Lucio Gutierrez desembarca em Brasília
Wilson Dias / Agência Brasil

Numa mega-operação de guerra com oito horas e meia de duração e com direito a disfarces, o governo brasileiro conseguiu retirar às escondidas Lucio Gutierrez do Equador. O ex-presidente equatoriano deixou a embaixada brasileira em Quito na madrugada de sábado para domingo pelas portas dos fundos e disfarçado de policial do exército. O motivo de todo esse esquema de segurança não é só a revolta da população com Gutierrez. Também há um sentimento de insatisfação dos equatorianos com o governo brasileiro que concedeu asilo político a Lucio.

Ao mesmo tempo em que a revolução em curso no Equador demonstra que a população não confia nem nos governantes nem no próprio regime democrático-burguês, houve também uma experiência das massas equatorianas com o presidente Lula, até então uma forte referência de esquerda neste país. Nas manifestações, a população cantava ‘O Brasil tem Lula, nós temos uma mula”. Após a decisão do asilo, muitos cartazes passaram a comparar também o presidente brasileiro a uma mula.

Para deter os protestos, Lucio Gutierrez trouxe bandos armados para a capital, Quito. Estes grupos, ligados ao setor da Conaie que não rompeu com o governo, atacaram e atiraram contra os manifestantes. Isso, mais a violenta repressão policial e das forças armadas deixaram um morto e muitos feridos. A responsabilidade é de Gutierrez, mas, o fato de Lula ter concedido o asilo significa que os equatorianos provavelmente não poderão julgá-lo por estes crimes. Significa que ele não será punido e que Lula acobertará o ex-ditador.

No Brasil, isso já não é novidade. O país também abriga através de asilo político, entre outros, o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner. Da mesma forma, também vivem sob asilo brasileiro os paraguaios Lino Oviedo (ex-candidato à Presidência) e Raúl Cubas Grau (ex-presidente).

A atitude do governo brasileiro merece repúdio internacional, pois demonstra que, diante da crise equatoriana, Lula assume a defesa dos criminosos que exploram e reprimem a população. Ao contrário do que afirma o governo, o asilo político a Gutierrez está muito distante de ser uma ação neutra. O governo Lula trabalhou aivamente para que o Lucio não ficasse no Equador. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, pressionou o novo governo a emitir imediatamente o salvo-conduto.

Manifestações contra Lula
Após o anúncio de que o Brasil abrigaria Lucio Gutierrez, as manifestações ao redor da embaixada brasileira e da casa do embaixador se tornaram constantes. No dia 22, manifestantes perseguiram o carro do embaixador brasileiro no Quito, Sérgio Florêncio, atirando-lhe lixo e gritando ofensas.

No dia 22, a calçada em frente à residência do embaixador amanheceu coberta de lixo. Nas portas de madeira que dão entrada para a espaçosa propriedade, que ocupa meio quarteirão no elegante bairro de La Floresta, havia restos de ovos. Nas árvores, papel higiênico. Cartazes pregados em uma árvore em frente aos portões dizia: “Lula era respeitável“ e “Lula, devolva-nos a mula“.

Os manifestantes equatorianos reivindicam julgar e prender Gutierrez. Eles cercaram a embaixada por todos esses dias de impasse para tentar impedir a saída de Lucio. Em muitos cartazes de manifestantes era possível ver o repúdio ao governo brasileiro.

Interesses no Equador
Não é por acaso que Lula está tão preocupado com a crise do Equador e está se esforçando ao máximo para que ela tenha uma saída institucional. Por trás da “boa vontade” e do abrigo a Gutierrez, há muitos interesses econômicos.

Nos últimos dez anos, segundo dados da Embaixada do Brasil em Quito, o país investiu US$ 1,5 bilhão na nação andina. O setor responsável pela maior parte dessa cifra é o de infra-estrutura, capitaneado pelas construturas Odebrecht e Andrade Gutierrez. A Odebrecht é a empresa brasileira com maior presença no Equador. Seu principal negócio é a construção da hidrelétrica São Francisco, cuja obra será concluída em 2007 e custará US$ 303 milhões.

A Petrobrás também tem investimentos no Equador, com dois blocos de produção de petróleo. Nos dois anos desde que chegou ao país, investiu US$ 130 milhões. Nos próximos três, deve investir mais US$ 150 milhões. A balança comercial Brasil-Equador fechou 2004 com exportações de US$ 480 milhões e importações de US$ 75 milhões – acima dos US$ 360 milhões e US$ 19 milhões de 2003.