Refugiados em embarcação superlotada na costa da Grécia Foto Guarda Costeira grega
Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Existem tragédias e crimes trágicos. Por isso mesmo, eu (como, com certeza, muita gente por aí), já estou pra lá de incomodado, pra dizer o mínimo, com a cobertura da mídia sobre o destino (terrível, inegavelmente) dos bilionários que decidiram fazer turismo no fundo do mar.

Uma irritação que brota da constatação de como este alarde midiático é completamente desproporcional quando comparado com os constantes naúfragios que, ano após ano, matam milhares de refugiados e migrantes, a maioria do Oriente Médio e da África, que tentam chegar à Europa em embarcações tão precárias e horripilantes como os antigos navios negreiros.

Uma cobertura que não pode nos causar surpresa, já que está totalmente sintonizada com o caráter desumano do capitalismo, sempre entrecortado por questões de raça e classe, que, através de seus porta-vozes, promovem um bombardeio pela mídia, tentando nos sensibilizar com uma história que envolve um submarino mequetrefe e gente que pagou, por cabeça, US$ 250 mil (ou R$ 1,2 milhão) para saciar sua curiosidade mórbida.

Afinal, o resumo desta história é que as vidas destes milhares de refugiados que morreram na busca desesperada pela sobrevivência valem praticamente nada diante das de cinco pessoas que sumiram no Atlântico em função de uma diversão macabra: um britânico, dono de uma das maiores  empresas de jatos particulares do mundo; um militar francês que fez fortuna explorando os destroços do Titanic e dois membros de uma das famílias mais ricas do Paquistão, proprietários de um empresa que fabrica fertilizantes, alimentos e energia.

A real e cotidiana tragédia que vitima refugiados e migrantes

O diferente tratamento da imprensa é típico da “naturalidade” e ligeireza que caracterizam a desumanidade capitalista quando se trata das terríveis e literalmente criminosas mortes daqueles e daquelas que, movidos pelo desespero, pela fome, pela miséria ou por guerras, causados pela mesmíssima burguesia e seu sistema excludente e explorador, se lançam ao mar nos “tumbeiros modernos”, principalmente no Mediterrâneo.

Segundo uma reportagem publicada no portal da rede Aljazeera, em 13/06/2023, somente em 2022, a Organização Internacional para a Migração (IOM, na sigla em inglês) registrou um recorde de 3.789 mortes de refugiados e migrantes provenientes do Oriente Médio e do Norte da África. Essa quantidade absurda de vidas perdidas foi 11% maior do que as mortes registradas em naufrágios em 2021 e só ficou abaixo das 4.255 documentadas em 2016.

E, lamentavelmente, é preciso dizer que estes números devem estar muito distantes da realidade, já que a clandestinidade e impunidade cercam tudo que têm a ver com estas travessias que, se não bastasse, funcionam como fonte de lucro para “coiotes marítimos” que superlotam as precárias embarcações, arrancando até os últimos centavos de seus passageiros.

Além das condições literalmente terríveis em que estes homens e mulheres (de todas as faixas etárias) encontram a morte, enquanto lutando desesperadamente por uma saída que lhe dê o mínimo de esperança de sobrevivência, a crueldade que cerca estes naufrágios também fica evidente em uma declaração de Koko Warner, da ONG “Global Data Institute” (Instituto de Estatísiticas Globais), publicada na mesma reportagem do Aljazeera: “Nossos dados demostram que 92% das pessoas que morrem nessa rota permanecem não identificadas”.

Para a burguesia, vidas migrantes, pobres e não-brancas não importam

Refugiados sírios e iraquianos chegam à costa da Grécia

O naufrágio mais recente é exemplar de tudo isto e aconteceu poucos dias antes de sumiço do submarino dos bilionários. Como sempre, a notícia ganhou apenas rápidas notas nos principais veículos de imprensa, apesar de envolver centenas de pessoas.

Em 14 de junho, um precário navio pesqueiro, com uma superlotação calculada em 750 pessoas (a maioria do Afeganistão, Egito, Paquistão e Palestina) naufragou na costa da Grécia. Segundo o Aljazeera, foram recuperados 78 cadávares e 104 pessoas foram resgatadas com vida, o que faz com o número de desaparecidos e mortos possa chegar a centenas (uma reportagem da CNN, no dia 19 de junho, por exemplo, já fala em 300 mortos).

Oficialmente, o naufrágio da embarcação na Grécia elevou o número de refugiados e mortos, somente em 2023, a pelo menos 220.

Segundo artigo publicado, em 14 de junho, no portal Agência Reuters, entre março e abril ocorreram dois naufrágios na costa da Tunísia. No primeiro, morreram 32 pessoas; no segundo, 70 corpos foram retirados do mar, a maioria de países africanos (Congo, Camarões, Nigéria, Costa do Marfim e Guiné, Serra Leoa, Síria, Marrocos e Burkina Faso)

Antes disso, em fevereiro, foram registrados outros dois naufrágios. No dia 26, 94 pessoas morreram na costa da Itália e, no dia 12, outras 18 se afogaram na costa da Líbia, sendo que 55 outras foram dadas como desaparecidas. Nestes dois casos, a maioria dos refugiados era do Oriente Médio.

Enquanto todas estas pessoas morreram sem que seus nomes sequer fossem conhecidos, certamente a morte quase certa dos tripulantes do submarino ainda irá render vai render muitas reportagens. Algo também exemplar da “lógica” bizarra do capitalismo e de sua essência.

Primeiro, este é um sistema em que empresários, banqueiros, latifundiários e seus porta-vozes na imprensa não têm pudor algum em publicizar que as vidas de alguns poucos “valem” e “importam” muitíssimo mais do que a de milhares.

Segundo, por jogar na nossa cara, a todo momento, que para estes poucos nunca faltam recursos, nem para que vivam na opulência nem para que sejam salvos da morte; enquanto para a maioria da humanidade há apenas o excesso de “faltas” e carências e a vunerabilidade à morte precoce, brutal e completamente menosprezada.

E a única forma de inverter esta lógica perversar e virando o jogo, tomando o poder desde punha de abutres mesquinhos e construindo uma sociedade onde possamos viver em plenitude e, até mesmo, morrer com dignidade. E, por isso mesmo, só podemos reafirmar o que já dizemos há muito: “Socialismo ou barbárie”