UTI em Manaus no início da pandemia Foto: Mário Oliveira – SEMCOM
LIT-QI

Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

Laura R.

“A Itália é um modelo de controle de vírus na Europa”.

Sánchez garante que a pandemia do coronavírus está “controlada” na Espanha e incentiva “a sair e perder o medo”.

A pandemia é “controlada” na França, segundo o Conselho Científico.

Estas são algumas das muitas manchetes que têm aparecido em diversos meios de comunicação desde junho, com as quais se pretendia justificar que, um após o outro, os diferentes governos europeus, a fim de preservar os lucros capitalistas, decidiram suspender uma quarentena parcial e tardia.

Covid-19 assola a Europa …

Depois de ter vivido uma verdadeira catástrofe humanitária e de saúde, a pandemia mais uma vez avançou pela Europa nos últimos dias, a um ritmo vertiginoso. Uma segunda onda que volta com força em todo o continente, apesar da diferença que existe entre os países, em termos de número de infecções e mortes.

Ela está sendo enfrentada como pode, com uma equipe de saúde física e emocionalmente exausta. Sobrecarregados pelas novas tarefas impostas e obrigados a atender não só às infecções, mas também a todos aqueles pacientes em lista de espera, cujo atendimento foi paralisado pela emergência sanitária da primeira onda.

E os governos europeus estão correndo atrás dela

Seguindo o slogan do “novo normal”, os diferentes governos da Europa iniciaram uma abertura cada vez maior das atividades econômicas, sem nunca terem vencido a pandemia como agora está sendo demonstrado. Desde então, assistimos a um lento, mas constante, aumento do número de óbitos e infecções e com ele internações e de leitos UTIs, ocupados por pacientes de Covid. E os mesmos governos que passaram semanas tentando nos convencer de que a situação era grave, mas não tão grave quanto na primavera, estão agora correndo atrás da pandemia, adotando novas e diferentes medidas por dias. Eles sabem que corremos o risco real de que essa segunda onda seja igual ou pior. Com o mesmo quadro insuficiente na saúde pública, porém mais esgotado. E mais uma vez, sem os recursos necessários para enfrentá-lo.

Estado Espanhol

No Estado espanhol, que esteve na vanguarda da segunda onda e do número de infecções poucas semanas antes de outros países, o governo aprovou o Estado de Alarme e o toque de recolher noturno, como guarda-chuva legal para que cada Comunidade Autônoma aplique  medidas que são essencialmente iguais às aplicadas no resto da Europa: para além das quarentenas parciais em caso de contágio, restrições de reuniões sociais e à mobilidade, fechamento total ou parcial ou limitação de horas em bares e restaurantes e confinamentos perimetrais baseados na incidência de contágios que em alguns casos, como o da Comunidade de Madri, acabam se transformando em confinamentos classistas e racistas que afetam principalmente os bairros operários, mais atingidos pela pandemia.

Na tentativa de “não prejudicar a economia”, alguns desses governos, como o de Ayuso na Comunidade de Madrid, chegam ao absurdo de aprovar confinamentos “por dias”, que não respeitam nem mesmo o período de incubação do vírus , que é uma semana.

França

A França, em alerta máximo por um atentado terrorista, que tem significado um deslocamento ainda maior de militares e policiais na rua, foi a primeira a retornar ao Estado de Alarme e estabelecer um toque de recolher, embora isso não tenha conseguido frear a curva . Macrón admitiu que, nesse ritmo, em meados de novembro, os pacientes da Covid encherão as UTIs e anunciou que  abrirá mais 4.000 leitos em dezembro.

Itália

A Itália está em Estado de Exceção e várias regiões, como Lombardia ou Campânia, ordenaram toques de recolher. Tanto a Itália quanto a Espanha continuam a ter um número muito insuficiente de leitos de UTI e, da mesma forma, esta emergência sanitária revelou a escassez crônica de pessoal de enfermagem sofrida por todos os países do sul da Europa.

Reino Unido

O Reino Unido, onde na primeira vaga houve constantes denúncias do pessoal de saúde por não dispor de equipamento de proteção suficiente, tem em média 10,5 leitos UTIs por 100.000 habitantes, pelo que também suspende neste terreno. O governo decidiu voltar ao confinamento em março por quatro semanas, embora os centros educacionais continuem abertos.

Portugal

Portugal, que se encontra em estado de calamidade – nível máximo de alerta sem aprovação parlamentar – desde 15 de outubro passado, decidiu que vai confinar 70% da sua população a partir de 4 de novembro. Mas, por enquanto, também não fechará escolas, comércios ou restaurantes.

Alemanha

A Alemanha também bate recordes diários de infecções e o governo se limitou a reduzir ao máximo a vida pública. E embora o país tenha três vezes mais leitos UTIs que o Estado espanhol, como nos países vizinhos, há falta de pessoal especializado, o que é um dos principais problemas ante o  aumento da demanda.

