Jair Bolsonaro tem evitado falar com a imprensa durante toda a campanha. Embora diga que a restrição seja por questões médicas, Bolsonaro já assumiu que a posição faz parte de sua estratégia. Suas propostas de governos se baseiam em frases de efeito vazias e não dão muita clareza sobre o que o candidato pretende fazer de fato caso assuma o governo. É o caso da segurança pública, grande bandeira da candidatura mas sobre a qual pouco se explica. Sequer seu guru Paulo Guedes, o “posto Ipiranga” de Bolsonaro, trata do assunto.

O programa do candidato traz oito medidas genéricas sobre o tema, mas três delas se destacam: redução da maioridade penal para 16 anos; aumento do número de prisões; e o chamado “excludente de ilicitude”, a famosa carta-branca para a polícia matar.

Uma política de segurança muito parecida, ao estilo “bandido bom é bandido morto”, está sendo aplicada há dois anos nas Filipinas. O que os números mostram, no entanto, é que a situação no país não mudou.

Rodrigo Duterte, atual presidente das Filipinas.

A experiência das Filipinas
Rodrigo Duterte é o 16º presidente das Filipinas, um país no sudoeste asiático com pouco mais de 100 milhões de habitantes. Duterte foi eleito em 2016 pelo Partido Democrático Filipino com cerca 16,6 milhões de votos (39%), já que o sistema eleitoral do país não prevê segundo turno.

Antes de ser eleito presidente, Duterte foi juiz e também prefeito de Davao, uma das maiores cidades do país. E é desde essa época já uma figura controvérsia. Conhecido por ter xingado Obama e o Papa Francisco de “filhos da p…”, Duterte foi acusado de estar envolvido com esquadrões da morte, fato que ele nunca negou. Aliás, assume abertamente que matou pessoalmente algumas pessoas.

E foi justamente com a promessa de acabar com o tráfico de drogas e com os usuários que Duterte foi eleito. Desde o primeiro dia em que assumiu, deu carta-branca para a polícia filipina matar qualquer pessoa que fosse suspeita de estar envolvida com o tráfico ou o consumo de drogas. A Filipinas é hoje uma grande consumidora de metanfetamina.

A guerra às drogas de Duterte
Desde que essa política de carta-branca foi posta em prática, cerca de 12.000 pessoas já foram mortas, seja pela polícia, seja pelos esquadrões da morte. Entre elas estão inclusas 54 crianças com mesmo de 1 ano. Entretanto, o governo reconhece cerca de 4.200 delas, “apenas”.

Ao mesmo tempo, o sistema prisional filipino não comporta tal política. Estima-se que existam cerca de 60% de presos a mais do que o número de vagas disponíveis no país. No ranking mundial de superlotação de cadeias, as Filipinas ficam atrás apenas do Irã (o Brasil é o quinto colocado). Há relatos de presos mortos por falta de ar por conta da superlotação. Em alguns presídios, as visitas são marcadas nos horários das refeições para que os presos sejam alimentados pelos familiares, já que não há comida para todos. Há ainda uma denúncia feita pela Anistia Internacional da existência de uma “Roda da Tortura” em um dos presídios (um trocadilho sinistro com o programa televisivo “Roda da Fortuna”).

Desde o início da guerra às drogas, cerca de 1,3 milhão de dependentes se entregaram voluntariamente às autoridades com a promessa de anistia e para serem reabilitados. No entanto, segundo o centro de direitos humanos iDefend, apenas 600 das 10.000 vagas anunciadas no programas de reabilitação foram ocupadas. A acusação é de que o governo está usando os nomes dos que se entregaram para criar uma espécie de “lista da morte”.

Torturas e execuções sumárias tem sido sistematicamente denunciadas por organizações de direitos humanos de todo o mundo. No entanto, a premissa da “carta-branca” tem sido usada como justificativa para qualquer assassinato, já que é muito fácil simular porte de drogas ou acusar que a vítima reagiu.

A maioridade penal no país é hoje de 18 anos. No entanto, há casos específicos em que essa idade é reduzida para 17 e 15 anos. No Congresso, no entanto, existem projetos que defendam a redução para 9 anos.

Nessa política de “bandido bom é bandido morto”, muitos “cidadãos de bem” estão morrendo também. Familiares e amigos próximos de suspeitos acabam entrando na mira dos esquadrões e da polícia que os torturam e executam em busca de informações. Críticos da política de segurança e defensores de penas alternativas estão entre os inocentes mortos como traficantes. Como é o caso de Edward Gundayo, conselheiro do governo distrital de Caloocan Norte, na região metropolitana de Manila. Ao não atacar a raiz do problema, a política de guerra às drogas de Duterte alimenta uma espiral da violência. Alguns comentaristas já afirmam existir uma geração de órfãos, filhos de pais assassinados nessa guerra.

Noel Celis / AFP

O problema não se resolve
Ironicamente, a política de Duterte para acabar com O problema das drogas não faz do país mais justo. Pelo contrário, as Filipinas são líder do ranking mundial da impunidade. Por outro lado, embora o número de traficantes e usuários de metanfetamina estejam reduzindo – já que o governo os está eliminando fisicamente -, os números relacionados com violência contra a mulher (incluindo ataques com ácido), contra jornalistas, violência agrária, prostituição e tráfico humano continuam altíssimos. Ou seja, a política de “bandido bom é bandido morto” não só não reduziu as estatísticas globais da violência, como as ajuda a manter em índices elevados.

Problemas como a corrupção, inclusive, acabam de agravando. Imunes aos efeitos da lei, policiais e membros dos esquadrões da morte ficam livres para praticar outros crimes como estupros e extorsões.

Obviamente, as grandes vítimas da política de segurança filipina é o povo pobre daquele país. Além da violência do estado, enfrentam a privatização de serviços essenciais como saúde e educação. Já os ricos e poderosos passam ilesos À guerra e ainda lucram com ela. Paolo Duterte, filho do presidente, foi acusado de estar envolvido com tráfico de metanfetamina mas o caso foi encerrado por “falta de provas”. O mesmo aconteceu com um sobrinho de um dos conselheiros do presidente.

População protesta contra o massacre do promovido pelo governo.

Carta-branca é prato cheio para as milícias
A política de segurança aplicada nas Filipinas mostra que a ideia de uma polícia “forte e bem equipada, com liberdade para matar” não passa de uma ilusão e de uma promessa populista

de políticos. Na verdade, uma política como essa em nada ataca a raiz do problema: a produção e distribuição de drogas e armas ilegais, mantendo ileso ricos e poderosos que são os verdadeiros chefes do crime organizado.

A ideia de se aumentar o número de prisões também é uma ilusão. Entre 2002 e 2014, durante os governos do PT portanto, a taxa de aprisionamento cresceu 119%, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2014. No mesmo período, a população carcerária brasileira cresceu 160%. Ou seja, os governos do PT praticaram o encarceramento em massa e isso tampouco resolveu o problema da criminalidade.

Especialistas em segurança pública como José Cláudio Souza Alves, da UFRJ, argumentam que o encarceramento em massa beneficia diretamente a organização de facções que, como se sabe, atuam de dentro para fora dos presídios. Ele também argumenta que a ideia de “carta-branca” é um mito. Na prática, os grandes beneficiados são os milicianos, os policiais corruptos, que não vão mais precisar esconder seus atos. Vale lembrar que há estimativas que apontam que as milícias já controlam mais territórios no Rio de Janeiro do que o tráfico.

Em entrevista a um jornal estrangeiro sobre o plano de segurança de Bolsonaro, José Alves declarou: “não é um plano. É uma mistificação“.