Redação
Opinião Socialista – O governo Sánchez difundiu a versão de que estava revogando a reforma trabalhista de 2012 do então governo Rajoy. Versão que vem sendo repercutida no Brasil pelo PT e Lula, e também pelo Boulos do PSOL. O que de fato foi aprovado?
O governo de coalizão PSOE-Unidas Podemos prometeu, em seu programa de constituição (de 2019), “revogar a reforma trabalhista” de Rajoy. Mais ainda, a vice-presidente do governo e ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, do Partido Comunista, vinha fazendo a propaganda de que revogariam “sim ou sim” essa reforma. Por exemplo, neste último mês de outubro, ante o Congresso da CCOO (Comisiones Obreras), a ministra dizia: “Vamos revogar a reforma trabalhista apesar de todas as resistências“. No entanto, menos de um mês depois, a própria ministra afirmava: “Entendo o interesse que se tem, sobretudo jornalístico, de revogar ou não a reforma trabalhista, mas não pode ser assim. Ou seja, não posso ditar uma regra que diga que revogo a reforma trabalhista do Partido Popular. Entre outros motivos porque tecnicamente seria impossível, e em segundo lugar, não seria correto” (Noticias Antena 3, de 2 de novembro de 2021).
De forma que não houve revogação da reforma trabalhista do governo Rajoy. É assim que reconhecem os próprios dirigentes da patronal e da direita: “Não há revogação da reforma trabalhista, mas modificações de alguns parágrafos”, afirma o presidente da junta galega e destacado dirigente do PP, Aberto Núñez Feijóo. No mesmo sentido: “Longe de revogar a elaborada em 2012 pelo Executivo do PP, o novo texto consolida os aspectos fundamentais da já existente, introduz algumas mudanças cosméticas, que não supõem uma mudança substancial sobre a que estava em vigor” (Editorial do Expansión, maior diário econômico ligado à grande patronal, do dia 29 de dezembro de 2021).
O governo PSOE-UP vem fazendo propaganda sobre a “ajuda europeia”, só que era mais do que conhecido que os fundos europeus, que aportariam 140 bilhões de euros, estavam condicionados a que se preservassem os aspectos essenciais da reforma trabalhista de 2012. O que foi aprovado foi preservar a Reforma de Rajoy e introduzir alguns pontos que, a nosso ver, são um saque dos salários e aprofunda a precariedade.
O governo do PSOE, de José Luis Zapatero, já havia aplicado uma reforma, em 2010, após a crise de 2008, respondendo as exigências de austeridade neoliberal da UE. O que mudou de mais importante? Qual foi o significado daquela reforma? A explosão social de 2011 teve relação com ela?
Quando explode a crise em 2007 e 2008, Zapatero a minimizou e seguiu dizendo que a Espanha jogava “na Champion League da economia mundial”. Em maio de 2010, a mando da UE, é aplicado um plano de choque de corte do gasto público da ordem de 15 bi de euros. Congelam-se as pensões, se reduzem em 5% os salários dos trabalhadores públicos, e se eliminam medidas sociais como o chamado “cheque-bebê” (um total de 2.500 euros por filho nascido), etc.
Enquanto isso, seguiu o fluxo de demissões através do chamado ERE (Expediente de Regulación de Empleo). O ERE é um mecanismo legal que permite que as empresas possam demitir os trabalhadores de maneira coletiva alegando causas econômicas, técnicas, produtivas e organizativas. Entre os anos de 2008 e 2009, por essa se via, se registrou a perda de mais de dois milhões de postos de trabalho.
Nesse marco de crise e de crescimento do descontentamento social, o governo Zapatero, de novo aceitando as exigências da UE de “mais flexibilidade para gerar emprego”, aprova em setembro de 2010 a Reforma Trabalhista.
