Conversas mostram senador pedindo cargo para namorado da netaO presidente do Senado, José Sarney, se enganou quando pensou que teria alívio no recesso parlamentar. Nem bem os congressistas deixaram Brasília e estourou a maior prova envolvendo Sarney com o nepotismo e a negociação de cargos no Senado. No dia 22 de julho, o jornal Estado de S. Paulo publicou o que seriam interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal. Nelas, Sarney surge negociando com o filho, o empresário Fernando Sarney, um cargo na Casa para o namorado de sua filha, Maria Beatriz.

As gravações, cujo áudio já está disponível na internet, parte da operação Boi Barrica da Polícia Federal, não deixam dúvidas. Em março de 2008 um assessor da presidência do Senado, neto de Sarney, resolveu deixar o cargo por ter encontrado um emprego melhor. Sua irmã, Maria Beatriz, ao saber da vaga aberta, entrou em contato com o pai a fim de que seu namorado passasse a receber o salário de R$ 2,7 mil. O empresário, por sua vez, negociou o cargo diretamente com o então diretor-geral do Senado, o todo-poderoso Agaciel Maia. Depois, ligou para Sarney a fim de confirmar a nomeação do rapaz.

Prova incontestável
“Pedi pro Agaciel segurar com ele. Agaciel tá com os dois currículos (do neto de Sarney e do namorado de sua neta) na mão dele, tá com tudo lá”, diz Fernando Sarney ao pai, senador José Sarney, em trecho da gravação. O presidente do Senado, solícito, responde “tá bom, eu vou falar com ele”. Oito dias depois, a nomeação foi publicada. Ou melhor, não foi, já que ocorreu por ato secreto.

Além do descarado caso de nepotismo, as gravações são de embrulhar o estômago de qualquer pessoa não acostumada à realidade do cotidiano do Senado. Em determinado momento, Fernando Sarney, investigado por crimes como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, comenta com o pai a liberação da concessão de uma retransmissora de TV. Em outro trecho, Fernando conversa com o filho João, assessor parlamentar do senador Epitácio Cafeteira. João, sem o menor pudor, zomba do “emprego” no senado, praticamente confessando que mal dá as caras por lá.

Sarney se complica, mas Lula ainda o protege
As gravações complicam ainda mais a situação do presidente do Senado, coroando a verdadeira avalanche de casos de corrupção que o senador coleciona só nos últimos meses. Utilização irregular de auxílio-moradia, conta ilegal no exterior, contratação de mordomo com salário pago pelo Senado para trabalhar para sua filha no Maranhão, negociação de cargos na Eletrobras e, por fim, os 663 atos secretos, grande parte para nomear amigos e parentes no Senado.

A única coisa que permanece inabalada é o compromisso do governo Lula de proteger Sarney e evitar sua queda. Durante a cerimônia de nomeação do novo Procurador da República, Roberto Gurgel, Lula discursou afirmando que o Ministério Público tem o dever de investigar “não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando da mesma forma na biografia de quem está sendo investigado”. Ou seja, apesar de não citar nomes, e nem precisa, Lula reafirma a tese de que Sarney não é uma pessoa “comum” e, portanto, merece um tratamento diferente.

O governo precisa que Sarney permaneça na presidência do Senado, por causa das eleições de 2010. Já a oposição de direita reluta em pedir a cabeça de Sarney pois também está comprometida com o senador e os atos secretos. A revelação das gravações, no entanto, aprofunda uma das mais sérias crises políticas do Senado. Como todas as outras, o que pode ser decisivo não são as tramas palacianas, mas a capacidade dos trabalhadores de se indignar e ir às ruas contra esse mar de lama.