Redação

(Nota: Nesta época todos os marxistas, socialistas e comunistas se chamavam de social-democratas)

O imperialismo, o socialismo e a libertação das nações oprimidas

O imperialismo é a fase superior do desenvolvimento do capitalismo. Nos países avançados, o capital ultrapassou os marcos dos estados nacionais e colocou ao monopólio no lugar da concorrência, criando todas as premissas objetivas para a realização do socialismo. Por isso, na Europa ocidental e nos Estados Unidos situa-se na ordem do dia a luta revolucionária do proletariado pela derrocada dos governos capitalistas e pela expropriação da burguesia. O imperialismo empurra as massas para esta luta ao agudizar em grau enorme as contradições de classe, ao piorar a situação das massas, tanto no sentido econômico -trustes, carestia- quanto no político: ascenso do militarismo, maior frequência das guerras, recrudescimento da reação, afiançamento e alargamento da opressão nacional e da rapina colonialista. O socialismo vitorioso deve necessariamente realizar a democracia total; por conseguinte, não só tem que pôr em prática a absoluta igualdade de direitos entre as nações, mas também realizar o direito das nações oprimidas à sua autodeterminação, quer dizer, o direito à livre separação política. Os partidos socialistas que não demonstrarem em toda a sua atividade, não só agora mas também durante e depois da revolução, serem capazes de libertar as nações avassaladas e construir relações com as mesmas sobre a base de uma união livre – e uma união livre, sem liberdade de separação, é uma frase mentirosa -, esses partidos cometeriam uma traição ao socialismo.

Evidentemente, está claro que a democracia também é uma forma de Estado que deverá desaparecer quando desapareça o Estado, mas isso só ocorrerá quando se produzir a transição do socialismo, definitivamente vitorioso e consolidado, ao comunismo completo.

A revolução socialista e a luta pela democracia

A revolução socialista não é um ato único, nem uma batalha numa frente isolada, mas toda uma época de agudos conflitos de classes, uma longa série de batalhas em todas as frentes, quer dizer, em todos os problemas da economia e da política, batalhas que só podem culminar com a expropriação da burguesia. Seria errado por completo pensar que a luta pela democracia possa distrair o proletariado da revolução socialista, ou relegá-la, adiá-la, etc… Ao contrário, assim como é impossível um socialismo vitorioso que não realize a democracia total, tambem é impossível que se prepare para a vitória sobre a burguesia um proletariado que não sustente uma luta revolucionária geral e consequente pela democracia.

Não menos errado seria eliminar um dos pontos do programa democrático, por exemplo, o direito das nações à sua autodeterminação, fundando-se em que é aparentemente “irrealizável” ou “ilusório” sob o imperialismo. A afirmação de que o direito das nações à autodeterminação é irrealizável dentro dos limites do capitalismo pode interpretar-se num sentido absoluto, econômico, ou num sentido condicional, político.

No primeiro caso, esta afirmação é radicalmente errada do ponto de vista teórico. Em primeiro lugar, nesse sentido são irrealizáveis sob o capitalismo, por exemplo, a moeda-trabalho ou a supressão das crises, etc… Mas é em todo sentido inexato que a autodeterminação das nações seja igualmente irrealizável. Em segundo lugar, o mesmo exemplo de se ter separado a Noruega da Suécia em 1905 chega para refutar a “irrealizabilidade” nesse sentido. Em terceiro lugar, seria ridículo negar que com uma pequena modificação nas relações mútuas, políticas e estratégicas, entre a Alemanha e a Inglaterra, por exemplo, hoje ou amanhã poderia ser perfeitamente “realizável” a formação dum novo Estado polaco, hindu, etc… Em quarto lugar, o capital financeiro, na sua tendência à expansão, pode “livremente” comprar e subornar o mais livre governo democrático e republicano, e os funcionários eleitos de qualquer país, ainda que seja “independente”. O domínio do capital financeiro, o mesmo que do capital em geral, não pode ser eliminado com nenhuma transformação na esfera da democracia política, e a autodeterminação pertence inteira e exclusivamente a esta esfera. Mas o domínio do capital financeiro não destrói em absoluto a significação da democracia política como a forma mais livre, mais ampla e mais clara da opressão classista e da luta de classes. Portanto, toda argumentação sobre o “irrealizável”, no sentido econômico, de uma das reivindicações da democracia política sob o capitalismo, não é mais do que uma definição teoricamente inexata das relações gerais e básicas entre o capitalismo e a democracia política em geral.