O número de infecções e hospitalizações também disparam desta vez nos países nórdicos e em países como a Polónia e a República Checa, também em estado de exceção ou na Bélgica, que se encontra em semiconfinamento e que passou a ter a maior incidência na Europa. A Áustria também decretou um toque de recolher. E o mesmo acontecerá com a Grécia, onde a região de Atenas concentra mais da metade das infecções e cujas unidades de terapia intensiva já estão ocupadas por dois terços por pacientes da Covid-19. O Governo decretou a suspensão das atividades culturais e o uso máscara obrigatória em espaços abertos com aglomerações. A Rússia, por sua vez, continua sendo o quarto país do mundo com o maior número de casos de Covid-19 desde o início da pandemia.

Uma gestão cada vez mais repressiva em que não detém o vírus, nem protege a classe trabalhadora e o povo

Em suma, embora todos os governos da Europa tenham sido obrigados a dedicar mais recursos à saúde e, em comparação com a primeira onda, se façam muitos mais testes, todos voltam a retomar o “isolamento social” como medida fundamental. Para isso, impõem normas e protocolos insuficientes, quando não incoerentes e absurdos, que se sustentam no papel mas não na vida real e que não garantem qualquer segurança. Nem nas fábricas, nem nas escolas, nem nos transportes; e que acabam desconcertando e confundindo a população e provocando seu rechaço.

Assim, as reuniões sociais e de lazer são limitadas, mas não para os mais ricos. A mobilidade é restrita, mas os trabalhadores têm que continuar viajando amontoados em metrôs, trens ou ônibus, no caminho para o trabalho. Os parques são fechados em muitos lugares, mas as salas de aula ficam cheias de crianças sem manter as distâncias mínimas de segurança. E poderíamos continuar dando exemplos.

Tudo isto bem vestido e adornado com discursos bombásticos mas vazios que apelam à “consciência coletiva” e em que a população é hipocritamente responsabilizada pelo aumento das infecções. As ruas são militarizadas para nos obrigar a cumprir as restrições, multando quem não o fizer, e ainda por cima somos ameaçados com “medidas mais duras” se as infecções não diminuírem.

Uma gestão militarizada e repressiva da pandemia, com a qual tentam nos convencer de que o corte de nossos direitos e liberdades é o preço a pagar e quase a única medida eficaz para conter o vírus. Com o argumento correto de que precisamos conter isso, o endurecimento dos regimes políticos, cai como uma luva para eles reprimir qualquer protesto social.

Junto com isso, e graças à necessária cumplicidade das lideranças sindicais, continuam as demissões, EREs  [planos de demissões apresentados pelas empresas]  ou cortes salariais, via ERTES (Expediente de Regularização Temporário de Emprego) . Os despejos continuam, deixando famílias inteiras na rua.

E enquanto a classe trabalhadora vê a saída para do túnel em que esta crise nos deixou cada vez mais difícil e longa, o resgate com dinheiro público a grandes empresas que ano após ano acumulam lucros astronômicos continua. Uma ajuda milionária que contrasta com as escassas e miseráveis ​​medidas sociais, quase caritativas, aprovadas pelos governos para atender à classe trabalhadora e aos mais pobres.

Algumas lições para extrair

A segunda onda de Covid-19 está aqui e não podemos evitar isso. Mas a classe trabalhadora deve extrair dela algumas lições que são fundamentais.

O primeiro é óbvio: esta pandemia causou e continua a causar tantos danos, porque desde os anos 1990 todos os países da Europa, em maior ou menor grau, cortaram e privatizaram a saúde pública. Nesse contexto, as quarentenas parciais impostas pelos governos, embora seja uma medida básica e necessária que a humanidade vem aplicando desde a Idade Média para tentar controlar os diversos vírus que atacaram ao longo da história, se revelaram como insuficientes.

A isso se deve acrescentar que, mesmo onde as restrições são mais severas, milhões de trabalhadores ainda são forçados a trabalhar (tanto em atividades essenciais como nas que não o são). Nunca houve um controle sério sobre as medidas de proteção e segurança que as empresas devem oferecer, apesar das inúmeras lutas e greves que ocorreram por esse motivo, por exemplo, na Itália. E para aqueles que estão sem teto, vivem em condições insalubres ou estão na economia clandestina, são muito difíceis de cumprir.

Por isso que no verão, depois que o vírus nos deu apenas um respiro, a conclusão lógica foi que era preciso reforçar e resguardar a saúde pública a partir de agora, também muito desgastada após a pandemia, dotando-a de rastreadores, mais pessoal de saúde de todos os tipos, mais recursos, mais respiradores, mais leitos UTI, etc, etc … Não apenas para conter uma segunda onda que era previsível enquanto o vírus estava circulando ou pelo mundo, mas para prevenir futuras pandemias.

Nada disso foi feito para além de algumas medidas pontuais, apesar dos avisos e reclamações dos trabalhadores da saúde, que não queriam ser considerados “heróis”, mas ter mais recursos, salários dignos e jornadas de trabalho humanas.

