Passeata com a participação de trabalhadores da indústria de alimentos, do setor da saúde e trabalhadores dos bastidores de Hollywood
Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU*

Nos últimos meses, ondas sucessivas de greves têm sacudido os Estados Unidos e, apesar de suas diferentes reivindicações e dinâmicas, algumas características comuns são importantes para que se tenha uma ideia de como a crise global do capitalismo tem afetado seu “coração”.

Há, por exemplo, um significativo aumento no número de paralisações em relação às décadas anteriores. Além disso, também ao contrário do período anterior, a maioria das greves concentra-se nos setores privados (e não públicos), com importante destaque para os setores industriais, particularmente de transformação (alimentação, máquinas e equipamentos, por exemplo).

Estas greves, também, têm caráter centralmente econômico, de resistência aos ataques neoliberais, envolvendo questões como a luta por salários e melhores condições de trabalho; manutenção do emprego e de direitos conquistados; ou contra mecanismos de precarização do trabalho, mescladas com temas como o das opressões, principalmente de mulheres e imigrantes. Da mesma forma, quase que invariavelmente, têm se enfrentado com a burocracia sindical.

Em defesa dos direitos e da organização para lutar

Iniciada em 6 de outubro e ainda em curso, a greve dos 1.400 trabalhadores da Kellog´s, uma das maiores fabricantes de cereais do país, de certa forma sintetiza o processo. Motivada pelas ameaças de cortes de direitos e a implementação do “sistema de dois níveis” (pagamento diferenciado para trabalhadores na mesma função), o fôlego e combatividade da paralisação refletem movimentos recentes em outras gigantes do setor e de outras categorias.

Em julho, a Frito-Lay (divisão da Pepsi, que fabrica salgadinhos) encarou 19 dias de greve contra o abuso na exigência de horas-extras e a tentativa de aumento da jornada de trabalho. Entre o início de agosto e 18 de setembro, motivos semelhantes, além do corte de direitos, provocaram a paralisação das atividades da Nabisco (biscoitos e doces), em cinco estados.

Já a tentativa de impor uma “jornada especial” nos fins de semana levou os 400 trabalhadores da fabricante de bourbon (uísque) Heaven Hill, no Kentucky, a paralisarem a empresa por seis semanas, durante as quais se enfrentaram com outra característica deste processo: a utilização fura-greves ou a tentativa de substituir os trabalhadores grevistas por contratados precarizados.

Greve dos trabalhadores da fabrica de cereais da Kellogg

Movimentos de proporções e significados históricos

Alguns destes movimentos merecem destaque não só pela dimensão que alcançaram, mas, também, pela radicalidade e “lições” que estão dando. Este é o caso da John Deere, onde o movimento ainda em curso, iniciado em 13 de outubro, atingiu 12 fábricas, em três estados, envolvendo 10 mil trabalhadores, impressionando, também, pelo nível de organização, exercício da democracia da base e, consequentemente, enfrentamento com a fossilizada burocracia sindical (no caso a UAW, que representa trabalhadores dos setores automobilístico, aeroespacial e de implementos agrícolas).

Iniciado em protesto contra a proposta da empresa em oferecer um aumento abaixo da inflação, além do corte de pensões para novos contratados e implementação do “sistema de dois níveis”, o movimento já rejeitou dois acordos. No último, a empresa oferecia dobrar o aumento imediato do salário, aumentar os benefícios da aposentadoria e manter as pensões para qualquer trabalhador contratado após a assinatura do acordo.

A proposta foi recusada por não incluir a garantia de seguro-saúde para os aposentados, manter o sistema de “dois níveis” e, também, como discutido em materiais publicados pelos grevistas, pela consciência de que as concessões são migalhas para uma empresa que, somente em agosto, lucrou 5,9 bilhões de dólares e deu um aumento de 160% para o seu presidente, em 2021.

Outro movimento exemplar foi protoganizado pelos mais de 2 mil carpinteiros da região de Seattle (Washington), que entraram em greve, em 16 de setembro, contra a Associação Geral dos Empreeiteiros, depois de rejeitarem quatro acordos, negociados, de cima pra baixo, pelo sindicato da categoria. As reivindicações centrais eram aumento salarial, pensões e seguro-saúde, segurança no trabalho e medidas contra o assédio sexual.

A greve, encerrada em 12 de outubro, foi a maior desde 2003, e apesar de ter resultado em conquistas parciais, também teve como saldo a formação de uma organização de base, chamada Grupo Peter J. McGuire, em homenagem a um socialista fundador do sindicato da categoria, no século 19, que se propõe organizar a oposição à burocracia sindical.

Greve dos trabalhadores da fabricante de equipamentos agrícolas Deere & Company

A necessária solidariedade para além das fronteiras

Esses são apenas alguns dos exemplos mais expressivos. Há paralisações locais, processos em fase de organização (como na Kaiser e dentre professores da Califórnia) e, ainda, movimentos que estão rolando há tempos, como a greve dos caminhoneiros da empresa de bebidas Johnson Brothers, iniciada em maio passado.

Também vale destacar que uma característica recorrente nestes movimentos é a tentativa da patronal em jogar os trabalhadores contra seus irmãos e irmãs de classe em outros países. Foi assim no caso da Kellog´s e da Nabisco, por exemplo, onde as empresas tentaram usar a transferência das fábricas para o México como chantagem.

Já a greve, de duas semanas, no final de setembro, na fábrica de equipamentos aeroespaciais Senior Aerospace SSP (que também tem unidades no México), serviu como importante exemplo da necessidade de construção de redes de solidariedade e luta entre os trabalhadores empregados em países mundo afora.

Uma necessidade que, sabemos, extrapola as categorias em si e deve ser abraçada por trabalhadores e trabalhadoras de todo mundo. Os motivos das greves são exemplos do caráter internacional da exploração capitalista, mas as lutas e suas lições devem servir como exemplos de que somos uma mesma classe, em qualquer lugar do mundo.

(*) Com informações do Workers’ Voice/La Voz de Los Trabajadores, seção norte-americana da Liga Internacional dos Trabalhadores