militar, sob a palavra de ordem “Intervenção Federal”.

Conivência e apoio das policiais

As polícias não reprimiram os bloqueios nos dois primeiros dias. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) não fez nenhuma ação para impedi-los. Ao contrário, inúmeros vídeos mostram o apoio dos policiais aos bolsonaristas. No dia das eleições, a PRF fez quase 300 operações no Nordeste, tentando impedir os eleitores de votarem, sabendo que a maioria votaria em Lula.

As Polícias Militares tampouco agiram contra os bloqueios nos dois primeiros dias, nem o Exército ou qualquer uma das Forças Armadas.

A justiça também não agiu durante o primeiro dia dos bloqueios. Só na noite de segunda-feira, Alexandre de Moraes, presidente do TSE, os condenou e exigiu a repressão por parte da PRF e das polícias. Mesmo assim, não houve ação efetiva das polícias no segundo dia dos bloqueios.

Na terça-feira (1°/11), Bolsonaro fez um pronunciamento nacional, dizendo que “os movimentos populares eram motivados pelas injustiças eleitorais”, mas que deveriam respeitar o direito de ir e vir. Na quarta-feira, (2/11), os bolsonaristas realizaram atos na frente de quartéis, exigindo um golpe militar. Os atos do Rio e São Paulo tiveram dezenas de milhares de participantes.

Minimizar as ameaças é um erro grave

As grandes empresas pressionaram fortemente pelo fim dos bloqueios, que começaram a afetar a economia. Um setor majoritário das classes médias, mesmo apoiando Bolsonaro, foi também contra os bloqueios, pelos transtornos que estavam causando.

Na quinta-feira (3/11), as ações golpistas começaram a refluir. A derrota eleitoral, reconhecida pelas instituições, a pressão da grande burguesia, o início da repressão por parte das polícias –  ainda que sem grandes enfrentamentos, como veríamos se fossem trabalhadores em mobilizações – desmontaram os bloqueios. Outras iniciativas, tal como o chamado a uma “greve geral”, também fracassaram.

Não existe nenhuma possibilidade de que os bloqueios e as manifestações tenham sido “espontâneas”. Elas foram articuladas  por Bolsonaro e sua família. O silêncio do presidente e seu discurso contra “as injustiças eleitorais” estiveram coordenados com as ações golpistas.

Esse foi o “Capitólio tupiniquim”, como foi chamado por setores da imprensa. Não houve golpe militar, porque não existem relações de forças para isso. Mas minimizar sua importância é um erro grave.

Sem mobilização

Qual foi a resposta da direção do PT?

A direção do PT orientou a confiar nas instituições. Não chamou nenhuma mobilização, não organizou o movimento para enfrentar os bloqueios. Só cobrou a justiça e as polícias para que fizessem com que os resultados das urnas fossem respeitados. A direção do Movimento Sem Terra (MST) seguiu a mesma orientação. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) chegou a chamar reuniões, mas recuou e seguiu a política do PT.

André Janones (Avante), que teve papel de destaque na campanha eleitoral de Lula, orientou para que sequer falassem dos bloqueios bolsonaristas, “para não ampliar a divulgação desses atos”, como escreveu. Mas, como sabemos, não adianta negar a realidade objetiva: os bloqueios foram o principal fato político do país, noticiados ou não pela rede petista.

A resposta por fora do controle do PT e da CUT

As únicas respostas diretas contra os bloqueios vieram de fora do controle da direção do PT e da CUT. Os trabalhadores do estaleiro Brasfels, em Angra dos Reis, romperam o bloqueio da BR 101.

As iniciativas mais importantes, entretanto, partiram de algumas torcidas organizadas, como a Galoucura, do Atletico Mineiro; a Gaviões da Fiel, do Corinthians; a Mancha Alviverde, do Palmeiras e a Força Jovem, do Vasco, que romperam bloqueios bolsonaristas nas estradas.

A  CSP-Conlutas de São Paulo convocou uma reunião com os movimentos sociais e agrupações políticas para discutir uma resposta do movimento e sua autodefesa. Apesar do boicote da direção do PT-PSOL e da CUT, a reunião articulou uma unidade para preparar as mobilizações possíveis.

Essas ações, ainda que pequenas e pontuais, demonstram que era possível enfrentar os bloqueios e as ações golpistas bolsonaristas.

