Domingo, 14 de dezembro de 2003.

Graças a Deus Saddam está finalmente de volta às mãos americanas! Ele deve ter tido muita saudade da gente. Cara, como a aparência dele era horrível! Mas, pelo menos, ele conseguiu um exame odontológico gratuito. Isso é algo que não está disponível para a maioria dos americanos.

Os EUA costumavam gostar de Saddam. Nós AMÁVAMOS Saddam. Nós demos dinheiro a ele. Nós demos armas a ele. Nós o ajudamos a usar armas químicas contra soldados iranianos.

Mas aí ele meteu os pés pelas mãos. Invadiu a ditadura do Kuait. E fez a pior coisa possível. Ameaçou um amigo nosso ainda MELHOR: a ditadura da Arábia Saudita e suas vastas reservas petrolíferas. Os Bushes e a família real saudita eram e ainda são íntimos parceiros em negócios.

Saddam costumava ser nosso bom amigo e aliado. Demos apoio ao seu regime. Não foi a primeira vez em que ajudamos um assassino. Nós gostávamos de brincar de dr. Frankenstein. Criamos uma porção de monstros -o xá do Irã, Somoza, na Nicarágua, Pinochet, no Chile- e depois demonstramos ignorância ou choque quando eles saem de controle e massacram pessoas.

Gostávamos de Saddam porque ele estava disposto a combater o aiatolá. Então garantimos que ele conseguisse bilhões de dólares para comprar armas. Armas de destruição em massa. É isso mesmo, ele as tinha. E nós deveríamos saber bem. Nós as demos para ele!

Permitimos e encorajamos empresas americanas a fazer negócios com Saddam nos anos 80. Foi como ele conseguiu compostos químicos e biológicos para usar em armas. Eis aqui uma lista de parte das coisas que demos para ele (de acordo com um relatório de 1994 do Senado americano):

– Bacillus anthracis, causa do antraz.
– Clostridium botulinum, uma fonte de toxinas de botulismo.
– Histoplasma capsulatam, que provoca uma doença que ataca pulmões, cérebro, medula espinhal e coração.
– Brucella melitensis, uma bactéria que pode causar danos nos principais órgãos.
– Clostridium perfringens, uma bactéria altamente tóxica que provoca doença generalizada.
– Clostridium tetani, uma substância altamente tóxica.
E aqui estão algumas das empresas americanas que incentivaram Saddam ao fazer negócios com ele: AT&T, Bechtel, Caterpillar, Dow Chemical, Dupont, Kodak, Hewlett-Packard e IBM.

Nós éramos tão chegados ao velho e bom Saddam que decidimos dar a ele imagens de satélite para que localizasse tropas iranianas. Nós tínhamos uma boa idéia de como ele iria usar essa informação, e, sem nenhuma surpresa, assim que lhe demos as fotos, ele jogou gás venenoso nos soldados. E ficamos em silêncio. Porque ele era nosso amigo, e os iranianos, nossos “inimigos“.

Mais tarde, ele usou o gás contra seu próprio povo, os curdos. Você poderia imaginar que isso nos forçaria a romper relações. O Congresso tentou impor sanções econômicas a Saddam, mas a administração Reagan rejeitou essa idéia rapidamente. Fomos para a cama com esse Frankenstein que nós mesmos (em parte) criamos.
E, exatamente como o mitológico Frankenstein, chegou uma hora em que Saddam saiu de controle. Ele não mais fazia o que seu mestre lhe ordenava. Saddam precisava ser pego. E agora que está domado, talvez tenha algo a dizer sobre seus criadores. Talvez possamos ouvir coisas… interessantes. Talvez Don Rumsfeld possa sorrir e apertar a mão de Saddam novamente. Exatamente como fez em 1983.

Talvez jamais estivéssemos na situação atual se Rumsfeld, Bush pai e companhia não estivessem tão animados nos anos 80 com seu monstro amigo no deserto.
Enquanto isso, alguém sabe onde está o cara que matou 3.000 pessoas no 11 de Setembro? Nosso outro Frankenstein? Talvez ele esteja em uma ratoeira.

Tantos de nossos pequenos monstros e tão pouco tempo antes da próxima eleição…
Fiquem firmes, candidatos democratas. Parem de soar como um bando de bananas. Aqueles bastardos nos mandaram para a guerra com uma mentira, a matança não vai parar, o mundo árabe nos odeia intensamente, e vamos ter de abrir os bolsos para pagar por isso por muitos anos. Nada do que aconteceu hoje (ou nos últimos nove meses) nos deixou um TIQUINHO mais seguros neste mundo pós-11 de Setembro. Saddam jamais foi uma ameaça à nossa segurança nacional.

A única coisa que nos ameaça é o desejo de brincarmos de dr. Frankenstein.
Sinceramente,

Michael Moore, 49, é cineasta e ativista político, autor do documentário “Tiros em Columbine“ e do livro “Stupid White Men – Uma Nação de Idiotas“.

Este artigo foi originalmente publicado no site www.michaelmoore.com