Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU
Dayse Gomes e Vera Lúcia, da Secretaria Nacional de Negros e Negras
Este texto visa, com brevidade, comparar o tratamento dado a negros e negras no governo Bolsonaro na pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19) com a atitude do presidente Rodrigues Alves (1902-1906) com a população negra na vacinação contra a varíola, poucos anos após assinada a Lei Áurea.
Hoje, como antes, o direito à saúde é negado aos pobres no Brasil. Especialmente aos negros e negras que carregam consigo a herança dos 380 anos de escravização e, após séculos de luta, da conquista da abolição sem nenhuma reparação pelo Estado brasileiro fez surgir a maior parcela da classe trabalhadora, livres e sem absolutamente nada, como enfatizado no segundo artigo dessa série “sem terra, sem casa, sem trabalho”, bem ao estilo do modo de produção capitalista.
A violência, doenças e mortes de cada dia
O fim da escravidão deu início a todo um novo capítulo na história de luta dos negros e negras contra a exploração e o racismo. Tiveram que construir barracos e casebres de taipas nas favelas ou morarem amontoados nos cortiços, sobrevivendo com salários miseráveis, o desemprego, a fome e a pobreza extremada em contraste com o pleno desenvolvimento das cidades.
Vivendo numa sociedade hostil, que os tornavam alvos da violência policial, as doenças e mortes eram, como na atualidade, parte do dia a dia dos negros.
Enquanto escrevemos este artigo, trabalhadores negros e negras estão sob o terror do Novo Coronavírus, morrendo aos milhares e sendo enterrados em valas. Moradores em comunidades, periferias e favelas não podem contar com hospitais e nem leitos devidamente equipados com respiradores mecânicos. Não há testes em massa para detectar os contaminados. Falta água, sabão e álcool em gel para toda a população, mesmo que exista tudo isso em abundância no século XXI.
Diferente do início do século XX, o avanço científico e tecnológico pode proporcionar, e proporciona, para quem tem dinheiro as condições para tratar os doentes. E como não existe uma vacina ainda, a maneira de conter a contaminação pelo vírus é o isolamento. No entanto, o mais importante para a grande burguesia é não parar a economia. E o presidente da República, que é um serviçal do imperialismo, minimiza a tragédia dizendo que a COVID-19 não passa de uma “gripezinha”. Mas não é uma gripezinha!
O surgimento da varíola e a Revolta da Vacina
Não existe uma precisão de quando e onde surgiu a varíola. Há estudos que apontam o surgimento no Egito; e há outra hipótese de que tenha surgido na Índia, por volta do século X. A chegada da doença no continente americano se dá quando da colonização pelos europeus. Na Europa, entre os séculos XI e XV, exceto na Rússia, a varíola se tornou um grande problema de saúde pública.
Observou-se que a doença se propagava mais rapidamente em agrupamento de pessoas, pelo contato direto com indivíduos infectados, sintomáticos ou assintomáticos. Então, o tratamento passou a se dar através do isolamento dos doentes para conter a doença.
O mesmo estudo aponta que o primeiro surto no Brasil ocorreu no Maranhão, por colonos franceses no ano de 1555. Mas é no tráfico que os negros escravizados serão contaminados por seus traficantes colonizadores portugueses. Datando de 1560, a epidemia se alastrou no país, dizimando tribos indígenas e matando milhares de negros. Estima-se que morreram 300 milhões de pessoas no mundo (a varíola foi erradicada na década de 1980). Como se pode notar, a doença se expande entre os continentes juntamente com as transações comerciais do capitalismo nascente. Da mesma maneira que nos deparamos com a pandemia do Novo Coronavírus no sistema capitalista em ruínas.
Estes são os problemas da sociedade capitalista que entra governo, sai governo, e não são resolvidos! Hoje, apesar da catástrofe que se abate sobre o povo trabalhador, os políticos e grandes empresários só estão preocupados com a economia capitalista, isto é, com o lucro.
Dentre eles, o destaque é Bolsonaro, que parece sentir prazer em demonstrar indiferença com o sofrimento do povo. Quando perguntado sobre o fato do Brasil ter ultrapassado a China no número de mortos por COVID-19, Bolsonaro desdenhou dizendo “E daí”?
A crença e a ciência
No passado, a varíola era explicada pela religião como um castigo divino, que tinha por objetivo purificar a alma dos pecadores. Por isso, era preciso resistir a qualquer intervenção do “homem”, da medicina, por medo de sofrer de um castigo ainda maior. E assim, a religião que sempre serviu de consolo para os aflitos e de amortecedor ou de incentivador de conflitos, sempre a serviço da classe dominante, vai mantendo o “seu rebanho”.
Por outro lado, a ciência, enquanto conhecimento detido pela classe dominante, quando se apresenta para os explorados e oprimidos, também é na forma de castigo. Embora solucionando o tratamento da doença em si, vai deixando pelo caminho um rastro de destruição de vidas e das condições de sobrevivência.
Por que a Revolta da Vacina?