No segundo caso, esta afirmação é incompleta e inexata. Pois não só o direito das nações à autodeterminação, mas todas as reivindicações fundamentais da democracia política são “realizáveis” sob o imperialismo apenas de forma incompleta, deformada e como rara exceção (por exemplo, quando a Noruega se separou da Suécia em 1905). A reivindicação de imediata libertação das colónias, que formulam todos os socialdemocratas revolucionários, é também “irrealizável” sob o capitalismo sem uma série de revoluções. Mas o que se infere disso não é em modo algum a renúncia da socialdemocracia à luta imediata e decidida por todas estas reivindicações -tal renúncia teria sido só vantajosa para a burguesia e a reação-, mas justamente o contrário, a necessidade de formular e pôr em prática estas demandas, não à maneira reformista, mas ao modo revolucionário; não deixar-se constranger pelos marcos da legalidade burguesa, mas rompendo-os; não sentir-se satisfeitos com as intervenções parlamentares e os protestos verbais, mas atrair as massas para a luta ativa, ampliando e avivando a luta por toda demanda democrática fundamental, até o direto ataque do proletariado contra a burguesia, quer dizer, até a revolução socialista que expropria a burguesia. A revolução socialista pode estourar, não só a raiz duma grande greve ou manifestações na rua, ou um motim de famintos, ou uma insurreição militar, ou um levantamento colonial, mas também a consequência de qualquer crise política, como por exemplo o caso Dreyfus, ou o incidente de Saverne, ou de um referendo com motivo  da separação   duma    nação   oprimida,          etc… O recrudescimento da opressão nacional sob o imperialismo exige à socialdemocracia, não que renuncie à luta -“utópica”, ao dizer da burguesia- pela liberdade de separação das nações, mas, ao contrário, que empregue mais intensamente os conflitos que surgem também neste terreno, como motivo para a ação das massas e para os atos revolucionários contra a burguesia.

O significado  do  direito  à  autodeterminação  e  a  sua  relação  com  a  federação

O direito das nações à autodeterminação significa exclusivamente o seu direito à independência no sentido político, o direito à livre separação política a respeito da nação que a oprime. Em termos concretos, esta reivindicação da democracia política significa uma liberdade total de propaganda pela separação, e a solução desse problema mediante um referendo na nação que se separa. De modo que esta reivindicação não equivale em absoluto à de separação, fragmentação e formação de pequenos Estados.

Significa só uma manifestação consequente da luta contra toda opressão nacional. Quanto mais próximo o regime democrático de um Estado à plena liberdade de separação, tanto mais infrequentes e fracas serão na prática as tendências à separação, pois as vantagens dos Estados grandes são indubitáveis, quer do ponto de vista do progresso econômico, como dos interesses das massas e, além disso, estas vantagens aumentam continuamente com o crescimento do capitalismo. O reconhecimento da autodeterminação não é equivalente ao reconhecimento da federação como princípio.

Pode-se ser um inimigo decidido deste princípio e partidário do centralismo democrático, mas preferir a federação à desigualdade nacional, vendo naquela o único caminho para o centralismo democrático pleno. Precisamente deste ponto de vista, Marx, sendo centralista, preferia inclusive a federação da Irlanda e a Inglaterra, ao invés da submissão forçada da Irlanda aos ingleses.

O objetivo do socialismo não é só eliminar o fracionamento da humanidade em pequenos Estados e todo isolamento das nações, não é só a aproximação mútua das nações, mas também a fusão destas. E para alcançar esta finalidade devemos, por uma parte, explicar às massas a natureza reacionária da ideia de Renner e O. Bauer sobre a assim chamada “autonomia cultural nacional” e, por outra parte, exigir a libertação das nações oprimidas, não em difusas frases gerais, não em declamações desprovidas de conteúdo, não “postergando” o problemas até o socialismo, mas num programa político formulado com claridade e precisão, que tenha em conta muito especialmente a hipocrisia e covardia dos socialistas das nações opressoras. Do mesmo modo que a humanidade pode chegar à supressão das classes só através do período de transição da ditadura da classe oprimida, assim também pode chegar à inevitável fusão das nações só a través do período de transição da total libertação das nações oprimidas, quer dizer, da sua liberdade de separação.