A reforma de Zapatero teve como centro facilitar ainda mais os mecanismos de demissão. Assim, uma nova causa foi adicionada aos ERE: prevenir a evolução negativa de empresas ou melhorar a situação e as perspectivas da mesma. Quer dizer, as empresas já não necessitariam alegar perdas econômicas, bastaria alegar “previsão de perdas” ou “prever redução dos benefícios”, ou simplesmente por mudanças organizativas para melhorar as perspectivas.
Da mesma forma, facilitava a demissão por “faltas ao trabalho, ainda que justificadas”. O outro aspecto crucial da Reforma Zapatero foi facilitar os empregos temporários, os chamados Contratos de Trabalho e Serviço, cuja duração dos contratos é incerta e podem ser prorrogados por vontade do empresário por até três anos, o que aprofundava a precarização do emprego.
Fazer uma reforma trabalhista para facilitar ainda mais as demissões quando a taxa de desemprego era já de 19,59%, e entre os jovens superava os 50%, acabou desembocando em uma onda de greves e manifestações e uma greve geral em 29 de setembro de 2010.
Não satisfeito com isso, o governo Zapatero empreendeu uma segunda reforma: a da previdência, estendendo a idade de aposentadoria para 67 anos e estendendo o período de cálculo do valor da pensão de 16 para 25 anos, o que em rigor supunha uma nova redução das mesmas.
Nesse cenário de crise, protestos sociais e descontentamento generalizado, no dia 15 de maio de 2011 ocorreu a manifestação que dá origem ao já conhecido 15M.
Quais foram os principais pontos da reforma trabalhista imposta pelo governo Rajoy do PP em 2012, e como ela impactou o mercado de trabalho? Houve redução no desemprego, como prometido?
A Reforma Trabalhista de Rajoy foi um novo “aperto de porcas”, mas trilhando o caminho que Zapatero já tinha deixado aberto.
Em primeiro lugar, a Reforma de Rajoy flexibiliza ainda mais as condições para as demissões em massa. Se dão definições mais abertas para que os juízes aceitem nos ERE’s, por exemplo, “perspectivas econômicas negativas”, “perdas de contratos” ou “introdução de nova maquinaria”.
Em segundo lugar, e isto é qualitativo, já não é necessária a autorização prévia da Autoridade Trabalhista para aplicar um ERE. Até então, quando uma empresa apresentava um ERE estava obrigada a abrir um período de negociação com a representação dos trabalhadores e transcorrido esse período, o apresentava à Autoridade trabalhista para que esta desse seu consentimento.
Em terceiro lugar, se produz um barateamento da demissão. A lei anterior estabelecia que, quando ocorria uma demissão e era judicialmente declarado improcedente, o trabalhador deveria receber 45 dias de salário por ano trabalhado, com um teto de 42 mensalidades. A nova Reforma rebaixa essa quantidade a 33 dias por ano com um teto de 24 mensalidades.
Em quarto, suprime os salários de tramitação. Isto é, quando um trabalhador era despedido e a sua demissão era declarada improcedente, a empresa estava obrigada a pagar, além da indenização correspondente, os salários do período transcorrido entre sua demissão e a ordem judicial, e também esse período se contava para a Seguridade Social. Entre uma demissão e a ordem judicial se passam meses, em algumas ocasiões até dois anos.
A rigor, o barateamento que se produz da demissão é muito maior que tudo isso, porque em qualquer modificação substancial das condições de trabalho (mudanças de horários, de turnos, de localização do centro de trabalho…) que a empresa quisesse impor, se os trabalhadores não aceitavam, se produzia uma “demissão objetiva”, com uma indenização de 20 dias por ano trabalhado com um teto de 12 mensalidades. Mas no período de “consulta”, os sindicatos “negociavam” para tentar subir essa indenização (até os 45 dias por ano antes dessa reforma). A burocracia sindical orientava e orienta assim os conflitos, não para defender os postos de trabalho, mas para negociar a quantia da indenização pela demissão. Ao flexibilizar as causas para essas demissões, como eu disse antes, as “demissões objetivas” se multiplicam de forma exponencial.
