“Mande uma mensagem quando chegar”. Isso pode parecer normal, mas só quem​ vive um cotidiano violento é que se preocupa com isso. E não é preciso muito esforço para perceber que o Brasil se encaixa nesse quadro. Todos os dias os noticiários policiais e os programas sensacionalistas exploram as cenas desse cotidiano.

Mas não basta dizer que o Brasil é um país violento, porque a violência não atinge a todos da mesma maneira. A violência policial e o racismo institucional chegam de formas diferentes nos bairros pobres e periféricos do que nos bairros ricos. Nem fica preso quem tem pai juiz ou dinheiro para pagar bons advogados.

Para se entender então o que é a violência no Brasil é preciso ser um pouco mais específico. Para isso, reunimos aqui dados sobre os homicídios por arma de fogo, sobre a população carcerária, dados sobre estupro e sobre violência doméstica, para ficarmos em apenas alguns aspectos da violência.

O que os dados revelam é que a violência no Brasil tem um nítido recorte de raça e classe. Quanto mais pobre e negra é a parcela da população, mais graves são os índices de violência. Trata-se, portanto, de um problema estrutural.

Homicídios por armas de fogo
Os dados apresentados aqui foram retirados do último Mapa da Violência 2016, que trata especificamente do assunto. Segundo o relatório, o Brasil registrou em 2014 mais de 42 mil homicídios por arma de fogo. O número cresceu bastante entre os anos 1980 e o começo dos anos 2000. Após 2003, com a aprovação do Estatuto do desarmamento, passou a crescer em um ritmo menor.

Em relação as regiões do país onde se concentram esse tipo de crime, há um nítido deslocamento para as regiões norte e nordeste. São Paulo, que nos anos 2000 tinha uma das mais altas taxas de homicídio por arma de fogo, passa a ter uma das mais baixas em 2014. Já Rio Grande do Norte e Ceará fazem o caminho inverso, indo direto ao topo da lista.

Em relação ao perfil das vítimas, há uma piora da situação dos negros. A taxa de homicídios​ por arma de fogo é quase três vezes maior entre os negros do que entre os brancos. Entre 2003 e 2014, a taxa entre os negros cresceu quase 10%. Por outro lado, houve uma redução de mais de 27% entre os brancos.

Os homens jovens entre os 15 e 30 são a maior parte das vítimas. Enquanto em 2003 a número de vítimas negras foi 71% maior do que a de vítimas brancas, em 2014 essa diferença passou a ser de 158%.

 

População carcerária no Brasil
O Brasil possui hoje a quarta maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Se fossem considerados os condenados à prisão domiciliar, provavelmente ficaria em terceiro lugar.

Nossa população carcerária saltou de cerca de 90 mil detidos em 1990 para 607 mil em 2014. Ou seja, um crescimento de quase 575% no período (uma média de 7,9% ao ano). Isso porque a polícia passou a prender mais pessoas. Entretanto, de toda a população carcerária brasileira, 41% não tem julgamento. Um taxa bem elevada, deixando para trás países como Irã, Turquia, Rússia e Indonésia.

Os jovens negros também são a maior parte aqui. Mais da metade dos detidos tem menos de trinta anos e 67% da população carcerária é negra. Um índice maior comparado à população total brasileira, onde 51% é negra. Isso significa  que a taxa de aprisionamento entre os negros é superior do que a dos brancos (31% no cárcere e 48% na população em geral).

Os dados apresentados aqui foram retirados do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, de 2014.

 

A cultura do estupro
Os dados sobre esse tipo de violência foram levantados a partir de duas fontes diferentes. Uma ligada à órgãos de segurança e outra à órgãos da saúde, com mais detalhes e de onde foram tiradas a maior parte das informações. No entanto, é preciso notar que há uma diferença muito grande entre essas fontes. Isso acontece por muitos motivos mas, principalmente, por conta do próprio machismo que inibe que as mulheres vítimas desse tipo de violência denunciem seus agressores ou deem detalhes sobre o ocorrido. Também acontece porque as próprias autoridades minimizam os fatos.

Dos dados levantados, é preciso chamar atenção para o fato de que grande parte dos agressores são ou conhecidos ou familiares das vítimas. Isso é relevante porque mostra que não se trata de algum tipo de transtorno mental ou algo do tipo. Isso mostra que há uma cultura do estupro no país. Reforçando esse dado, está o fato de que 70% das vítimas são menores de 18 anos, sendo que 50% tem menos que 13 anos.

Metade das vítimas são negras e entre 2011 e 2014 houve um pequeno crescimento desses casos. Já entre vítimas brancas, houve uma pequena queda, passando de 37,7% para 34,3% das vítimas.

No últimos anos ocorreu um crescimento significativo dos casos de estupro no país. Está incluso nesse crescimento os estupros coletivos, que já chegaram à média de 10 por dia. Não é possível saber ao certo se há um aumento real de crimes ou se diminuiu o silêncio diante deles. De qualquer maneira, os dados são alarmantes.

 

A violência doméstica
A dificuldade em se medir a violência doméstica é muito grande. Muitas vezes os casos sequer chegam às autoridades. Quando chegam, muitas vezes são minimizados e desprezados. Isso significa que, tal como os estupros, os números reais desses crimes devem ser bem maiores dos que as pesquisas são capazes de medir.

Os dados mostram que a maior parte dos casos de agressão acontece de noite e aos finais de semana. Quase metade das vitimas não possui renda e 78% delas são negras. Perfil semelhante ao dos agressores. De uma maneira geral, os dados mostram que a maior parte das agressões registradas acontecem em famílias de baixa renda e também com pouca escolaridade.

 

A persistência da LGBTfobia
Em 2016, 343 LGBTs foram mortos no Brasil, segundo o relatório de 2016 do Grupo Gay da Bahia. Segundo o levantamento, que acontece desde 1980, nunca se matou tantas pessoas LGBTs quanto nos últimos cinco anos no Brasil. Isso representa um assassinato a cada 25 horas, colocando o país no topo da lista dos que mais matam LGBTs no mundo.

Segundo o relatório, 31% foram assassinados com armas de fogo; 27% com armas brancas; e o restante incluem requintes de crueldade como apedrejamento, pauladas, torturas, choques elétricos e fogo. O relatório também mostra que travestis são na maior parte assassinados nas ruas, enquanto os gays são vitimados em ambiente doméstico. Proporcionalmente, travestis e transsexuais são as maiores vítimas. A chance de uma pessoas trans ser assassinada é 14 vezes maior do que um gay.

Em relação ao perfil das vítimas, elas são em sua maioria gays ou trans (travestis e transsexuais), entre os 19 e 40 anos. Acre e Amazonas são, relativamente (por conta do tamanho da população), os estados mais perigosos para LGBTs. Entretanto, é preciso pontuar que tal como a violência doméstica, há uma insuficiência muito grande de dados. Além da LGBTfobia e do total despreparo das autoridades para lidar com a especificidade desses casos, muitos desses crimes passam por crimes convencionais (tráfico de drogas, vingança, desinteligência etc.), não sendo computados nas estatísticas.