Praca Tahrir, neste sabado

Dois reforços chegavam neste sábado à praça Tahrir enquanto do lado de fora a polícia forçava um clima de normalidade nas ruas, retirando barricadas e liberando o tráfego de carros. O primeiro reforço veio com cerca de 500 ativistas de Suez, que chegaram em caravana. O segundo, em uma brigada internacional que trazia muitos buquês de flores, como símbolo da solidariedade internacional.

Um pouco depois, os tweets e mensagens de texto – um serviço restaurado apenas agora – desde a praça conclamavam mais ativistas à região, diante do rumor de que o exército iria forçar a evacuação. Foram atendidos: mesmo com a noite avançada, os egípcios chegavam em massa à praça. E o exército, que tentava barrar a entrada e havia prometido fazer cumprir as horas do toque de recolher, foi obrigado a ceder e abrir a passagem.

A mobilização adquire um claro caráter de organização para a resistência passiva, tendo inclusive recusado as propostas para avançar em direção ao palácio presidencial. É um feito extraordinário que tenha resistido numa praça simplesmente gigantesca e arterial na cidade.

No entanto, sua maior vitória é ter conseguido se renovar constantemente, ao pontuar dias especiais em que os atos se enchem de uma carga sentimental poderosa. Foi o caso do dia da Fúria, do dia da Partida e certamente amanhã, no dia dos Mártires. E, assim, vem quebrando, uma por uma, as táticas de quem se opõe à vontade popular.

Não se trata mais apenas de Mubarak. Todos os que tentam pactuar nas coxias um acordo pra manter o status quo social e geopolítico do Egito arriscam somar-se ao rol de instituições que o povo não esquecerá no seu acerto de contas de 30 anos. Hoje, queimaram-se em especial o Exército e o governo norte-americano. O general Hassan el-Rawani entrou na praça para discursar pedindo a volta à casa, mas em resposta ouviu a palavra de ordem “Não vamos sair, ele é que vai!”.

Mais tarde, o enviado norte-americano ao Egito, Frank Wisner, declarou que não, que Mubarak tem que ficar durante a transição − e a reação popular não poderia ser outra senão lembrar os laços íntimos entre aquele país e o sionismo, receoso de perder o aliado Mubarak. A Palestina, cantada em palavras de ordem mas ainda sem expressão no possível programa para um novo governo, pulsou de novo no coração egípcio.

Assim, na muralha impenetrável desta praça mobilizada vão batendo as cabeças dos líderes capitalistas mundiais e serviços de diplomacia e ate da grande midia. Basta lembrar que três comunicados da Al-Arabiya, a TV conservadora de emires e sauditas, desmentiram-se um após o outro: que o vice-presidente Suleimán teria sido alvo de um atentado, que uma igreja em Rafah foi incendiada, e que o próprio Mubarak renunciara à direção de seu partido. O clima de boataria representa bem o mato sem cachorro em que se encontram as negociações.

Vão deixando o jogo os que não oferecem mais alternativa ou não conseguem se manter no barco furado proposto pelos EUA: a França e a Alemanha, que vetaram a venda de armas ao Egito, e a cúpula dirigente do NDP, o partido de Mubarak. Enquanto isso, o ditador ameaça arrastar a todos, como está fazendo ao cortar o fornecimento de gás para a Jordânia e Israel, sob o pretexto de uma explosão menor no gasoduto para esses países.

A mobilização na praça se consolida e entra pelo 12º dia de atividade, como exemplo para outras importantes mobilizações como as de Alexandria. E com isso a janela de oportunidade para uma mudança sem o referendo popular vai se estreitando, e o ziguezague dentro das instituições do regime é cada vez mais improdutivo.

O caos parece apreciar mais a companhia dos homens e símbolos da ordem do que a dos manifestantes.

Luiz Gustavo Porfirio
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