A abordagem revolucionária do proletariado diante do problema da autodeterminação das nações

Tanto a reivindicação de autodeterminação das nações, como todos os pontos do nosso programa mínimo democrático foram colocados anteriormente, já nos séculos XVII e XVIII, pela pequena burguesia. E até estes momentos, a pequena burguesia continua a colocar todos esses pontos, de forma utópica, sem ver a luta de classes e sua intensificação com a democracia, e confiando no capitalismo “pacífico”. Precisamente assim é a utopia duma pacífica união de nações equiparadas em direitos sob o imperialismo, utopia que engana povo e que os kautskistas defendem. Em oposição a esta utopia pequeno burguesa, oportunista, o programa da socialdemocracia deve postular a divisão das nações em opressoras e oprimidas, como um fato essencial, fundamental e inevitável sob o imperialismo.

O proletariado das nações opressoras não pode limitar-se a pronunciar frases gerais e estereotipadas, contra as anexações e pela igualdade de direitos das nações em geral, frases que qualquer burguês pacifista repete. O proletariado não pode silenciar o problema, particularmente “desagradável” para a burguesia imperialista, relativo às fronteiras de um Estado baseado na opressão nacional. O proletariado não pode deixar de lutar contra a manutenção pela força das nações oprimidas dentro das fronteiras de um Estado determinado, e isso equivale justamente a lutar pelo direito à autodeterminação.

Deve exigir a liberdade de separação política das colônias e nações que a “sua” nação oprime. Em caso contrário, o internacionalismo do proletariado será vazio e de palavra; nem a confiança, nem a solidariedade de classe entre os operários da nação oprimida e opressora seriam possíveis; ficaria sem desmascarar a hipocrisia dos defensores reformistas e kautskistas da autodeterminação, que nada dizem das nações que a “sua própria” nação oprime e retém pela força no “seu próprio” Estado.

Por outra parte, os socialistas das nações oprimidas devem defender e pôr em prática com especial empenho a unidade completa e incondicional, incluindo nisso a unidade organizativa, dos operários da nação oprimida com os da nação opressora. Sem isso não é possível defender a política independente do proletariado e a sua solidariedade de classe com o proletariado de outros países, em vista de todos os enganos, traições e fraudes da burguesia. Pois a burguesia das nações oprimidas sempre transforma as palavras de ordem de libertação nacional em engano aos operários: na política interna utiliza estas palavras de ordem para os acordos reacionários com a burguesia das nações dominadoras (por exemplo, os polacos da Áustria e Rússia, que entram em alianças com a reação para oprimir os judeus e ucranianos); na política exterior, trata de conseguir acordos com uma das potências imperialistas rivais, para realizar os seus fins de rapina (a política dos pequenos países dos Balcãs, etc.)

A circunstância de que a luta pela liberdade nacional contra uma potência imperialista poda ser aproveitada, em determinadas condições, por outra “grande” potência em benefício das suas finalidades, igualmente imperialistas, não pode obrigar à socialdemocracia a renunciar ao reconhecimento do direito das nações à autodeterminação, da mesma maneira que os repetidos casos em que a burguesia utiliza as palavras de ordem republicanas com fins de engano político e rapina financeira, como por exemplo em países românicos, não podem obrigar os socialdemocratas a renunciar ao seu republicanismo.

Marxismo e proudhonismo no problema nacional

Em contraposição aos democratas pequeno burgueses, Marx via em todas as reivindicações democráticas sem exceção, não um fato absoluto, mas a expressão histórica da luta das massas populares, dirigidas pela burguesia, contra o feudalismo. Não há uma só destas reivindicações que não pudesse servir, e que não servisse em certas circunstâncias, de instrumento de engano dos operários por parte da burguesia. Destacar neste sentido uma das reivindicações da democracia política, quer dizer, a autodeterminação das nações, para contrapô-la às demais, é radicalmente falso do ponto de vista teórico. Na prática, o proletariado só pode conservar a sua independência subordinando a sua luta por todas as reivindicações democráticas- sem excluir a  da república- na sua luta revolucionária pela derrocada da burguesia.

Por outra parte, em contraposição aos proudhonianos, que “negavam” o problema nacional “em nome da revolução social”, Marx, tendo em vista mais que nada os interesses da luta de classe do proletariado dos países avançados, salientava num primeiro plano o princípio fundamental do internacionalismo e do socialismo: não pode ser livre um povo que oprime outros povos. Precisamente do ponto de vista dos interesses do movimento revolucionário dos operários alemães, Marx exigia em 1848 que a democracia vitoriosa da Alemanha proclamasse e realizasse a liberdade dos povos oprimidos pelos alemães.

Precisamente do ponto de vista da luta revolucionária dos operários ingleses, Marx exigia em 1869 que se separasse a Irlanda da Inglaterra, acrescentando: “ainda que depois da separação se chegasse à federação”. Só colocando semelhante reivindicação, Marx educava de verdade os operários ingleses num espírito internacionalista. Só assim Marx pôde opor a solução revolucionária desse problema histórico aos oportunistas e ao reformismo burguês, que até hoje, meio século mais tarde, ainda não realizou a “reforma” irlandesa. Só assim, em oposição  aos apologistas do capital, que vociferam sobre o caráter utópico e irrealizável da liberdade de separação das pequenas nações e sobre o caráter progressista da concentração tanto econômica quanto politicamente, pode Marx defender de modo não imperialista o caráter progressivo deste concentração, defender a aproximação mútua das nações, não sobre uma base de força, mas sobre a base da livre união dos proletários de todos os países. Só assim pôde Marx contrapor ao reconhecimento retórico e frequentemente hipócrita da igualdade de direitos e da autodeterminação das nações, a ação revolucionária das massas também para a solução dos problemas nacionais. A guerra imperialista de 1914-1916 e os estábulos de Áugias da hipocrisia oportunista e kautskista, que esta guerra pôs de manifesto, confirmaram palpavelmente a justeza da política de Marx, que deve converter-se em exemplo para todos os países adiantados, pois na atualidade cada um deles oprime outras nações.

Três tipos de países no terreno da autodeterminação das nações

Neste aspecto, é necessário distinguir três tipos principais de países:

Em primeiro lugar, os países capitalistas avançados da Europa ocidental e Estados Unidos. Os movimentos nacionais burguês-progressistas terminaram nestes há muito tempo. Cada uma destas “grandes” nações oprime outras nas colónias e dentro do país. As tarefas do proletariado das nações dominantes são exatamente iguais às que teve o proletariado de Inglaterra no século XIX a respeito da Irlanda (10).

Em segundo lugar, o leste da Europa: a Áustria, os Balcãs e, em especial, a Rússia. Aqui, o século XX imprimiu um particular desenvolvimento aos movimentos nacionais democrático-burgueses, e agudizou a luta nacional. As tarefas do proletariado destes países, tanto no tocante à culminação da sua transformação democrático-burguesa quanto no que se refere à ajuda à revolução socialista doutros países, não podem ser cumpridas sem defender o direito das nações à autodeterminação. Aqui é particularmente difícil e importante a tarefa de fundir a luta de classe dos operários das nações opressoras e oprimidas.

Em terceiro lugar, os países semicoloniais, como a China, a Pérsia, a Turquia e todas as colônias; ao todo, cerca de 1 bilhão de habitantes. Aqui os movimentos democrático-burgueses, em parte mal se acham no seu começo e em parte estão longe de ter concluído. Os socialistas devem exigir não só uma incondicional e imediata libertações sem indenizações das colônias -e essa exigência, na sua expressão política, não significa outra coisa que o reconhecimento do direito à autodeterminação-; os socialistas devem apoiar da maneira mais decidida os elementos mais revolucionários dos movimentos de libertação nacional democrático-burgueses destes países e ajudar a sua rebelião -e se se der o caso, também a sua guerra revolucionária- contra as potências imperialistas que os oprimem.

O socialchauvinismo e a autodeterminação das nações

A época imperialista e a guerra de 1914-1916 fizeram com que adquirisse especial relevo a tarefa de lutar contra o chauvinismo e o nacionalismo nos países avançados. No problema da autodeterminação distinguem-se duas matizes principais entre os socialchauvinistas, quer dizer, os oportunistas e os kaustkistas, que embelezam a guerra imperialista reacionária, aplicando-lhe o conceito “a defesa da pátria”.

De uma parte, vemos os servos declarados da burguesia, que defendem as anexações alegando que o imperialismo e a concentração política são progressistas, e negando o direito à autodeterminação, qualificando-os de utópico, ilusório, pequeno-burguês, etc..

Entre eles figuram Cunow, Parvus e os ultraoportunistas da Alemanha, uma parte dos fabianos e dos líderes tradeunionistas da Inglaterra, os oportunistas da Rússia: Siemkovski, Libman, Iurkiévich, etc.