A primeira constatação é que mesmo purificando a alma ninguém quer ficar doente e mesmo querendo ir para o paraíso no céu, ninguém quer morrer. Resta saber por que a revolta com o tratamento da doença.
O presidente do Brasil, Rodrigues Alves (5º presidente – 1902 a 1906), projetou a reurbanização do Rio de Janeiro, que era a capital federal na época. No seu projeto constava a demolição dos cortiços, das favelas e das construções mais antigas, onde moravam, majoritariamente, os negros e negras tidos como bandidos, vagabundos e prostitutas. Oswaldo Cruz, sanitarista que se dedicou à pesquisa de como combater as doenças contagiosas como malária e febre amarela, era o Diretor Nacional de Saúde Pública.
Entretanto, ao invés de uma campanha educativa sobre as doenças e o tratamento, frente ao medo e a resistência, foi decretada uma lei que obrigava a vacinação, com autorização para as brigadas entrarem à força nas casas para aplicar a vacina.
Isto é, o Estado burguês que demolia cortiços e só subia os morros para reprimir a população, decretou uma medida de saúde de forma autoritária “de cima para baixo”.
O resultado disso foi que o povo reagiu com paus e pedras. O capoeirista Prata Preta foi uma liderança negra dessa luta. Para acabar com a revolta o governo recua (temporariamente) da vacinação obrigatória, prende ativistas e deporta lideranças como Prata Preta para o Acre. Todas essas mortes poderiam ter sido evitadas se o governo não tratasse uma questão social e de saúde como um caso de polícia.
Nessa pandemia, a maioria dos governos capitalistas aplica a tática da “imunidade do rebanho”. Salva um pequeno grupo de risco e deixa exposto ao vírus e à morte a grande maioria da população para supostamente criar a defesa do corpo na maioria da manada.
Vivemos em uma sociedade formada por uma minoria de ricos e grande maioria de pobres. Na verdade, o governo salva os donos de grandes empresas, ricos, burgueses e deixa trabalhadores e os setores mais explorados, formados por negros e negras, à própria sorte.
Isso é um matadouro planejado de pessoas!
O presidente Bolsonaro faz declarações contra o isolamento, com o pretexto de salvar a economia. Ele diz que o “país não pode parar”. Mas, como dissemos acima, “salvar a economia” significa salvar os lucros da burguesia às custas da matança dos trabalhadores.
Cuidados com quem?
O governo Bolsonaro diz que não tem dinheiro para garantir a quarentena remunerada de trabalhadores autônomos, desempregados e pequenos empresários. Mas isso é mentira!
Esse ano, Bolsonaro deu R$ 2 trilhões para meia dúzia de banqueiros. 1 trilhão para a falsa dívida pública que o governo prefere pagar com juros altos e mais 1 trilhão comprando papéis podres! Com esse dinheiro, daria para o governo destinar R$ 12 mil para cada um dos 220 milhões de brasileiros. Mas, ao contrário, foram destinados míseros R$ 600 para os mais pobres, que enfrentam a humilhação, as intempéries e o risco de contaminação nas filas intermináveis da Caixa Econômica Federal
(CEF).
Bolsonaro declarou que essa medida foi adotada para tentar conter uma explosão social. Mas, o que o governo tenta conter agora pode explodir depois.
Nos dois momentos, na varíola e no Novo Coronavírus, negros e negras recebem em sua maioria tratamento desumano. Essas duas experiências do passado e do presente mostram que não podemos confiar nossas vidas, saúde, nossos amigos e famílias aos cuidados dos governantes.
Tudo isso evidencia que o Estado capitalista tem uma grande dívida com o povo negro e trabalhador! Exigimos reparação desses danos desde a escravidão até hoje!
Algumas medidas emergenciais frente à pandemia do Novo Coronavírus
– Assegurar emprego e renda para que todos fiquem em casa! O Brasil precisa parar!
– Suspensão do trabalho de todos os trabalhadores na indústria, comércio e serviços não essenciais. Licença remunerada, estabilidade no emprego, pagamento integral dos salários e benefícios;
– Redução imediata dos salários dos parlamentares, dos deputados, do Governador, do Presidente e de seus ministros!
– Testes de COVID-19 em massa para toda a população. Suspender o pagamento de aluguéis, contas de água, luz, gás e telefonia durante a pandemia.
– Congelamento dos preços de alimentos, medicamentos e equipamentos médicos e de proteção individual! Fornecimento de kits gratuitos de alimentação, medicamentos e produtos de higiene pessoal, tais como sabão, creme dental, papel higiênico, álcool em gel para todos os moradores das periferias, ocupações e favelas, bem como para as comunidades indígenas e quilombolas.
– Investir no Sistema Único de Saúde (SUS) 100% gratuito e de qualidade.
– Demarcação de terras indígenas e quilombolas. Não ao Ensino à Distância (EAD)!
No momento, a luta contra o Novo Coronavírus, passa necessariamente por derrubar o governo de Bolsonaro e Mourão, já!
Mas a nossa tarefa central é fazer do Brasil e do mundo um grande quilombo socialista sem explorados e exploradores. E para isso é mais que revolta. É revolução!