Protestos enfrentaram forte repressão

O Nepal passou por intensas mobilizações nas últimas semanas. A população pobre das cidades foi às ruas em uma jornada revolucionária contra a ditadura monárquica que governa o paí­s por décadas.

O Nepal é um dos paí­ses mais pobres do planeta. Durante um longo perí­odo de sua história, foi comandado por ditaduras absolutistas. Em 1996 houve uma reforma no regime que se tornou constitucional, mas a reforma durou pouco e a ditadura monárquica voltou.

Em cenas que lembram o filme “Rainha Margot“, que, entre outras coisas, retrata as tramas, assassinatos e conspirações dos bastidores dos regimes absolutistas do século XXVI, em junho de 2001, o prí­ncipe Dipendra promoveu um massacre no palácio real, matou seus pais e primos e se matou. Após sua morte, seu tio Gyanendra, assumiu o trono.

Em junho de 2004, o novo monarca nomeou um primeiro-ministro que formou um governo de coalizão com outros quatro partidos. Oito meses mais tarde, dizendo-se “insatisfeito“, o rei Gyanendra dissolveu o Parlamento e declarou estado de emergência e prendeu lí­deres de partidos.

O monarca vinha governando o país sozinho desde 1º de fevereiro de 2005 e declarou que iria sufocar a guerrilha maoísta que luta nas áreas rurais do paí­s por mais de dez anos.

Revolução
Cansada dos abusos da monarquia, os trabalhadores do Nepal protagonizaram um massivo levante contra a monarquia, seus privilégios e a odiosa divisão da sociedade em castas sociais.

Um movimento chamado Aliança dos Sete Partidos (ASP), mais o Partido Comunista do Nepal (PCN) – cujo braço guerrilheiro (Exército de Libertação Nacional – ELN) luta contra o governo e controla algumas zonas rurais – também fizeram chamados à mobilização.

Contudo, a onda de protestos foi duramente reprimida pelos policiais e militares do Exército Real. Os números dão prova disso. Cerca de 15 pessoas foram mortas, mais de 5 mil ficaram feridas, muitas em conseqüência dos disparos da polí­cia e do Exército, nove pessoas estão desaparecidas e mais de mil estão presas.

Mesmo assim, as mobilizações colocaram a monarquia contra a parede. Até mesmo o imperialismo ianque e europeu admitiam que a `revolução`, assim chamada por eles, colocaria um ponto final ao regime. Tudo levava crer que a monarquia não duraria mais do que alguns dias, e que os protestos iriam recrudescer. Assim seria, não fosse a imensa traição ao movimento comandada pela ASP, pelo PC, e posteriormente, pela sua guerrilha maoísta.

Uma revolução traída
O fim das mobilizações deixou um amargo gosto dos lutadores que pretendiam derrubar o rei. Era o sabor da traição. O imperialismo pressionou a ASP e o PC, com a ajuda da vizinha Índia, e as organizações fizeram um acordo com o rei Gyanendra. O acordo assegurava o retorno do Parlamento, a nomeação de um primeiro-ministro, mas preservava a monarquia, que passaria a ser `decorativa`.

Num primeiro momento, a guerrilha maoísta se posicionou contrariamente ao acordo, dizendo que ele era um “erro histórico“, uma vez que não acabaria com a monarquia e nem tocaria na coluna vertebral do regime real: o Exército Real do Nepal. Tais críticas eram absolutamente corretas.

Todavia, a guerrilha maoí­sta, pressionada pelo PC, acabou aceitando o acordo, desbloqueou rodovias e decretou o cessar fogo.

A traição do PC só pode ser explicada se entendermos a sua orientação estratégica política. Nem o PC, nem sua guerrilha tem como objetivo avançar numa luta que caminhe em direção a revolução socialista. Seu objetivo é substituir o atual regime despótico por um regime democrático-burguês cujo centro polí­tico deve ser o Parlamento, ainda que preserve o trono real. Faz isso porque teme perder aliados entre os partidos burgueses que temem a ação das massas e o significado, para estas, da derrubada da monarquia pela mobilização.

Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo, o principal dirigente do PC, Madhav Kumar Nepal, explica os limitados objetivos de seu partido. Na entrevista, um surpreendido jornalista perguntou: “O rei Gyanendra prendeu você em várias ocasiões, mas ao final, quando vocês e seus aliados tinham em suas mãos a possibilidade de derrubá-lo, ofereceram a oportunidade para ele salvar o seu trono. Por que?“ Kumar responde: ” Não tenho uma mentalidade de vingança e não creio que essa seja a atitude que resolva nossos problemas. Devemos recuperar as instituições e evitar a anarquia para sanar o país. Isto não quer dizer que a luta terminou. Há forças retrógradas dentro do Estado que querem levar a sociedade ao passado e vamos combatê-las para avançar até a democracia“.

Quer dizer, para o chefe do PC o sentido das jornadas revolucionárias de abril – que, diga-se de passagem, em poucas semanas geraram transformações políticas muito mais importantes do que os 10 anos de guerrilha – é a reconstrução de um Estado burguês e da suas instituições como as Forças Armadas e o Parlamento! Para ele, a queda da monarquia pela ação das massas significaria jogar o país na anarquia!

Mas o chefe do PC vai além, e defende o desarmamento da guerrilha e sua integração “a via política e ao Exército“. Além de ser uma tremenda capitulação frente ao partidos burgueses da ASP, o acordo dá a possibilidade de a monarquia recuperar o fôlego e voltar a atacar. A própria guerrilha, como vimos acima, alertou corretamente que o Exército, a espinha dorsal do regime, permanece intacto. Essa contra-ofensiva seria facilitada ainda mais caso a guerrilha caia na armadilha de depôr suas armas.

A estratégia do PC do Nepal não é nenhuma novidade. Ela está de acordo com um dos pilares fundamentais da polí­tica maoísta/ stalinista: a revolução por etapas. De acordo com essa concepção, para se chegar à revolução socialista é preciso antes passar pela `primeira etapa`, ou seja, fazer uma revolução democrática aliada à burguesia e seus partidos. Tal concepção promoveu ao longo da história os maiores desastres revolucionários já vistos. Tragédias que podem se repetir agora neste pequeno país.

Apesar das traições, a luta do povo nepalês está longe de terminar. O novo regime, completamente subordinado ao imperialismo, não poderá solucionar os problemas objetivos da população e nem contemplar suas reivindicações mí­nimas. Por outro lado, uma tentativa do rei voltar a impor uma ditadura ao paí­s provocará um recrudescimento da luta no país.

Os trabalhadores do Nepal não devem depositar nenhuma confiança ao novo governo. É fundamental que o povo do Nepal continue suas mobilizações. É preciso também se preparar para futuros golpes da monarquia contra o povo, construindo organismos permanentes de luta e preparando a sua auto-defesa contra possí­veis agressões da monarquia e das Forças Armadas.