A Reforma Rajoy teve mais elementos perversos, mas o crucial foi facilitar e baratear as demissões e aumentar a temporalidade nos contratos de trabalho.
A aplicação desta reforma desencadeou uma nova onda de fechamento de empresas e demissões. A taxa de desemprego disparou até alcançar 27,16% em 2013, mais de 6,2 milhões de trabalhadores ficaram sem emprego. A taxa de desemprego na juventude alcançou a taxa de 57,2%. Um verdadeiro massacre para uma reforma que se apresentou como medida chave para “criar empregos”.
O Co.bas denuncia que essa suposta revisão da reforma do governo do PSOE é apenas uma camuflagem para a reforma anterior, não faz uma mudança substancial, pelo contrário, preserva os aspectos mais importantes das reformas anteriores. Você poderia explicar o que são ERES e ERTES e o que vai ou não mudar de importante nestas modalidades de trabalho?
Sim, como diz a declaração da Coordenação Estatal de Co.bas, a nova reforma deixa intactos todos os mecanismos de demissão em massa e barateamento da Reforma de Rajoy de 2012.
Primeiro, garante a tranquilidade da patronal, preservando em sua substância a reforma de 2012, quer dizer a que permite a demissão barata e fácil; segundo, preserva e amplia os contratos por tempo parcial, que é cada vez mais o mecanismo preferido pela patronal para “criar emprego”, com salários de miséria e uma flexibilidade extraordinária que lhes permite ajustar as jornadas às altas e baixas da produção, aproveitando-se de que fazer horas extras se torna uma necessidade para milhões de trabalhadores a fim de complementar os salários de fome.
Mas, além disso, a nova reforma amplia este mecanismo dos chamados ERTE (Expediente de Regulación Temporal de Empleo) com os ERTE permanentes. O ERTE é um ERE temporário, que até a nova reforma funcionava da seguinte maneira: a empresa apresenta um ERE temporário (ERTE) que pode ser de suspensão temporário do contrato por um tempo determinado, ou de redução da jornada de trabalho. Em um ou outro caso, o trabalhador passa a receber do SEPE (Serviço Público de Emprego), que é um organismo do Estado. Se for de suspensão do contrato recebe pelo total, e se for redução da jornada a parte proporcional. Mas ele recebe 70% do seu salário do Estado, ou seja, perde pelo menos 30% do seu salário e direitos sociais proporcionais (férias, salário extra…) durante o período de suspensão.
Durante o período mais duro da pandemia, este mecanismo se generalizou e mais de 4 milhões de trabalhadores foram enviados aos ERTEs. O governo apresenta esta medida como maravilhosa, o modelo de uma política progressista porque, graças a ela, as pessoas “não perdem o trabalho” e “não aumentou o desemprego”.
A primeira coisa a responder é que esta medida nem é uma novidade e nem sua autoria corresponde a nenhum governo progressista. As referências dos ERTE são governos de direita, neoliberais e reacionários. Mais exatamente, a referência é o Kurzabeit alemão, uma redução temporária das horas de trabalho normais para aliviar economicamente a empresa através da redução dos custos de pessoal.
O ERTE é, portanto, uma medida cujo objetivo essencial é resgatar as grandes empresas, reduzindo os custos de pessoal à custa de um novo roubo dos salários e de seguir engordando uma dívida pública que alcança já 1,43 bilhões de euros, superando o PIB em 122%, que os trabalhadores e o povo seguirão pagando.
Os ERTES são, além disso, um mecanismo infame de precarização, porque as empresas também se convertem em verdadeiras bolsas de empregos, dos quais retiram ou botam trabalhadores quando acham oportuno. Pra piorar, não há garantia alguma de estabilidade futura e, terminado o período do ERTE permanente, as mesmas causas que justificaram sua aplicação podem ser usadas para acabar sendo demitidos.
