Yara Fernandes Souza, da redação

Filme de Guillermo del Toro une fadas, faunos, monstros, capitães fascistas e guerrilheiros para fazer uma fábula adultaA fantasia e a realidade são parte de uma mesma pintura sombria em O labirinto do fauno, filme do diretor mexicano Guillermo del Toro em cartaz nos cinemas brasileiros. Aqui o cineasta rompe as cercas entre o real e o imaginário, sem que nenhum elemento pareça fora de lugar, trazendo uma fábula inédita aos cinemas, que não se encaixa em gêneros com facilidade.

A realidade é a Espanha de 1944, pós Guerra Civil e em pleno regime fascista do general Francisco Franco. A personagem principal Ofélia é uma garota de 10 anos, cuja mãe Carmen se casou com o oficial fascista Vidal, que luta para exterminar um grupo de guerrilheiros resistentes nas montanhas de Navarra. Mãe e filha se mudam para o local, onde Vidal tem um casarão. Na casa também vive a jovem Mercedes, cozinheira da casa que secretamente auxilia os rebeldes.

Para além desta realidade, o filme mescla a fantasia das histórias vividas pela garota, ao adentrar os jardins do lugar. Ofélia foge da nova vida, da crueldade do padrasto, do sofrimento da mãe. Ela descobre um labirinto que a leva até a figura mítica de um fauno, que a introduz numa aventura fantástica, afirmando que ela é a princesa de um mundo subterrâneo, que ficou presa na realidade dos humanos e perdeu a memória. Para voltar ao seu reino, ela tem que enfrentar três grandes tarefas.

Vilões reais e imaginários
No mundo fantástico adentrado por Ofélia as imagens também são sombrias. Há fadas e faunos, mas há monstros a serem desafiados, como o amedrontador homem pálido e um sapo gigante. Porém, ainda que tais figuras monstruosas causem medo e horror, a figura real de Vidal consegue ser a mais temida.

O capitão é meticuloso e frio, como o relógio que ele sempre carrega consigo. Mais que um vilão da ficção cinematográfica e do mundo fantasioso de Ofélia, Vidal é um personagem histórico real, é o fascismo e a tortura. É o marido cruel que enxerga a mulher como um meio para trazer um filho homem que carregue seu nome e sua história.

Do horror à fantasia
Apenas um filme como O Labirinto do fauno, uma verdadeira fábula fantasiosa feita para adultos, poderia conter referências cinematográficas que vão desde o terror de O iluminado, homenageado claramente na cena do labirinto, até o universo infantil de O mágico de Oz e Alice no país das Maravilhas.

Uma das cenas de horror protagonizadas pelo capitão Vidal lembra muito o ataque com o extintor de incêndio do filme Irreversível. Já em outro momento, Ofélia está vestida como a Alice, do País das Maravilhas, adentrando uma árvore para enfrentar o sapo.

As crianças e as ditaduras
O Labirinto do Fauno não é o primeiro filme que mostra a visão de uma criança sobre um contexto histórico duro, como o fascismo. Na América Latina, filmes como o chileno Machuca (Andrés Wood, 2004), o argentino Kamchatka (Marcelo Piñeyro, 2002) e o brasileiro O ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburger, 2006) também partiram do ponto de vista infantil para falar sobre as ditaduras.

O próprio Guillermo del Toro já havia optado por este enquadramento em A espinha do diabo (2001), mostrando também a guerra civil espanhola. A grande diferença que Del Toro introduziu nisso foi que ele entrou nos contos infantis, no mundo imaginário, amarrando-o de forma brilhante à realidade histórica.

Será?
Cenas de violência e cenários oníricos não se contrastam, mas são parte de uma mesma realidade mesclada na personagem principal. A fantasia aqui foge dos clichês, dos bruxos e mágicos com suas varinhas, dos efeitos especiais luminosos, para se travestir de uma fotografia esverdeada e sombria, que faz o espectador se sentir numa floresta lodosa. O mundo imaginário de Ofélia está ligado ao seu mundo real.

A depender de quem assiste, a fantasia vivida por Ofélia pode ser pura imaginação, pode ser um conjunto de metáforas, pode ser até verdade. O próprio final da história pode ser um ou outro. Porém, aos espectadores mais céticos e aos mais crédulos e místicos, O labirinto do Fauno tem uma grande história a lhes contar.

LEIA TAMBÉM: