Foto: Reprodução - Instagram
Hertz Dias

Membro da Secretaria de Negros do PSTU e vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha

“Pra quem anda dizendo que não gosto das mulheres negras. Puro preconceito, as donas da minha casa são negras e são mulheres de batalha e verdadeiras”.
(Abigail Cunha, deputada estadual pelo PL do Maranhão em postagem em foto ao lado de duas de suas empregadas domésticas negras)

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Ao tentar demostrar nas redes sociais que não é racista, expondo fotos com duas empregadas domésticas, que, antes de tudo, são duas mulheres pretas da classe trabalhadora, a deputada estadual Abigail Cunha (PL-MA) expôs o racismo que há mais de 500 anos está entranhado na cabeça e nas práticas cotidianas dessa gente. Essa atitude repugnante tem um significado histórico, mas expõe também a visão de mundo e um projeto de nação de uma representante de uma classe social reacionária, a burguesia brasileira. A descoberta de trabalho escravo nas vinícolas de Caxias do Sul-RS e o discurso do vereador Sandro Fantinel, do Patriotas, fazendo apologia a este tipo de trabalho, à xenofobia e ao racismo, na mesma semana em que Abigail Cunha fez sua postagem racista, expressa esse projeto que precisa ser derrotado.

No período colonial, os senhores de escravos do Brasil eram extremamente submissos à burguesia europeia. A maior parte do quinhão de todas as riquezas que os nossos antepassados produziam eram destinados à Europa, ficando aqui só as “migalhas”. Assim, para se ostentar enquanto elite e pagar as dívidas resultantes da sua submissão colonial, essa escravocracia explorava os escravizados até os limites das suas forças físicas. Apesar dessa submissão ou para desvirtuá-la, abusavam em exibir publicamente seus escravos, assim como as sinhazinhas, que expunham suas “amas-de- leite””, enquanto os filhos das escravas morriam subnutridos. Ter escravos no Brasil colonial era sinônimo de status e poder para uma classe social espremida entre a submissão à burguesia metropolitana e o medo das rebeliões das senzalas. O que mudou?

Amedrontada pelo fato de o Brasil ser o país mais negro fora do continente africano, pelas rebeliões coloniais e pelo resultado da Revolução Haitiana (1791 – 1804), em que os negros eliminaram a população de senhores de escravos, a burguesia brasileira teve que readequar seu projeto capitalista e racista a essa realidade, pós-abolição. Superexplorar, humilhar e exterminar o povo negro, tentando mostrar que não são racistas é parte do projeto de dominação dessa burguesia cínica. Quando acusados por suas práticas racistas, adoram expor seus “troféus negros”: Ora, eu tenho amigos negros, parentes negros, empregadas negras, já tive até namorada negra, como posso ser racista? Quem não lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) adorava falar em público ao lado do deputado federal Paulo Negrão, para “provar” que não era racista. Abigail Cunha não fugiu à regra, ela é parte da regra.

O próprio governador Carlos Brandão (PSB), candidato à reeleição em 2022, ao ser questionado sobre comunidades indígenas e quilombolas na sabatina em que participou no Portal Imirante respondeu que são “gente igual a gente” e que “a gente tem que conviver com eles”. Uma fala digna de repúdio.

A nomeação de Abigail Cunha para comandar a Secretaria de Mulheres demonstra o indisfarçável caráter opressor do atual governo do Maranhão. Um governo sem oposição parlamentar, como o próprio Brandão tem dito em suas entrevistas. E de fato é assim. Basta lembrar que no início do ano, a Assembleia Legislativa do Maranhão aprovou, em primeiro turno, o Projeto de Lei 558/2021 da deputada bolsonarista Mical Damasceno (PSD), o qual revogou o Projeto de Lei que obrigava estabelecimentos comerciais a fixar placas contra Lgbtfobia. Ainda em 2021, dizia a deputada empunhando a Bíblia “esta Bíblia, a palavra de Deus, só trata de dois gêneros: macho e fêmea. Como é que nós vamos aprovar Projetos de Lei que a gente não verifica se este livro sagrado convém?”.

Infelizmente, é com esse tipo de gente que o PT – que tem a vice-governadoria do Estado – e o PCdoB estão aliançados até a medula. Algo que, no mínimo, desmoraliza seus quadros que militam nos movimentos de luta contra as opressões.

É isso mesmo! Essa sinhazinha é a “Secretária da Mulher” de um governo que, contraditoriamente, conta com o apoio da maioria das entidades do movimento negro e do movimento de mulheres do Maranhão. É também base de apoio do governo Lula-Alckmin. A falácia de que essas alianças são para manter a governabilidade não vale um cibazol para quem sente arder na pele o ferro quente da opressão e da exploração cotidiana. É impossível ser coerente e consequente no combate às opressões, andando de mãos dadas com os opressores e os exploradores.

O governo Carlos Brandão reproduz em escala estadual aquilo que o governo de Bill Clinton (1993-2001 ) inaugurou em escala nacional nos Estados Unidos, que é criar secretarias de oprimidos (mulheres, negros, LGBTQI e latinos), não para reverter o quadro de opressões, mas para legitimar os seus ataques aos oprimidos da classe trabalhadora. Era pra isso que servia as, assim chamadas, “Secretarias Simbólicas”.

No caso do governo Brandão a coisa é mais escancarada. A preferência para ocupar a Secretaria da Mulher foi para essa parlamentar branca, burguesa e racista. Mas, também não criemos ilusões em relação às demais secretarias de combate às opressões deste governo. Basta apenas olharmos para os índices nacionais de pobreza, de fome, de desemprego e de casos de homicídios, que lá estarão os negros, as mulheres, as pessoas LGBTQI e os indígenas do Maranhão, ocupando os degraus de cima das listas. E não se trata de um governo que começou ontem, ele é continuidade do governo de Flávio Dino, iniciado em 2014, quando este ainda era do PCdoB.

Abigail Cunha (PL) deve ser julgada e cassada. Além da prática de racismo, ela cometeu quebra de decoro parlamentar. Está previsto na própria constituição burguesa que abuso de poder é uma das inflações que configura esse crime. Se não fosse o fato de ser patroa e parlamentar, certamente aquelas duas mulheres pretas jamais se deixariam expor daquela forma vexatória nas redes sociais, sendo usadas por uma racista, para dizer que não é racista. A elas e a todas as empregadas domésticas que se sentiram ultrajadas com aquela postagem, nosso mais profundo sentimento de solidariedade!

Porém, acreditamos que chegará um dia em que a revolução socialista varrerá este país de toda forma de opressão e exploração, e neste dia as mulheres pretas da classe trabalhadora se colocarão na crista deste processo que dará pontos finais às lutas que Acotirene, Dandara e Luíza Mahín não tiveram condições de concluir.