Mandi Coelho, da Rebeldia, Juventude da Revolução Socialista
Mesmo após apelo pelo adiamento, o primeiro dia de provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) aconteceu no último domingo (17). O resultado é desde já escandaloso: salas que não asseguraram condições sanitárias, estudantes barrados com medo de não conseguirem a remarcação e um índice de 51,5% de abstenção. O maior índice já registrado na história da prova. Tudo isso comprova o que já sabíamos: ter mantido a prova é o que prejudica os estudantes, e não o contrário.
Depois da prova, foram vários os relatos de estudantes sobre as péssimas condições de realização. A DPU (Defensoria Pública da União) havia entrado com recurso para adiar o exame, mas a Justiça não acatou, pois a lotação das salas seria de no máximo 50% da capacidade total. Isso não se comprovou. Tiveram salas lotadas, sem distanciamento, sem ventilação. O que corre informalmente, é que o governo trabalhou com a lotação de 80%, mas contava que não chegaria a 50% com o índice de abstenção.
O MEC (Ministério da Educação) e o governo Bolsonaro fizeram a opção criminosa de expor milhões de estudantes em meio à segunda onda de Covid-19 no país. Se esconderam hipocritamente atrás do argumento de que não fazer o Enem agora prejudicaria os estudantes, principalmente os da escola pública. Na verdade, a maior preocupação do governo é a pressão que o sistema privado de educação está fazendo pra que tenham novos estudantes logo. Tanto para que possam lucrar mais com as matrículas, quanto para receber o dinheiro do governo destinado aos estudantes do Fies e Prouni.
O Inep, órgão vinculado ao MEC, que é o responsável pelo ENEM, deu várias declarações escandalosas nos dias anteriores ao exame. O presidente do Inep, indicado por Weintraub, chegou a afirmar que as cidades que optassem por não fazer a prova ficariam de fora do Enem. Um absurdo que pegou muito mal, principalmente depois dos casos de pacientes sem acesso a oxigênio em Manaus. Depois ele corrigiu a declaração, dizendo que avaliariam uma data para essas cidades fazerem a prova. E tudo isso depois de um diretor do Inep morrer de Covid.
Tudo não passa de desculpas esfarrapadas do Inep e do MEC, que seguem a toada genocida de Bolsonaro de ignorar a situação da pandemia no país. Por exemplo, primeiro o presidente do Inep disse que não seria possível incluir cidades que não fizessem a prova numa nova data. Depois, disse que teria como. Então, o Inep disse que essa nova data não poderia ser nos dias 23 e 24 de fevereiro, junto com os estudantes que protocolaram laudo indicando sintomas de Covid. Agora, a data será a mesma. Se tudo isso é possível, por que então não adiar a prova toda?
A campanha pelo adiamento existe há muito tempo. No segundo semestre de 2020, após forte mobilização nacional que envolveu estudantes e vários setores de trabalhadores, a prova que seria em novembro foi adiada. O MEC abriu uma consulta pública para saber a opinião dos estudantes sobre a data. No entanto, mesmo com o mês de maio ganhando na enquete, o governo ignorou a consulta e marcou para janeiro.
A DPU encaminhou um pedido à Justiça para que a prova marcada para o próximo domingo (24) fosse adiada. É necessário que todos os estudantes e trabalhadores façam uma forte campanha para que a prova do dia 24 seja adiada. E também para adiar a prova de fevereiro, destinada aos estudantes com sintomas de Covid, aos que foram barrados no primeiro dia de provas e aos estudantes de Manaus e de duas cidades de Rondônia, que optaram por não realizar a prova no dia 17. Para garantir que os estudantes barrados possam fazer a prova, é necessário defender que, mesmo com o adiamento, esses estudantes possam também realizá-la.
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, que afirmou que o gigantesco nível de abstenção é culpa da mídia, e que o Enem não vai agravar a pandemia, deve ser punido imediatamente e retirado do cargo. O governo também deve ser punido pelo crime genocida de ter colocado a vida de milhões de estudantes em risco. Esse é o segundo Enem do governo Bolsonaro, e se o primeiro já foi um fiasco, com erro na correção das provas, esse agora não só é um fiasco como uma carnificina.
O acesso à universidade, a desigualdade social na educação e como combatê-la
Muitos se perguntam se um novo adiamento do Enem não prejudicaria os estudantes que ingressariam nas universidades em 2021. E principalmente os estudantes filhos de trabalhadores, que tem urgência de se formar para ingressar no mercado de trabalho. Não nos restam dúvidas de que todos os estudantes gostariam de estar estudando, e que há sim uma necessidade de ingressar o quanto antes nas universidades.
A pandemia aprofundou muito a desigualdade social na educação. E a ansiedade que muitos estudantes sentem com o debate sobre a data do Enem tem a ver com isso. Ao longo de 2020, os estudantes filhos de trabalhadores não tiveram boas condições de estudo e muitas vezes nem conseguiram estudar. Enquanto isso, os filhos dos ricos tiveram acesso às melhores plataformas de ensino, com melhores condições em todos os sentidos. Portanto, a sensação é a de que, quanto mais tempo demora para fazer a prova, mais esses estudantes filhos dos ricos estariam em vantagem.
No entanto, essa vantagem já era real antes mesmo da pandemia. Isso tem a ver com a desigualdade social que sempre existiu na educação. Não é só agora que a nós é negado acesso à educação pública e de qualidade, enquanto os ricos tem acesso às melhores escolas e universidades com todo tipo de facilidades e tecnologias. Portanto, com a pandemia, se escancara uma situação muito delicada, que quando nos debruçamos, percebemos que vai muito além do debate sobre a data que faremos o ENEM em 2021.
Para que a desigualdade não se aprofunde ainda mais, é necessário que o movimento estudantil e as universidades garantam a manutenção das vagas que estariam sendo preenchidas agora. Independente da data do Enem, não pode haver redução das vagas de 2020 e 2021, o que significaria um impacto na vida dos jovens e um ataque à educação pública.
No entanto, o próprio Enem é um dos mecanismos que perpetua a vantagem de ricos sobre os trabalhadores. Ele é um filtro social e racial, que impede que a gigantesca maioria dos jovens tenha acesso à universidade pública, tendo que optar por universidade privadas com matrículas que impactam na dinâmica da renda familiar. Se não houvessem provas, como o Enem e os vestibulares, e todos pudessem ingressar de forma livre e democrática na universidade e curso de sua escolha, não existiria esse abismo social na educação que vemos no país. O caminho para acabar com o abismo seria instituir um único sistema de educação, que seria pública, gratuita e de qualidade, que abarcaria todos os jovens em condição de igualdade.
Mas fica o questionamento: isso é realmente possível? Sim, isso é possível. No entanto, para isso a educação precisaria ser um direito universal de fato. Hoje, ao invés de direito, ela é mercadoria nas mãos das grandes empresas privadas, que recebem todo tipo de apoio e incentivo dos governos. Agora com Bolsonaro, mas também antes com Temer e com os governos do PT, o que vimos foi a manutenção da educação como mercadoria. Precisamos romper com essa lógica, e atacar o que realmente a sustenta, que é a sociedade capitalista. Sociedade em que tudo é mercantilizado, e que em todos os âmbitos da sociedade se manifesta a profunda desigualdade social entre ricos e pobres e trabalhadores.