Os ERTE permanentes tornaram-se a estrela da ministra e do seu governo. Ter trabalho em troca de “qualquer coisa” não é exatamente um argumento progressista, vale lembrar que nos tempos de escravidão o “pleno emprego” era garantido. Mas os alunos atrasados de Merkel copiam uma versão mais empobrecida porque, entre outras razões – além de custar menos -, a nova reforma trabalhista também acrescenta que, aos os trabalhadores receberem por um novo fundo criado, o Fundo Sustentabilidade (e não pelo SEPE como até agora), o tempo não contará para efeitos de aposentadoria.
É verdade que haverá uma mudança substancial para os trabalhadores de aplicativos, como UBER e outras empresas do gênero?
Este governo é pródigo em vender manchetes e dar a si mesmo uma autopromoção difícil de superar. Em maio passado, a patronal, governo, CCOO e a UGT chegaram a um acordo que se converteria dois meses depois na chamada Lei Riders, uma lei sobre os direitos trabalhistas das pessoas dedicadas ao transporte, de plataformas digitais, que no Estado espanhol estima-se que empregue entre 18 e 30 mil pessoas. No tom que caracteriza a ministra, declarou: “Espanha está se tornando a vanguarda internacional nesta matéria”, e que, por isso, “tanto o mundo quanto a Europa estão nos observando”.
A resposta a esta grandiloquência foi dada em um comunicado público pelos próprios trabalhadores que haviam estado à frente desta luta há quatro anos, e que haviam conquistado sentenças judiciais favoráveis ao reconhecimento de sua relação trabalhista. Sobre a lei aprovada, disseram: “Um passo insuficientemente pouco para se celebrar” (Riders X derechos). E em suas redes de twitter, disseram à ministra: “Acordo sobre a má-chamada ‘lei rider’. Quem tem conseguido fazer com que sejamos reconhecidos como trabalhadores não foi o governo, mas todos nós que arriscamos a pele em greves, manifestações e mais de 44 vitórias judiciais“.
Em suas críticas, estes trabalhadores assinalam que, entre outras coisas, a lei que “o mundo vê” não garante a permanência dos atuais trabalhadores; as empresas não tem obrigação de fazer as contratações pertinentes; abriu-se a porta à subcontratação para que as atuais empresas possam terceirizar o trabalho evitando, assim, a sua responsabilidade; a lei fica atrás do que a luta conseguiu arrancar dos tribunais porque limita a regulação para os Riders e não o exige “para o resto dos grupos que já estão uberizados, possam ser controlados por algoritmo com impunidade, e praticamente deixa as portas abertas à uberização de muitos outros grupos“. De fato, o último Inquérito à População Ativa detectou mais de 160 mil falsos trabalhadores autônomos (muitos trabalhadores uberizados aparecem falsamente como autônomos), trabalhadores abandonados à própria sorte para serem demitidos ou continuarem a trabalhar nas mesmas condições, vítimas do mercado de aluguel de contas.
Como é a composição e relação do atual governo de Pedro Sanches (PSOE) com Podemos, IU e as centrais sindicais?
O governo de Sánchez é formado por ele e 22 ministros: 18 do PSOE e 4 de Unidas Podemos. A ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, é segunda vice-presidente, advogada, militante do Partido Comunista cujo pai (Suso Díaz) é um dirigente histórico do CCOO.
Este governo de coalizão, apresentado como “o mais progressista da história” é formado por um partido como o PSOE, que já teve 3 presidentes e 22 anos de governo. o PSOE é um partido burguês responsável pelo desmantelamento industrial, da repressão contra as nacionalidades, da xenofobia e a racista Lei de imigração… que governou sempre para os banqueiros, as multinacionais, aos ditames da Troika, devoto monárquico e nacionalista espanhol. O PSOE foi o que mais recentemente encabeçou a repressão contra a Catalunha e o direito a decidir do povo catalão. Como dissemos desde Corriente Roja no momento de sua constituição, um governo presidido pelo PSOE não pode ser mais que um governo burguês, da pátria e do patrão.