De outra parte, vemos os kautskistas, entre os que se contam Vandervelde, Renaudel e muitos pacifistas da Inglaterra e a França. Eles estão pela unidade com os anteriormente mencionados, e na prática coincidem por completo com estes, ao defender o direito à autodeterminação de um modo puramente retórico e hipócrita: consideram “excessiva” (zu viel verlangf: Kautsky em Neue Zeit de 21 de Maio de 1915), a reivindicação da liberdade de separação política, não sustentam a necessidade da tática revolucionária dos socialistas das nações opressoras, mas, pelo contrário, ocultam as suas obrigações revolucionárias, justificam o seu oportunismo, facilitam o seu engano ao povo, eludem os problemas das fronteiras dum Estado que retém pela força sob o seu domínio a nações privadas de direitos, etc…

Tanto uns como outros são oportunistas que prostituem o marxismo, tendo perdido toda capacidade para compreender a significação teórica e a urgência prática da tática que Marx explicou com o exemplo da Irlanda.

Quanto às anexações em particular, este problema adquiriu uma especial atualidade a raiz da guerra. Mas, o que é uma anexação? É fácil advertir que o protesto contra as anexações, ou bem se resume no reconhecimento da autodeterminação das nações, ou se baseia numa fraseologia pacifista, que defende o status quo e se opõem a toda violência, inclusive revolucionária. Semelhante fraseologia é fundamentalmente falsa e incompatível com o marxismo.

A tarefas concretas do proletariado no futuro imediato

A revolução socialista pode começar no futuro mais próximo. Neste caso, se apresentará ao proletariado a tarefa imediata da conquista do Poder, a expropriação dos bancos e a realização de outras medidas ditatoriais. A burguesia -e em especial modo a intelectualidade de tipo fabiano e kautskista- procurará nesse momento dividir e frear a revolução, impondo-lhe objetivos democráticos, limitados. Todas as demandas puramente democráticas, em condições de um ataque já iniciado do proletariado contra os fundamentos do poder burguês, podem desempenhar em certo sentido o papel de obstáculo para a revolução; mas a necessidade de proclamar e realizar a liberdade de todos os povos oprimidos (quer dizer, o seu direito de autodeterminação), será tão urgente na revolução socialista como o foi para a vitória da revolução democrático- burguesa, por exemplo, na Alemanha em 1848, ou na Rússia em 1905.

Porém, é possível que antes do começo da revolução socialista passem 5, 10 ou mais anos. Então, a tarefa por realizar será a educação revolucionária das massas num sentido tal que faça impossível a permanência no partido operário de socialistas-chauvinistas e oportunistas, e impeça a sua vitória, semelhante à vitória de 1914-1916. Os socialistas deverão explicar às massas que os socialistas ingleses -que não exigem a liberdade de separação das colônias e da Irlanda-, os socialistas alemães -que não exigem a liberdade de separação para as colônias-, os alsacianos, dinamarqueses e polacos -que não estendem a imediata propaganda revolucionária e a ação revolucionária de massas à esfera da luta contra a opressão nacional, que não aproveitam incidentes como o de Saverne para mais ampla propaganda ilegal no proletariado da nação opressora, para organizar manifestações na rua e atos revolucionários de massas-; os socialistas russos -os que não exigem a liberdade de separação da Finlândia, Polónia, Ucrânia, etc.-, comportam-se como chauvinistas, como lacaios, cobertos de sangue e lama, das monarquias imperialistas e a burguesia imperialista.

Atitude da socialdemocracia russa e polaca, e da II Internacional, frente à autodeterminação das nações

As divergências entre os socialdemocratas revolucionários da Rússia e os socialdemocratas polacos em torno do problema da autodeterminação manifestara-se já em 1903, no Congresso que aprovou o programa do POSDR e que, apesar do protesto da delegação socialdemocrata polaca, incluiu em dito programa o parágrafo 9, que reconhece o direito das nações à autodeterminação. Desde então, os socialdemocratas polacos nunca repetiram, em nome do seu Partido, a proposição de eliminar o parágrafo 9 do programa do nosso Partido, ou de substitui-lo por alguma outra formulação. Na Rússia, onde pertence às nações oprimidas não menos de 57% da população, mais de 100 milhões de pessoas; onde estas nações ocupam principalmente regiões periféricas; onde parte destas nações é mais culta que os grão-russos; onde o regime político se distingue pelo seu caráter particularmente bárbaro e medieval; onde ainda não se levou a termo a revolução democrático-burguesa, o reconhecimento do direito à livre separação da Rússia por parte das nações oprimidas pelo czarismo, é absolutamente obrigatório para os socialdemocratas, em nome dos seus objetivos democráticos e socialistas. O nosso Partido, reconstituído em janeiro de 1912, aprovou em 1913 uma resolução em que confirmou o direito à autodeterminação e explicou-a precisamente no sentido concreto que vimos de assinalar. A selvageria do chauvinismo grão-russo em 1914-1916, que operou tanto na burguesia como nos socialistas oportunistas (Rubanóvic, Plekhánov, Nashe Dielo, etc.), impulsam-nos mais ainda a insistir nesta exigência e a afirmar que aqueles que a negam servem de apoio na prática, ao chauvinismo grão-russo e ao tsarismo. O nosso Partido declara que declina rotundamente de toda responsabilidade por tais manifestações contra o direito à autodeterminação. A recente formulação da posição da socialdemocracia polaca no problema nacional (a declaração da socialdemocracia polaca na Conferência de Zimmerwald), contém as seguintes ideias:

