Não parecia real. Visita do Lula em Itajai, Santa Catarina. Os trabalhadores querendo passar para falar com o presidente e, do outro lado, a tropa de choque. Garotos de olhos frios, quase cegos de ira. Também do lado do poder, velhos companheiros, agora engravatados, tentavam fazer as vezes de mensageiros, evitando, da mesma forma, que os trabalhadores entrassem no estaleiro para dialogar com Lula. Foram mais de quatro horas de gritos, palavras de ordem, batucada e bastante decepção.

Os servidores públicos protestaram contra a reforma da previdência e entregaram uma cartilha para a população explicando como esta reforma vai atingir a todo mundo. Do outro lado da barreira policial, Lula, à vontade no meio do empresariado naval, dava mais uma cutucada nos trabalhadores públicos dizendo: “…e eles acham pouco se aposentar com 17 mil reais”. Como se isso fosse regra! De Florianópolis saíram cinco ônibus lotados. A idéia do Fórum Catarinense em Defesa da Previdência Pública e Solidária, que reúne mais de 16 sindicatos, era ir até o estaleiro e entregar um boné para o presidente, resgatando-o para o lado dos trabalhadores. “Ele está vaidoso, foi a Europa, bajularam demais. Ele está sendo vencido pelo empresariado, pela elite. Temos que trazê-lo de volta”, diz Angela Dalri, uma das coordenadoras do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Santa Catarina. Os trabalhadores de Florianópolis se juntaram aos de Itajaí bem em frente ao pátio da Celesc. Logo já estava formada uma enorme coluna com faixas, a Banda Parei, a Bernunça, a Maricota, e toda a energia daqueles que estão em greve desde o dia 8, tentando evitar que passe a reforma que vai mudar a vida de toda a nação.

Como a chegada de Lula estava prevista para a 9h e 30min, por volta das nove saiu a caminhada. Os trabalhadores, mais de mil, marcharam pelas ruas até o estaleiro, entregando cartilhas para a população. Das janelas, as pessoas olhavam num misto de espanto e simpatia. Mas a caminhada não foi muito longe. A menos de um quilômetro do portão do estaleiro a polícia esperava com um cordão de isolamento. Logo mais atrás, a tropa de choque, com soldados de arma em punho. Como não havia a intenção de criar nenhum conflito a marcha parou e esperou, com canções de protesto. Foi pedido ao comandante da PM para chamar alguém do PT para uma negociação. Veio o vice-presidente do diretório estadual, Laédio da Silva. Como num sonho, os velhos companheiros impediam a passagem. “Não pode entrar. Isso é ordem de cima”. Os representantes do Fórum Catarinense em Defesa da Previdência Pública exigiam que, pelo menos uma comissão pudesse entrar para entregar o boné. Nada feito. Os dirigentes petistas voltaram para a festa e não permitiram a entrada de ninguém.

Sabendo que havia outra entrada para o estaleiro, a caminhada bateu em retirada. Na mesma hora a tropa de choque saiu fora. Foi o momento mais divertido. Os caminhantes retornaram para tentar cruzar o cordão que estava só com uns poucos PMs. Os soldadinhos do choque tiveram que correr de volta ao seu posto. A gritaria de vaias e risadas invadiu as ruas. Talvez tenha sido isso que acirrou o ódio que explodiria depois. Lá se foi a passeata em direção ao outro portão. Nenhuma novidade. Lá estavam os PMs. De repente, um empurra-empurra, alguém tentou forçar a entrada e “o pau comeu”.

Num segundo, a tropa de choque já estava em cima. Os soldados, com olhos enlouquecidos, apontavam as armas quase a queima-roupa. Uma visão perturbadora. Trabalhadores, jovens, estudantes. Gente pacífica, desarmada, que só queria entregar um presente ao Lula, sendo tratada como bandidos. “Não esperava nunca isso, não do Lula”, reagia indignada Raquel Moysés, do Sintufsc, que acabou engolindo o gás de pimenta lançado pelos soldados. Quatro pessoas foram presas. Um professor de Itajaí teve o rosto jogado contra as pedras e o pescoço apertado por uma bota. O sindicalista Eriberto Borgert foi agredido por uns cinco soldados que o algemaram. Mais duas pessoas foram detidas. Foi preciso a intervenção da coordenação do ato para que todos fossem liberados.

Ninguém ficou preso, mas o gosto amargo ficou na boca de cada trabalhador e trabalhadora que participou do ato. Foram 20 anos esperando um governo popular, um governo que olhasse com carinho para aqueles que lutam por um Brasil melhor. Ninguém esperava se ver recepcionado pela tropa de choque, com gás de pimenta e armas em punho. Na volta para casa, no ônibus do Sintufsc, todos deixavam fluir a indignação e a tristeza. Havia a decepção por não ter visto o Lula e a profunda melancolia de se ver tratado como bandido e privilegiado pelo mesmo homem que , ainda ontem, era objeto do sonho de quase todos ali. O ato político foi vitorioso. Os trabalhadores deram seu recado, dialogaram com a população. Mas, a operação resgate do Lula fracassou. Enquanto seus velhos companheiros apanhavam no meio da rua, ele discursava para uma platéia seleta e embonecada. Ainda há quem acredite que é possível trazê-lo de volta…outros não tem a mesma fé…E, assim, a vida continua… por Elaine Tavares – do Sintrajusc de Florianópolis – SC