A outra parte do governo é Unida Podemos, um acordo entre Podemos e Izquierda Unida (PCE). Podemos deu um cavalo de pau em seus propósitos declarados, desmontou a mobilização do 15M e afogou a rebelião no beco antidemocrático das instituições que foram herdadas do regime do franquismo, começando pela Constituição de 78. Aqueles que chegaram para o grupo para acabar com o regime de 78 e a casta, são hoje fervorosos defensores da Constituição de 78 e ministros de um governo burguês.
O governo teve, e tem, no CCOO e UGT uma espécie de guarda pretoriana durante todo este tempo. Agora chega à metade de sua legislatura e o faz em meio a uma longa lista de promessas não cumpridas (a Lei da Mordaça que não revogou; os despejos que não pararam, o crime com os imigrantes que morrem tentando chegar – mais de 4.400 morreram em 2021 tentando alcançar a costa espanhola), etc.
O que sim é uma mudança importante é que até agora Unidas Podemos tem sustentado seu discurso dizendo que graças a eles o PSOE não vai para a direita e que, se não se pode fazer mais, é porque são minoria. No entanto, a nova Reforma Trabalhista, a que não revoga a anterior, precariza mais o emprego é um novo roubo dos salários, é apresentada como iniciativa de Unidas Podemos e, maravilha das maravilhas, digna de ser exportada a nível mundial.
O pragmatismo da nova política que pregam Podemos e Iglesias acabou em algo da muito velha política: uma coalizão para serem gestores do capitalismo e embelezadores de suas políticas neoliberais. Pedir o apoio dos de baixo para governar para os de cima não sai grátis. Fazer de Pepito Grillo um governo de Pinóquio, com a diferença do final feliz do universal conto italiano, na vida real acaba condenando a voz da consciência ao inferno da crise junto a todo o governo, e dando combustível à base social do PP e Vox (N.T. direita e ultradireita)
A proposta de vocês é a revogação completa da reforma e que o sindicalismo alternativo enfrente com luta mais esta reforma. Além de Co.bas, outras centrais estão rejeitando essa proposta?
Efetivamente, Co.bas sempre defendeu, junto com o sindicalismo combativo, a revogação das duas últimas Reformas Trabalhistas: a de Zapatero e a de Rajoy.
O rechaço à Reforma Trabalhista está sendo geral entre as organizações sindicais por fora do CCOO e UGT. Contra esta reforma se pronunciaram os sindicatos nacionalistas que são majoritários no País Basco e Galícia (ELA, LAB, CIG, CUT); sindicatos como CGT, os sindicatos da Taula Sindical (Mesa Sindical) da Catalunha (IAC; CGT; CNT; COBAS; COS Solidaridad Obrera), o Bloco Combativo de Classe em Madri (Solidaridad Obrera, Cobas; ASC; Plataforma Sindical de la EMT; Sindicato Asambleario de la Sanidad, CNT) o agrupamento unitário em Sevilla (CGT; COBAS; SAT; CTA, Sindicato Ferroviario, USTEA), etc.
Há de fato nestes dias alguns protestos já anunciados e estão sendo muitos os pronunciamentos, mas em rigor nós achamos que, nestes dias, os esforços devem estar voltados para explicar o conteúdo e o significado desta Reforma Trabalhista, contra-atacando o bombardeio midiático que estão fazendo o governo, a patronal e o CCOO-UGT, cantando loas à reforma.
Quais as principais propostas que uma organização política revolucionária como Corriente Roja defende contra a precarização do trabalho?
Desde que se desatou a crise de 2008, Corriente Roja viemos defendendo a imperiosa necessidade de pôr em pé um programa de resgate dos trabalhadores e do povo. A pandemia aprofundou tudo e não fez mais que desnudar o modelo produtivo espanhol, um capitalismo imperialista decadente com pretensões de grandeza, mas, em rigor periférico e dependente, com uma multiplicidade de pequenas e micro empresas sustentadas com o trabalho precário, baixos salários, em muitos casos miseráveis e um desemprego estrutural crônico.