É verdade que agora temos um melhor conhecimento científico sobre o vírus e seus tratamentos. Mas esta segunda onda mostra, além dos fracassos nas desacelerações, a ausência das medidas estruturais que era necessário tomar, embora em muitos lugares como França, Itália ou Espanha os trabalhadores do setor da saúde tenham se mobilizado ou feito greve para isso.

A realidade é que em nenhum lugar do mundo, nem mesmo nos países mais avançados, existem hospitais públicos suficientes e menos ainda os leitos e unidades de terapia intensiva necessárias para enfrentar essa pandemia. E, pior ainda, em todos eles a saúde tornou-se um negócio, ao alcance de poucos, como vemos agora na corrida frenética para encontrar a vacina. É por isso que nem mesmo nos piores momentos da pandemia ou nesta segunda onda, os governos europeus sequer consideram a expropriação da saúde privada.

Fica evidente que tanto nossos governos quanto aqueles que fazem negócios com nossa saúde se preocupam menos com nossas vidas do que com os lucros capitalistas. E a dura verdade é que a pandemia permanecerá descontrolada enquanto os interesses das grandes potências imperialistas na Europa e em todo o mundo continuarem acima da saúde. E isso acontece ainda que paradoxalmente, em pleno século XXI, a humanidade alcançou avanços científicos e técnicos impensáveis ​​em outros tempos, com os quais seria possível controlar essa pandemia muito melhor do que antes. Mas, como disse Marx, os interesses do capitalismo se opõem aos interesses de toda a sociedade e é por isso que ele não pode aproveitar os avanços da ciência.

A segunda lição a ser deduzida da primeira é que o famoso dilema com que eles constantemente nos martelavam e nos obrigavam a escolher entre saúde e economia é simplesmente falso.

Em primeiro lugar, porque quando a pandemia volta a ficar fora de controle, as medidas restritivas que eles são obrigados a tomar acabam afetando seriamente a economia. Mas acima de tudo, porque somos a classe trabalhadora e o povo que, com suas medidas insuficientes, não só colocam os mortos e o maior número de infectados, mas também estamos pagando a conta da recessão econômica global que a Covid-19 acentuou. Os capitalistas e os governos a seu serviço têm isso claro desde o início e por isso optaram por defender seus negócios como uma prioridade à custa da vida de milhões e milhões de pessoas, embora muitos defendam essa política com o discurso hipócrita de “defender a saúde”.

Nosso programa

Há trabalhadores que pensam que apesar da gravidade da situação não é hora de se mobilizar. Pelo risco de contágio ou porque não querem aparecer vinculados aos negacionistas ou à direita que se rebela contra os toques de recolher e aquelas medidas que restringem “sua” liberdade individual e afetam seus negócios. Mas essa renúncia significa nos condenar à precariedade, à exploração e à epidemia. Para resgatar a classe trabalhadora e combater de forma eficaz, não há outra coisa senão a mobilização e a luta, tomando todos os cuidados necessários.

A primeira medida necessária e urgente de que necessitamos é o bloqueio de toda a produção não básica e o fechamento de escolas e de todas as atividades não vitais. Precisamos de um plano de investimento multimilionário em saúde pública. A intervenção imediata da saúde privada e laboratórios privados, para aumentar o número de leitos e equipamentos de saúde disponíveis e para poder realizar os testes PCR necessários e a tempo de monitorar e rastrear o vírus de forma eficaz. Investimento em serviços sociais para atender a população mais vulnerável e um programa de proteção econômica e social para setores duplamente oprimidos, como as mulheres. Medidas que garantam quarentenas reais: não podemos permitir mais um despejo ou um único sem-teto enquanto durar esta emergência sanitária. Precisamos de salários garantidos para todos os/as trabalhadores/as e uma renda de emergência decente para aqueles que não têm meios de viver. Reforço na Educação com pessoal de saúde, mais professores e pessoal de limpeza e espaços para uma educação segura e de qualidade para todos.

E para que tudo isso seja possível, não há outra maneira que expropriar, sem indenização e sob o controle dos/as trabalhadores/as,  as grandes empresas, a começar pelas que produzem e distribuem alimentos, remédios e bens básicos. É preciso expropriar os grandes capitais, disponibilizando os recursos para a sociedade.

Todas essas medidas que devem ser arrancadas dos governos capitalistas não serão garantidas, porém, sem um governo dos/as trabalhadores/as que as imponham. Um governo que só pode surgir se a classe trabalhadora se organizar para derrubar este sistema social, o capitalismo, que se mostrou incapaz de continuar a garantir a sobrevivência das massas que explora e oprime. Para lutar por este governo, a partir das seções LIT na Europa, convidamos você a construir conosco um partido revolucionário internacional, necessário para evitar a barbárie capitalista e construir uma sociedade diferente, livre de exploração e opressão.

Tradução: Lena Souza