(Brasília - DF, 16/09/2020) Durante a posse do ministro da saude o presidente Jair Bolsonaro mostra uma caixa do remedio Hidrocloroquina.Foto: Carolina Antunes/PR
Redação

Enquanto fechávamos esta edição, explodia mais uma denúncia na esteira da roubalheira que tem vindo à tona em torno da compra superfaturada de vacinas e pagamento de propinas pelo governo Bolsonaro.

O jornal Folha de S. Paulo divulgou um vídeo no qual o ex-ministro e ainda general da ativa, Eduardo Pazuello, negociava com uma empresa intermediária a aquisição de 30 milhões de doses da Coronavac, por um valor quase o triplo da ofertada pelo Instituto Butantan, a única instituição autorizada pelo laboratório chinês Sinovac para distribuir o imunizante no país. Enquanto o Butantan vendia a vacina por dez dólares a dose, a empresa atravessadora oferecia a 28 dólares.

O vídeo prova que Pazuello mentiu à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) quando disse que nunca havia tratado com empresas sobre a compra de vacinas. Agora se sabe o porquê de Pazuello ter escondido a reunião: tratava-se de um modus operandi do Ministério da Saúde. Buscavam-se contratos fraudados com empresas intermediárias, que não produziam nada e só serviam para desviar dinheiro.

Resumindo: o governo fingia comprar vacinas, que na verdade não existiam, para roubar. Enquanto isso, o país entrava na segunda e pior onda da pandemia, com mais de 3 mil mortes notificadas ao dia e o sistema de saúde completamente colapsado. E Pazuello, é bom lembrar, era o ministro em que “um manda e outro obedece”, ou seja, não tem como Bolsonaro não saber, e mais do que isso, não estar diretamente envolvido na roubalheira.

Negacionismo genocida e corrupção

As recentes revelações dos esquemas de corrupção envolvendo o Ministério da Saúde, a alta cúpula das Forças Armadas e o governo Bolsonaro mostram que centenas de milhares de brasileiros morreram não só devido ao negacionismo genocida, mas também por conta da corrupção. Ao longo da pandemia, o governo ignorou 101 e-mails da Pfizer e atrasou a aquisição da Coronavac, além de ter cortado pela metade as doses que poderia adquirir pelo consórcio da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Covax Facility. Poderíamos estar vacinando desde dezembro.

Em determinado momento, o governo percebeu na vacina uma ótima oportunidade para encher os bolsos. Continuou empurrando com a barriga a vacinação de verdade e saiu negociando contratos de mentira por debaixo do pano com “pixulecos” (leia a linha do tempo na página ao lado).

A política genocida de boicote ao combate à pandemia e atraso da vacinação foram responsáveis, segundo o epidemiologista Pedro Hallal, por quatro a cada cinco mortes por Covid-19 no Brasil.

DITADURA NUNCA MAIS

Cúpula das Forças Armadas faz ameaça para esconder corrupção

(Resende – RJ, 17/08/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro recebe honras militares e é homenageado com salva de 21 tiros.rFoto: Marcos Corrêa/PR

Em meio ao desfile de generais e coronéis fardados e estrelados nos escândalos de corrupção, o ministro da Defesa, Braga Netto, juntamente com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, divulgou uma nota fazendo uma ameaça aberta à CPI do Senado. O comando das Forças Armadas acusa o presidente da CPI, deputado Omar Aziz, de atacar a instituição “de forma vil e leviana”.

O que Aziz teria dito de tão grave? “Fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo.” O deputado até elogiou a ditadura, quando, segundo ele, não teria havido corrupção, o que é uma mentira deslavada, já que hoje sabemos que a roubalheira rolava solta, só não era noticiada por conta da censura, das torturas e das perseguições.

Fica evidente que a nota, elaborada junto com Bolsonaro, foi só uma desculpa para mandar um recado: “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.” O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, reafirmou a ameaça ao jornal O Globo, dizendo que as Forças Armadas contam com “mecanismo dentro da base legal” para “evitar” esses ataques. Em outro trecho, manda um aviso mais direto: “Homem armado não ameaça.”

A cúpula militar, envolvida até o pescoço em corrupção, ameaça para que não seja investigada. Mais do que isso, mostra-se totalmente alinhada com Bolsonaro, afinal de contas, são mais de 6 mil oficiais em postos do primeiro e segundo escalão, verbas como da saúde desviadas para manter o alto padrão do alto comando e contratos públicos milionários com negócios que vão da abertura de estrada à produção de cloroquina.

Se hoje a ameaça de um golpe para roubar soa como bravata, já que não contam com apoio da burguesia, popular ou até mesmo internamente para isso, deve-se combater duramente essa ofensiva. Essa ameaça se encaixa no projeto de ditadura de Bolsonaro, que ele não esconde e busca criar as condições para uma mudança no regime mais à frente. Mais um motivo para se derrubar esse governo já.