Esta declaração estigmatiza o governo alemão e todos os demais que consideram as “regiões polacas” como uma garantia no próximo jogo das compensações, “privando o povo polaco da possibilidade de resolver por si próprio o seu destino”, “A socialdemocracia polaca protesta categórica e solenemente contra a divisão e o desmembramento de um país inteiro”,… Fustiga os socialistas que deixaram em mãos dos Hohenzollern… “a causa da libertação dos povos oprimidos”. Expressa a convicção de que só a participação na iminente luta do proletariado revolucionário internacional, a luta pelo socialismo, “quebrará as cadeias da opressão nacional, destruirá todas as formas da dominação estrangeira e assegurará ao povo polaco a possibilidade de um livre e amplo desenvolvimento em todos os aspectos, em qualidade de membro igual da união dos povos”. A declaração qualifica a guerra de “duplamente fratricida” “para os polacos”(Boletim da Comissão Socialista Internacional, núm. 2, pág. 15, 27 de setembro de 1915; a tradução russa apareceu na recopilação A Internacional e a guerra, pág. 97).

No fundo, estas teses não se diferenciam em nada do reconhecimento do direito das nações à autodeterminação, ainda que pecam de imprecisão e vaguidade das formulações políticas, maiores ainda que na maioria dos programas e resoluções da II Internacional. Qualquer tentativa de expressar estas ideias em formulações políticas precisas, e de determinar se são aplicáveis ao regime capitalista, ou só ao socialista, demostrará com a maior evidência o erro que cometem os socialdemocratas polacos ao negar a autodeterminação das nações.

A resolução do Congresso Socialista Internacional de Londres, de 1896, que reconhece o direito das nações à autodeterminação, deve completar-se, em base às teses expostas acima, com as seguintes indicações: 1) a importância especialda reivindicação abaixo o imperialismo; 2) o carácter convencionalismo político e o conteúdo classista de todas as reivindicações da democracia política, compreendida a reivindicação que nos ocupa; 3) a necessidade de diferenciar as tarefas concretas dos socialdemocratas das nações opressoras e os das nações oprimidas; 4) do reconhecimento inconsequente, puramente retórico e por tanto hipócrita na sua significação política, que fazem da autodeterminação os oportunistas e os kautskistas; 5) da coincidência real com os chauvinistas por parte daqueles socialdemocratas, particularmente os das grandes potências (os grão-russos, anglo-norteamericanos, alemães, franceses, italianos, japoneses, etc…), que não defendem a liberdade de separação das colônias e países oprimidos pela “sua” nação; 6) da necessidade de subordinar a luta por essa reivindicação, assim como a de todas as reivindicações fundamentais da democracia política, à justa luta revolucionária de massas pela derrocada dos governo burgueses e pela realização do socialismo.

Trasladar à Internacional o ponto de vista de algumas pequenas nações, e em especial dos socialdemocratas polacos, a quem a sua luta contra a burguesia polaca, que engana o povo com as palavras de ordem nacionalistas, levou a negar erroneamente a autodeterminação, teria sido um erro teórico, teria sido suplantar o marxismo pelo proudhonismo, e na prática equivaleria a um involuntário apoio ao mais perigoso chauvinismo e oportunismo das grandes potências.

A Redação de Sotsial-Demokrat, órgao central do P.O.S.D.R.

Poscriptum. Em Neue Zeit de 3 de Março de 1916, que vem de aparecer, Kautsky tende abertamente a mão cristã de conciliação ao representante do mais sujo chauvinismo alemão, Austerlitz, quando rejeita a liberdade de separação das nações oprimidas para a Áustria dos Habsburgo, mas admite-a para a Polónia russa, para brindar um serviço de lacaio a Hindenburg e Guilhermo II. Difícil seria desejar um modo melhor de auto desmascarar-se para o kautskismo!