A entrada na União Europeia teve um preço altíssimo: o desmantelamento de setores fundamentais da indústria espanhola.
São, sem dúvida, muitas reivindicações parciais que surgem desta situação, mas neste terreno são duas as grandes reivindicações centrais: o direito a um trabalho estável e salários dignos. Contra a ideologia do mal menor e o pragmatismo que nos vem empurrando à resignação e ao retrocesso permanente, Corriente Roja defendemos que a classe operária tem que declarar uma guerra implacável à política dos capitalistas, de seus governos (tenham a cor que tenham). A luta por emprego exige a revogação imediata das reformas trabalhistas e o estabelecimento de um novo Estatuto dos Trabalhadores, que estabeleça o direito ao trabalho como um direito básico que o Estado está obrigado a garantir por uma ou outra via.
Acabar com a desocupação de milhões de trabalhadores inclui a defesa do emprego existente, por isso a revogação das reformas trabalhistas vigentes tem como um de seus propósitos mais importantes acabar com essa sangria do emprego que a patronal, governo e burocracia acordam a cada passo via os ERES e ERTES. Um exemplo agora mesmo é outra Lei da Administração Pública, que em lugar de garantir o emprego desde o governo, resulta numa lei que pode deixar na rua cerca de 800 mil funcionários públicos, o maior ERE a história de mãos dadas com um governo progressista.
Nós defendemos a redução por lei da jornada de trabalho para 35h semanais como primeiro passo no caminho da escala móvel de horas de trabalho, isto é, repartir o trabalho existente entre toda a mão-de-obra disponível. E como esta medida responde às necessidades básicas da classe trabalhadora, a redução da jornada de trabalho será sem redução dos salários.
A defesa da previdência pública e, portanto, a revogação das reformas previdenciárias do PSOE e do PP, é um mecanismo contra a privatização e de defesa de um direito básico de milhões de trabalhadores, mas também um mecanismo de geração de emprego colocando a aposentadoria aos 60 anos.
Estas são algumas medidas que defendemos para este plano de resgate dos trabalhadores e do povo. Um plano de resgate como o que defendemos obriga, sem nenhum gênero de dúvida, tomar medidas resolutamente anticapitalistas, a enfrentar os bancos, multinacionais, o FMI, a União Europeia e enfrentar o governo burguês de turno, chame como que se chame.
Desde a patronal, seus advogados da burocracia sindical do CCOO e UGT ou o governo, falam destas medidas como utópicas, irrealizáveis e alertam da “catástrofe” que uma medida assim acarretaria. Seu pragmatismo é espetacular: para resgatar banqueiros não há problema, para financiar grandes empresas com ERTE’s ou para facilitar e baratear a demissão de milhões de trabalhadores tampouco há problemas, todo dinheiro é necessário! Mas não por empregos decentes, salários e pensões, não por isso!
A crise capitalista leva milhões de seres humanos à miséria a cada passo. A pandemia tornou isto mais evidente do que já era. Diante desta situação, o pragmatismo da nova política progressista, como a da antiga, diante da qual se depara, parece aconselhar como no filme de Adam McKay: Don’t Look Up (Não Olhe para Cima)!
Nós, ante a crise deste sistema, recordamos aquilo que escreveu o velho Trotsky: “Não se trata aqui do choque normal de interesses materiais opostos. Trata-se de preservar o proletariado da decadência, da desmoralização e da ruína. Trata-se da vida e da morte da única classe criadora e progressiva e, por isso mesmo, do porvir da humanidade. Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem infalivelmente dos males por ele mesmo engendrados então que morra. A ‘possibilidade’ ou a ‘impossibilidade’ de realizar as reivindicações é, neste caso uma questão de relação de forças que só pode ser resolvida por meio da luta“.