Durante uma manifestação contra Bush, quatro pessoas foram presas e continuam até hoje. Leia abaixo a entrevista com a ativista Irma Leites sobre a prisão, o papel do governo ‘progressista´ de Tabaré Vazquez e a necessidade de solidariedade aos presosEm que circunstâncias deram-se as prisões?
No dia 4 de novembro, no momento das manifestações de repúdio à presença de Bush em Mar del Plata, houve quebra de vidros de bancos, da bolsa de valores e pichações contra o capital e o imperialismo. Quando esta mobilização já estava se dispersando em função da presença da polícia – armada e com motos; em grupos especiais da guarda metropolitana e militares -, alguns dos manifestantes foram brutalmente reprimidos a pauladas e golpes, apoiados por algumas pessoas vestidas de civis [oficiais infiltrados, à paisana].

Naquele momento foram detidas 16 pessoas, entre homens e mulheres, que permaneceram até o dia 6 de novembro presas. Destas, quatro continuam detidas: Ignacio Corrales, de 21 anos, estudante, e Claudio Piñeiro, 24 anos, estudante e dirigente sindical de taxistas, que se encontram há um mês na Prisão Central em Montevidéu. Ainda: Fiorella Josendez, de 21 anos, integrante de uma organização social de Corrales, e Lilian Bogado, de 50 anos, enfermeira de um posto de saúde e militante sindical classista, que se encontram detidas na Prisão de Cabildo. Todos foram golpeados pela polícia, Lilian sofreu fratura no braço e Fiorella tem uma ferida na cabeça. Os homens foram duramente espancados.

Quais são as acusações e as possíveis penas para os presos?
As acusações que o juiz Fernández Lechini lhes deu são de caráter absolutamente ideológico, processando-os por terem participado numa manifestação anticapitalista e antiimperialista, impingindo-lhes o delito de sedição [i.e., levante, motim, insurreição], pena que em nosso país nunca foi aplicada e cuja origem provém da ditadura de 1933. Esta pena, caso mantida pelo juiz, pode condená-los com 2 a 6 anos de cárcere.

Qual é o papel do governo Tabaré Vázquez nas prisões e no julgamento?
Desde o governo, pediu-se todo o rigor da lei no dia 4 de novembro. Depois, perante a decisão do juiz Lechini, o governo diz que é um disparate a pena de sedição mas, na verdade, nos atacam por nosso modo de agir e não fazem nada pela liberdade dos quatro presos. É um jogo duplo: não estão de acordo mas, sob o pretexto da independência do poder judicial [em relação ao executivo], argumentam que não podem fazer nada. Acreditamos que fica evidente que os setores mais reacionários nos condenam e criminalizam e que a situação serve ao governo para esconder tudo o que estão votando a favor do imperialismo. Esclarecemos que o juiz Fernández Lechini arquivou vários casos de violações aberrantes de direitos humanos permitindo que seguissem livres os repressores da ditadura, violadores, assassinos e condena militantes por participar numa marcha contra Bush.

Como foram as mobilizações por sua liberdade?
Desde o primeiro momento nós consideramos que eram os quatro primeiros presos políticos do governo “encontrista”, os companheiros foram detidos, reprimidos e processados por participar duma manifestação contra a Alca, contra Bush, contra as manobras da UNITAS, contra o tratado de investimentos com os EUA, contra as plantas de celulose em nosso país. Assim que desde essa data organizamos já três manifestações, pela liberdade dos quatro companheiros e pelo arquivamento do processo. Entendendo que este lapso confirma uma vez mais que a estratégia do poder judiciário, da direita e dos aparatos repressivos é criminalizar a luta. Nós, como organizações independentes em relação ao governo, não baixaremos nossas bandeiras anticapitalistas, contra o pagamento da dívida externa, pela vigência das liberdades e dizemos que está claro que este governo não somente é continuísta, senão que arremete contra os militantes críticos que nos organizamos para seguir na luta. É um momento muito duro, porque todas as expectativas da população vêm abaixo e a direita aparece perseguindo militantes, seqüestrando gente, criando um clima de terror. Por isso ganhar a rua como estamos fazendo é fundamental. A solidariedade com os companheiros presos e a luta por sua liberdade. Todas as semanas estamos realizando assembléias de rua ou em sindicatos, a cidade [Montevidéu, Uruguai] está toda pintada e propagandeada com as imagens da repressão e com a reivindicação da liberdade dos companheiros, tendo conseguido manifestações grandes de mais de cinco mil pessoas, sobretudo jovens, e conseguimos que gradualmente diversas organizações se pronunciem pela liberdade dos presos políticos.

Como se deram as ameaças que pesam contra a companheira Irma?
No início da Plenária Memória e Justiça, organização de direitos humanos que luta contra a impunidade de ontem e hoje, perante o arquivamento do caso de seqüestro em nosso país de María Claudia García. Nora do poeta argentino Juan Gelmán; seqüestrada, grávida e com o filho roubado pela ditadura, decidimos questionar o poder judiciário, pichando por toda Montevidéu os dizeres “Cagüetes dos Milicos” e “Empregados da Impunidade”, diante disto fui intimada por parte do chefe de polícia para que declare sobre uma pichação em específico na porta da Suprema Corte de Justiça e eu lhes disse que não tinha nada a dizer à polícia. No outro dia sou citada pelo juiz Miguez, que me interroga sobre a organização da qual faço parte, quem fez a pichação e quem integra a Plenária… ao que eu respondo que não daria nomes, que vivemos num Estado de Impunidade, que, sim, apoio as pichações que a Plenária fez por toda Montevidéu, que compartilho da crítica de que se deixam livres a assassinos, militares, seqüestradores de crianças e torturadores e que, por outro lado, agora queiram processar a lutadores sociais. Perante isto, a fiscal pede meu processo por encobrimento. Fato inacreditável, estamos falando de uma mera pichação. Os mesmos que processam por sedição o “encobrimento”, liberam a terroristas de Estado que mantém seqüestrados mais de 210 uruguaios há 30 anos. Hoje pretendem que entregando um ou dois corpos ficariam absolvidos. Apareceram esta semana num quartel e numa chácara dois restos humanos que se supõe sejam de dois dos companheiros desaparecidos. Um pode ser o de um companheiro comunista morto em tortura e logo desaparecido. A estratégia seria: de seqüestradores passam a ser assassinos e isso lhes permitiria, aos integrantes do Plano Condor, não ir presos.

Na próxima semana haverá outra intimação e então saberei se há ou não processo. O importante é que na verdade a luta seguirá e é evidente que o signo de classe deste governo, desta justiça, destes aparatos repressivos é o dos poderosos, do império e da mentira.

Que atividade de solidariedade pede a Plenária Memória e Justiça e as organizações que lutam pela liberdade dos presos?
Em princípio, a divulgação deste estado de coisas. Concretamente necessitamos organizar uma campanha internacional pela liberdade dos quatro companheiros. Sabemos que em toda a América Latina se vivem situações parecidas ou piores, assim que a idéia é a solidariedade internacional com todos os lutadores sociais, cerrar fileiras para avançar. Temos uma série de lugares aos quais se podem enviar cartas exigindo a liberdade de Lilian, Fiorella, Ignacio e Claudio, entrando neste endereço, por exemplo: http://www.inventati.org/presosuruguay. Assim como também aos correios da Plenária Memória e Justiça: [email protected].