FORA BOLSONARO E MOURÃO JÁ

Bolsonaro mantém o Brasil no primeiro lugar em mortes

Ao fechamento desta edição, ultrapassamos a marca das 540 mil mortes notificadas, sendo que o número real é bem maior. Apenas 16% dos brasileiros estavam completamente imunizados e 41% haviam recebido uma das doses. No ranking mundial de vacinação estamos atrás de 50 países. No de mortes, ocupamos sozinhos o pódio. A vacinação parcial vem levando à queda dos casos e mortes, mas o atraso, a abertura precipitada por parte dos governos e a falta de uma política que garanta distanciamento, principalmente um auxílio emergencial de verdade, faz com que ainda tenhamos 1,5 mil mortes diárias. São seis mortes por milhão, enquanto a média mundial é de 1,03.

O governo Bolsonaro, juntamente com os governos locais, a burguesia e grande parte da imprensa, tenta fazer parecer que estamos voltando à normalidade, mas, embora os casos estejam caindo devido à vacinação parcial, a situação ainda é mais grave que o pior momento de 2020. Como se isso não bastasse, já está confirmada a infecção comunitária pela variante delta, que pode pôr em risco a vacinação já feita e precipitar uma nova onda.

A Copa América trouxe também a variante B.1.216, identificada primeiro na Colômbia. Ainda não se sabe se ela é tão perigosa quanto a delta, mas é um risco e mais um crime para a conta desse governo genocida.

A primeira condição para se combater de fato a pandemia é botar para fora Bolsonaro e sua corja já. Enquanto estiver no poder, o Brasil continuará no topo do ranking de mortes, párias no mundo e celeiro de variantes. Apostar numa saída eleitoral em 2022 é aceitar mais centenas de milhares de mortes.

PROGRAMA

Enfrentar bilionários para garantir vacina e fortalecer saúde pública

Continua mais atual do que nunca a luta pela quebra das patentes, não só para avançar na vacinação atual, mas também para garantir autonomia para que possamos atualizar as vacinas contra as variantes que surgirem. A pandemia escancarou ainda as desigualdades sociais, principalmente em relação à saúde. É preciso fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), acabar com o teto dos gastos e o pagamento da dívida aos banqueiros para aumentar as verbas à saúde pública, assim como estatizar os hospitais e redes de saúde privadas, colocando-as sob controle dos trabalhadores.

Como também continua fundamental a luta por um auxílio emergencial que possa, de fato, garantir uma quarentena de verdade. O caso do Reino Unido, em que a variante delta fez aumentar o número de óbitos e hospitalizados mesmo com uma alta taxa de imunização, prova que só vacina não resolve. É preciso, junto com a vacina, quarentena e, para isso, precisamos de um auxílio de R$ 600,00 (deveria ser, ao menos, de um salário mínimo), enquanto durar a pandemia. Ainda mais com o avanço da fome e a alta inflação (leia nas páginas 4 e 5).

Mas, para controlar a pandemia e, além disso, fazer frente aos problemas estruturais da saúde pública, temos que enfrentar os ricos e bilionários, atacando os banqueiros e os grandes empresários que lucram com a pandemia.

Passo a passo da roubalheira

Entenda a corrupção das vacinas

23 de junho: O deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), da base do governo, e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, denunciam pressão para a liberação em tempo recorde da vacina Covaxin, da indiana Bharat Biotech, por meio da empresa intermediária Precisa Medicamentos. O valor da dose, 15 dólares, era o mais alto de todos.

25 de junho: Em depoimento à CPI, os irmãos Miranda reafirmam a denúncia, e o deputado diz que apresentou pessoalmente a Bolsonaro o caso, que teria respondido que era “coisa do Ricardo Barros” (o líder do governo na Câmara). Nenhuma medida é tomada, e Bolsonaro passa a ser investigado por “prevaricação”.

29 de junho: Explode a denúncia do PM Luiz Paulo Dominguetti, representante da empresa Davati, de que o Ministério da Saúde cobrava um dólar de propina na intermediação da compra de 400 milhões da AstraZeneca.

7 de julho: O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias recebe voz de prisão após mentir na CPI. A detenção teria motivado a nota ameaçadora da cúpula das Forças Armadas.

15 de julho: Representante da empresa Davati, Cristiano Carvalho, afirma em depoimento à CPI que, além do coronel Élcio Franco, do Ministério da Saúde, o coronel da reserva Marcelo Blanco também fazia parte do esquema de propinas. Ele também cita o Instituto Força Brasil (IFB), braço da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), do reverendo Amilton Gomes, como mediador das negociatas.

17 de julho: Vaza vídeo da reunião de Pazuello com uma empresa chamada World Brands, para a compra de 30 milhões da Coronavac, a um preço três vezes maior que o ofertado pelo Butantan.