O escritor argentino Luis Borges

Há 25 anos o mundo dava adeus ao maior poeta argentino de todos os tempos e um dos mais importantes escritores da literatura universalJorge Luis Borges costumava dizer que seu maior sonho era o de ser esquecido por seus leitores. Felizmente, esse é um capricho do escritor que jamais será atendido. No último dia 14 de junho, a literatura mundial lembrou os 25 anos da morte de um dos autores que mais marcaram o século passado. Um escritor que soube, como poucos, criar um fantástico e ilimitado mundo ficcional. Não é à toa que até já foi chamado de “o Maradona da literatura”. Afinal de contas, Jorge Luis Borges fez com as palavras o que o craque argentino fazia com a bola nos pés: mágica.

Nascido em 24 de agosto de 1899, em Buenos Aires, na Argentina, Jorge Francisco Isidoro Luis Borges não demorou muito para revelar o que pretendia fazer no mundo. Filho de Jorge Guillermo Borges e Leonor Acevedo Haedo, aos seis anos de idade avisou a seu pai que queria ser escritor. Aos sete, escreveu um resumo de literatura grega, em inglês, e aos oito fez seu primeiro conto: La visera fatal, inspirado num episódio de Dom Quixote. Começava, assim, uma trajetória literária que só seria interrompida em 14 de junho de 1986, por um câncer no fígado.

Em 1914, mudou-se, com os pais, para a Suíça, onde terminou os estudos. O retorno a Buenos Aires só ocorreria em 1921, mas em tempo de participar ativamente da ebulição cultural que vivia a capital argentina. Dois anos depois, Borges publicaria seu primeiro livro de poemas, Fervor em Buenos Aires. Poeta, contista e ensaísta, o autor argentino passou a produzir incansavelmente a partir de 1924. Entretanto, foram os livros Lua de Frente (poesia) e Inquisições (ensaios) que deram a Borges o status de líder da recente vanguarda modernista que surgia em seu país.

Por vezes, o escritor teve posturas conservadoras e foi chamado de intelectual de direita, mesmo dizendo não se interessar por política. Ainda assim, em 1946, Jorge Luis Borges deixou o cargo de diretor da Biblioteca Pública Nacional por discordar da inclinação fascista que tomava o governo de Perón.

Um dos casos que talvez expresse o conservadorismo de Borges ocorreu quando ele pediu a escritora Estela Canto em casamento. De espírito moderno e livre, Estela teria respondido: “Eu aceitaria, Jorge, mas não podemos casar sem antes dormir juntos”. Assustado, Borges desapareceu.

A cegueira foi um tormento que acompanhou o escritor por muito tempo. Aos 50 anos, Borges já havia perdido metade da visão. Anos mais tarde, já completamente cego, precisou dos cuidados da mãe, Leonor, que lia e escrevia tudo o que ele ditava.

Jorge Luis Borges casou-se duas vezes. A primeira, em 1967, com Elsa Astete, amiga de infância. A segunda, com uma ex-aluna chamada Maria Kodama, em 1986, poucos meses antes de morrer.

O fantástico mundo de Borges
Influenciado por verdadeiros monstros da literatura universal, como Dante Alighieri, Franz Kafka e C. S. Lewis, Jorge Luis Borges se notabilizou por uma narrativa simbólica e fabulosa. “Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção.”, chegou a afirmar.

O mundo literário de Borges é marcado por narrativas alegóricas, repletas de referências filosóficas e metafísicas, nas quais o fantástico e o real se confundem. Ávido leitor de enciclopédias, o escritor demonstra muitas vezes uma grande erudição, o que só acresce o caráter fantasioso de sua obra. O mundo enquanto labirinto é outra constante na literatura borgiana, na qual o poder das metáforas transcende a simples realidade vista através dos olhos.

Durante duas décadas, entre 1930 e 1950, Jorge Luis Borges produziu algumas das mais extraordinárias ficções do século XX. Os contos presentes nas obras História Universal da Infâmia (1935), Ficções (1944) e O Aleph (1949) são excelentes exemplos dos “delírios racionais” do autor. No conto A Biblioteca de Babel, Borges apresenta uma realidade na qual o mundo se constitui em uma inesgotável biblioteca que guarda uma infinidade de volumes. O narrador sugere que os livros contêm todas as possibilidades da realidade, onde sempre se busca alguém capaz de decifrar as mensagens misteriosas contidas nos livros. Numa das muitas interpretações possíveis, a metáfora de Borges considera o mundo um lugar impregnado de linguagem, pronta para ser revelada.

Jorge Luis Borges passeou com tranquilidade por diversos gêneros literários. De estilo conciso, irônico e quase coloquial, sua obra flertava com uma forte tendência à sobriedade de expressão. Os textos de Borges, sejam poemas, contos, ensaios ou prólogos, extrapolaram os limites entre a prosa e o verso e alcançaram um verdadeiro hibridismo de gênero. A cegueira que acometeu o escritor fez com que ele, em seus últimos anos de vida, se dedicasse muito mais à poesia do que à prosa. Em parte, porque era mais fácil decorar um poema do que um conto ou um ensaio para ditá-lo a alguém. Dessa fase, constam os livros A Cifra (1981), Atlas (1984) e Os Conjurados (1985), seu último trabalho.

“A memória é uma forma de esquecimento”
Ainda que Borges afirmasse que “a memória é uma forma de esquecimento”, sua provocação não encontra eco diante do valor inestimável de uma obra que tem por objetivo nos colocar frente a frente com as reflexões sobre nosso próprio destino. As fantasias metafísicas que subvertem a ordem do universo, o questionamento de uma realidade ilusória ou, ainda, as digressões sobre o tempo fazem da literatura borgiana um verdadeiro encontro com um mundo fabuloso e simbólico, onde a linguagem oferece infinitas possibilidades de leitura. Por essa razão, Jorge Luis Borges é um escritor acima do tempo. Um eterno, mesmo que contra a própria vontade.