Redação
Cada vez mais se fala sobre o tal orçamento secreto, artifício utilizado pelo governo Bolsonaro para comprar voto no Congresso Nacional e que o manteve afastado da ameaça de impeachment na Câmara. Mas o que é esse orçamento secreto? Como ele funciona?
Oficialmente chamado de “emenda de relator”, ou RP9, a modalidade foi criada a partir de um projeto saído do Executivo que mudou a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2020. Quem assina a medida é o ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, General Luiz Eduardo Ramos e, claro, Bolsonaro.
E a história repetida por Bolsonaro, de que ele teria vetado a medida, e nada teria a ver com isso? Pura mentira. Em 2019, o Congresso havia aprovado uma proposta de R$ 30 bilhões para as tais emendas de relator. Era o preço para o apoio no Parlamento. A equipe econômica chiou e o presidente vetou o valor. Mas logo depois negociou a reedição da medida, pechinchou e deu metade desses recursos. Viu aí a oportunidade perfeita de comprar apoio no parlamento, secretamente. Um bom negócio, mas cujo preço veio subindo à medida que a popularidade do governo caía.
No debate presidencial desse dia 16, Bolsonaro até tentou jogar a paternidade do orçamento secreto no colo do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PSDB). O próprio desmentiu Bolsonaro quase que em tempo real através de suas redes sociais: “Pelo jeito não é tão secreto, ele [Bolsonaro] tem a lista de quem recebe. Não diz os nomes, mas diz o número, que os deputados de esquerda teriam recebido. Quer dizer, está secreto para a gente, está secreto para a imprensa. Para ele, claro que não, ele que executa o orçamento“, escreveu.
Por que secreto?
Emendas parlamentares são há muito uma forma nada sutil de comprar apoio no Congresso Nacional a projetos e garantir lealdade ao governo de plantão. Geralmente direcionadas às bases desses parlamentares, ou seja, obras nos currais eleitorais junto a prefeituras, por exemplo, a fim de cacifar o político para as próximas eleições.
O que já era um absurdo ganha cara de corrupção deslavada, mas institucionalizada, com o tal RP9. O deputado que relata o orçamento em determinado ano tem total controle dos recursos a serem distribuídos, a partir de negociação com os presidentes da Câmara e do Senado, com a anuência do Planalto. Mas a novidade aqui é que não se sabe quem pediu quanto, e para onde isso vai.
Em 2023 serão R$ 19 bilhões distribuídos livremente aos parlamentares que, anônimos, podem alocar aonde bem quiserem, até nos próprios bolsos. Como revelou o Estadão num dos primeiros escândalos envolvendo o orçamento secreto, com a compra de tratores e demais equipamentos agrícolas superfaturados num valor mínimo de R$ 271 milhões. Mais recentemente, a revista Piauí revelou outro esquema de corrupção envolvendo o orçamento secreto e o SUS. Superfatura-se alguma obra ou a compra de algum equipamento, o dinheiro é liberado sem nem a assinatura do parlamentar que o requisitou, e pronto. O crime perfeito e sem rastro.
Corrupção maior que mensalão e petrolão
O presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL) tratou a polêmica do orçamento secreto sem meias palavras: “É orçamento feito pelos parlamentares ou voltar para a época do mensalão. São as duas maneiras de se cooptar apoio no Congresso Nacional“. Isso não foi uma conversa telefônica interceptada ou um comentário informal, foi dito com a maior naturalidade em frente às câmeras.
Lira, que lidera o grupo chamado de “centrão” e tem as chaves do cofre nas mãos, confessou com todas as letras que o orçamento secreto é uma forma institucionalizada de corrupção. Um mensalão legalizado. E dá duas opções: ou é a corrupção legalizada, ou não. Só não disse que o orçamento secreto é uma forma de corrupção turbinada. O mensalão, por exemplo, o escândalo da compra de votos no então governo Lula, desviou R$ 101 milhões segundo estimativas do Ministério Público. Já o “petrolão” teria desviado R$ 6 bilhões. Só o orçamento secreto desviou, por sua vez, R$ 45 bilhões desde 2020. São sete “petrolões” e meio.
E a oposição?
O orçamento secreto poderia muito bem figurar como o maior caso de corrupção da história. Para garantir o repasse aos deputados e senadores, Bolsonaro corta recursos da educação, o que ameaça o próprio funcionamento de universidades, e chegou ao cúmulo de acabar com o Farmácia Popular, programa que garantia medicamentos essenciais ao tratamento de doenças crônicas a 21 milhões de pessoas.
O mais curioso é que esse esquema foi revelado por uma investigação do Estadão. Sem isso, até agora não saberíamos desse rombo bilionário distribuído aos parlamentares. O ex-juiz Sérgio Moro, que se coloca como paladino da moralidade e que agora volta ao bolsonarismo com o rabo entre as pernas, nunca disse nada sobre o caso. Até mesmo parlamentares do PT se beneficiam do esquema. Pelo menos três senadores e três deputados indicaram verbas da emenda de relator às suas bases.
Corrupção faz parte desse sistema
Foi visível o impacto do orçamento secreto turbinado no resultado dessas eleições. Levantamento da Piauí mostra que pelo menos 140 deputados do bloco bolsonaristas se reelegeram surfando nos bilhões das emendas de relator. Só Lira abocanhou quase R$ 500 milhões. Cada voto que o reelegeu “custou” R$ 2.242 (Confira aqui quanto cada deputado recebeu). Algo que torna ainda mais improvável que a medida seja abandonada na futura legislatura, seja quem for eleito à Presidência. Mostra como a corrupção, legalizada ou não, é parte inerente desse sistema. Seja através do conluio com grandes empresas e multinacionais, seja com o desvio puro e simples dos recursos que deveriam ir para a Educação e Saúde, e vão irrigar os currais eleitorais dos políticos, quando não diretamente embolsados.
Isso para não falar do maior roubo legalizado da história que são os juros extorsivos da dívida pública que enriquecem banqueiros e megainvestidores internacionais. Esse, além de não provocar indignação, é ferrenhamente defendido pela imprensa e os “sensatos” analistas da burguesia.