Organizar a autodefesa

Quais as conclusões a serem tiradas?

Mesmo com a vitória de Lula, a ultradireita veio para ficar. Demonstrou enorme força na campanha eleitoral e no pós-eleições. Não há dúvida de que o bolsonarismo vai instrumentar uma oposição ativa contra o governo Lula, se apoiando na insatisfação gerada na implementação dos planos neoliberais.

E engana-se quem pense que o bolsonarismo vai fazer uma oposição por dentro das instituições, respeitando “as regras do jogo” da democracia burguesa. Pelo contrário, Bolsonaro não hesitará em atuar por fora dos marcos da democracia burguesa, se achar que isso servirá aos seus objetivos.

Uma tropa de choque também contra os movimentos

Bolsonaro montou uma base de apoio social, política e militar para isso. Existe um milhão de pessoas armadas com a disseminação de clubes de tiro, em geral formado por bolsonaristas de classe média. Além disso, seguirá com influência em setores das Forças Armadas e das polícias, sem falar nas milícias.

Isso tudo vai ser usado para questionar o futuro governo Lula. Mas, também vai servir de tropa de choque contra as greves e os sindicatos; para atacar LGBTIs, negros, mulheres e indígenas; para atacar os ativistas e lideranças dessas entidades e os movimentos populares.

A atitude do PT, de deixar nas mãos das instituições burguesas a responsabilidade de “cuidar” do bolsonarismo, foi completamente errada. Quais destas instituições estiveram à altura para se enfrentar com os movimentos golpistas de Bolsonaro? Por que deveríamos crer que no futuro será diferente?

As polícias se comportaram como ajudantes dos golpistas, como ficou patente em inúmeros vídeos. Hoje, as Forças Armadas não apoiam um golpe militar. Mas, em outra situação, podem mudar de ideia. Mesmo com mudanças no comando, feitas pelo governo Lula, ainda vai existir uma forte ala bolsonarista nas Forças Armadas.

A justiça demorou para tomar uma atitude contra os bloqueios. E, até agora, não existe qualquer medida efetiva de punição aos golpistas.

Conciliação de classes fortalece  ultradireita

A estratégia do PT vai levar à conciliação com setores que eram bolsonaristas até ontem. Mas essa será a via para fortalecer o bolsonarismo. Não há caminho para derrotar a ultradireita e esmagar os grupos fascistas que estão se gestando que não seja a mobilização das massas.

A democracia burguesa tampouco serve para reprimir o crescimento de grupos fascistas. Nem todo apoiador de Bolsonaro é fascista; mas, é verdade que, hoje, existem mais de mil células fascistas organizadas no país.

A História já demonstrou que somente as mobilizações de massas podem derrotar os golpes e as ditaduras, a exemplo da derrota do golpe militar tentado na Venezuela contra Chaves, em 2002, e das mobilizações dos trabalhadores e do povo pobre que derrotaram o golpe contra Evo Morales, em 2019.

Os trabalhadores e trabalhadoras são a maioria e os mais pobres seguem tendo Lula como referência e podem responder a um eventual chamado do PT e da CUT para a mobilização.

Confiar na força da classe operária organizada

Hoje, a ultradireita está com suas forças intactas. A derrota eleitoral os abalou, mas não os derrotou. É hora de discutir como devemos enfrentá-los. O primeiro grande impedimento é político. É a compreensão, disseminada pelo PT, de que se deve ter confiança nas instituições. É preciso que os trabalhadores, a juventude e os setores oprimidos e marginalizados confiem nas suas próprias forças e mobilizações.

É preciso levar essa discussão para a classe trabalhadora e aos bairros populares das grandes cidades. É preciso explicar a necessidade de que nos organizemos para lutar contra a ultradireita, pois ela vai atacar quando os movimentos se levantarem para defender suas reivindicações e seus direitos.

E é preciso dar passos concretos para organizar a autodefesa. Os sindicatos, organizações do movimento popular, de luta contra as opressões e da juventude devem organizar os ativistas em grupos de autodefesa. É preciso organização e treinamento. É preciso que os ativistas se preparem para defender cada assembleia, cada passeata, cada greve.  É preciso fazer valer a força da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras. E a única maneira para que isso ocorra é se organizando para a luta.