No dia 30 de julho, aconteceu a Parada do Orgulho GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) do Rio de Janeiro, na qual esteve presente a candidata pela Frente de Esquerda, a senadora Heloísa Helena.

Ao subir no carro de som, usando uma camiseta do PSOL com um arco-íris, Heloísa foi ovacionada pelos participantes, afirmando ser contra a homofobia e a favor do direito de herança para os casais homossexuais.

Mas, lamentavelmente, na polêmica questão sobre a parceria civil para GLBT´s, nossa candidata à presidência fez uma “ressalva” com a qual não podemos concordar: “Casamento e matrimônio é outra coisa, que expressa uma concepção religiosa” disse Heloísa Helena.

Para nós do PSTU essa não é uma questão menor, e tampouco pode passar desapercebida. Principalmente, porque, assim como na questão do aborto, a postura de Heloísa confunde uma reivindicação histórica e justa do movimento GLBT – a parceria civil – com um discurso religioso que nada tem a ver com nossa luta.

Uma postura que, inclusive, dá abertura para que setores da imprensa, como a revista “Carta Capital“, lancem questionamentos sobre a real posição de Heloísa e da Frente em relação aos direitos da comunidade GLBT.

Em sua edição de 2 de agosto, a revista deu destaque para um lamentável episódio no qual Heloísa, em 1996 – quando disputava a prefeitura de Maceió pelo PT -, processou sua adversária, Kátia Born (PSB), cuja homossexualidade é pública, por sua “vida sexual atípica”. Fato pelo qual Heloísa, é importante destacar, se desculpou publicamente, alguns anos depois.

O que queremos são direitos
Devemos deixar claro que nossa posição é radicalmente distinta de Heloisa Helena. Em primeiro lugar, o que está em discussão não é “casamento” nem matrimônio. De fato, o casamento, nos moldes tradicionais, é uma instituição conservadora, patriarcal e, via de regra, não passa de um contrato de propriedade sobre o corpo, regulamentado pelo Estado e pelas Igrejas.

Nada disso nos serve como modelo. Nem para relações heterossexuais nem homossexuais, que no nosso entender devem basear-se única e exclusivamente na disposição pessoal de se construir, de forma saudável e prazerosa, uma vida em comum.

Muito menos acreditamos que a parceria civil tem qualquer coisa a ver com concepções religiosas. Por isso a defendemos de forma incondicional. Mais ainda: reivindicamos que os casais homossexuais tenham todos os direitos que os casais heterossexuais possuem.

Queremos direitos previdenciários, inclusão em planos de saúde, direito de adoção e todo o resto (inclusive o direito de que cada um celebre sua união da forma que bem entender).

O fundamental é que, para nós do PSTU, essa questão deve ser tratada não nos marcos religiosos, mas em termos políticos bastante concretos, deixando claro que cada posição possui resultados reais, servindo sempre a interesses de grupos ou classes.
Assim, por exemplo, por trás da cortina de fumaça dos argumentos religiosos e moralistas, é preciso responder ao menos a uma questão: Quem ganha e quem perde com a parceria civil?

Parceria civil e os interesses de classe
Não é preciso muita argumentação para constatar que há nítidos interesses de classe nesta história. Em primeiro lugar, para a maioria dos casais homossexuais da elite, a questão da parceria não chega a ser uma “necessidade”, já que sua posição sócio-econômica lhes permite viver em uma situação muito mais cômoda.

Além disso, e acima de tudo, há aspectos puramente econômicos. Setores burgueses vinculados aos planos de saúde – que fazem da doença e do sofrimento uma indústria muito lucrativa e têm um poderoso lobby em Brasília -, por exemplo, iriam “perder” muito dinheiro, na medida em que precisariam estender sua cobertura para um número maior de pessoas. O Estado também teria que incorporar mais pessoas no sistema de previdência, que funciona no limite de gastos devido aos recursos desviados para o pagamento da dívida externa e interna.

Por fim, o próprio “mercado GLBT” existente hoje – que controla e financia paradas milionárias, como a de São Paulo, e aprendeu a fazer da opressão, do preconceito e dos guetos gays um negócio altamente promissor – perderia com as conquistas GLBT, pois os oprimidos dependeriam menos deste mercado “cor-de-rosa” (como ficou lamentavelmente conhecido), que é ultra caro e restrito.

Quais homossexuais realmente poderiam ganhar algo com a parceria civil? Principalmente os jovens, os trabalhadores e aqueles que se encontram nas periferias, que, então, poderiam ter acesso, no mínimo, a direitos que os demais trabalhadores heterossexuais já adquiriram.

Além disso, é um gigantesco equívoco vincular qualquer discussão sobre a homossexualidade e nossos direitos a argumentos religiosos, familiares e morais. Tais argumentos sempre formaram e ainda formam a base mais freqüente para o preconceito, a opressão e a homofobia: das fogueiras da Inquisição aos constantes decretos do Vaticano atacando os homossexuais.

A fé é uma questão de foro íntimo, mas ao se afirmar que família é sagrada, que casamento é sagrado, todo um universo da vida social, e com ele seus direitos, fica inacessível aos gays e lésbicas (tidos como “impuros”, “maculados” etc).

Organizar a luta por direitos incondicionais
Visto desse modo, é possível destacar o caráter classista das reivindicações do movimento gay que queremos construir. Logo, abrir mão dessas reivindicações é atender aos interesses, não só morais, mas econômicos, das classes dominantes em detrimento de trabalhadores gays e lésbicas.

Para se somar a luta dos homossexuais de maneira séria e responsável, não basta limitar-se a frases de efeito em dias de festa, é necessário assumir as conseqüências concretas dessa luta, tendo claro que existem aliados a serem buscados e inimigos a serem desmascarados e combatidos.

Qualquer dubiedade sobre o apoio à parceria civil – o “meio apoio” e suas variantes – só pode leva a desarmar o movimento GLBT, alimentando ilusões em falsos avanços, baseados em vitórias meramente “simbólicas”, que não questionam de maneira concreta o status quo nem representam nenhuma garantia de ganho real.

Um importante exemplo de como travar essa luta foi dado pela Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), que começa a impulsionar o debate e as reivindicações dos GLBT´s no seio do movimento sindical, estudantil e popular, na tentativa de vincular os movimentos de luta contra a opressão – seja ela a homofóbica, a racista ou a machista -, tradicionalmente separados das lutas cotidianas dos trabalhadores, a uma perspectiva de mudança global da sociedade.

Este, também, deve ser o papel da Frente de Esquerda e de sua campanha. Não é possível se esquivar deste debate. Diante da opressão tudo o que é dito tem conseqüências concretas que favorecem ou o oprimido ou o opressor. Não existe mediação.

Por isso tudo, entendemos que é preciso tomar partido. Posições pouco claras ou vacilantes só favorecem o lado mais forte, a classe dominante. Neste sentido, assim como aconteceu no episódio com Kátia Born, é preciso que Heloísa Helena explicite, com total clareza, seu apoio à luta contra a homofobia – e, consequentemente, a defesa incondicional da parceria civil – como parte do projeto que a Frente se propõe a construir: a luta por uma outra sociedade, pautada pela igualdade, respeito e pelo fim da exploração.
Uma sociedade que, para nós do PSTU, só pode ser socialista.