Bolsonaro se encontra com Beatrix von Storch, neta do ministro de Finanças de Hitler, e deputada do partido neonazista "Alternativa para a Alemanha"
Mariucha Fontana

O avanço da extrema-direita é um fenômeno mundial. Na Europa, Geórgia Meloni chegou ao governo através do Partido Irmãos, da Itália, que se reivindica como uma ramificação do Movimento Social Italiano (MSI), fundado por seguidores de Mussolini. Ainda que não esteja à frente de um governo e um regime fascistas, Meloni foi eleita defendendo uma política anti-imigração e reivindicando “Deus, Pátria e Família”.

Na Suécia, o partido “Democratas Suecos”, de raízes neonazistas, surpreendeu ao se tornar a segunda força mais votada, saltando de 5,7% dos votos, em 2010, para 20,5%, agora. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orban mantém-se no poder, desde 2010. Apoiando-se na defesa de políticas anti-imigração, mudou o regime, instituindo o que ele chama de “democracia iliberal” (ou “democracia parcial ou guiada”).

A Polônia, como a Hungria, desde 2015, regrediu rapidamente em relação à liberdade de imprensa, à independência do poder judiciário e aos direitos de protesto e manifestação. Lá, governa o partido “Lei e Justiça”. Na França, na Alemanha, no Estado Espanhol e em Portugal, a extrema-direita vem avançando e conquistando cada vez mais cadeiras no parlamento.

Espalhados pelo mundo e articulados

Aqui na América Latina, o novo presidente de El Salvador, o autocrata Nayib Bukele, impôs a reeleição, destituindo o Supremo Tribunal Federal (STF) de lá e perseguindo a oposição e a imprensa.

E, claro, Trump, nos Estados Unidos, e Bolsonaro, no Brasil, são talvez os maiores expoentes dessa extrema-direita, que está articulada mundialmente, embora tenha suas especificidades e não represente, nos diferentes países, a mesma coisa em termos sociais.

Ainda assim, formaram uma coalizão que reúne 30 países e lançaram a “Declaração de Genebra”, onde “Deus, Pátria, Família e Liberdade” é o slogan comum.

Esses partidos e movimentos não são a reedição do nazismo e do fascismo dos anos 1920 e 30. E nem todos implicam, por enquanto, em medidas de ruptura com o regime democrático, em regimes abertamente bonapartistas ou pré-bonapartistas, ou mesmo que dirijam organizações nazistas (leia, no final do artigo, as definições de Trotsky para estes distintos regimes)

Mas essas lideranças não se incomodam em usar várias simbologias daquela época, de modo mais ou menos velado. E, por outro lado, esse processo não é estático. É dinâmico e avança no compasso da crise capitalista.

As bases econômico-sociais e políticas da nova direita

Perante o crescimento da nova direita, surgem vários conceitos buscando explicá-la. Explicações que vão desde a subestimação do fenômeno, enxergando-o como mero “voto-castigo” contra governos impopulares, ao uso do termo fascista como xingamento.

Mas é preciso estudar, em primeiro lugar, as profundas bases sociais e políticas que permitem tanto seu surgimento quanto que seu discurso faça sentido para tanta gente. E, também, sua dinâmica, a partir da avaliação da atual crise, da luta de classes e da correlação de forças entre as classes.

Não deve ser subestimada, mas corretamente caracterizada, no que tem de comum e no que é específico, para que o proletariado possa, de forma independente e com seus métodos, enfrentá-la.

Trotsky alertava, nos anos 1930, para a necessidade de fazer uma análise concreta da realidade concreta. Orientava que é preciso saber diferenciar as situações transitórias, os diferentes governos e regimes: pré-bonapartistas, bonapartistas, fascistas, bonapartistas “sui generis”, semi-fascistas, e suas dinâmicas.

BASES DA ULTRADIREITA

Crise profunda, decomposição do capitalismo e elementos de barbárie

A crise da democracia liberal expressa uma crise profunda do capitalismo. Nesse sentido, tem semelhanças com a década de 1920 e 30. Estamos em uma crise estrutural do capitalismo monopolista, que leva à decomposição social e à tendência a regimes autoritários, bonapartistas.

Para a valorização e acumulação de capital, o sistema necessita atacar o proletariado e a pequena burguesia de todas as formas, avançar em forças destrutivas nos países centrais e, ainda mais, na periferia; utilizando métodos de acumulação primitiva, de espoliação, pilhagem, opressão e barbárie.

Na Europa, desde o fim do “boom” do pós-guerra, a crise capitalista e o desmonte do Estado de Bem-Estar Social, pelos governos de direita, conservadores, liberais ou socialdemocratas, estão na base da crise da democracia liberal.

Com a crise aberta em 2008, esse processo se agravou, com o desemprego e as ondas massivas de imigração.

A ultradireita defende o ultra liberalismo econômico, associado a uma pauta contra a imigração, em prol da xenofobia e de todas as opressões; desviando e mobilizando o descontentamento e o ressentimento de setores de classe média, e até do proletariado branco ou nativo, contra refugiados, imigrantes e membros de outros setores étnico-raciais. A inferiorização e desumanização de setores do proletariado justificam o emprego da violência, a repressão e outras barbaridades contra os mesmos.

BRASIL

Bolsonarismo: a especificidade brasileira

Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O governo Bolsonaro constituiu um governo pré-bonapartista, num regime democrático burguês em crise, em um país semicolonial em processo de recolonização. Ele não teve correlação de forças para mudar o regime. Mas, nunca escondeu seu apoio à ditadura de 1964 e seu projeto autoritário.

Ele organiza e mobiliza um setor em defesa de uma intervenção militar. Se chegou ao governo como um “outsider” (“fora da política tradicional”, como dizia), sai mais organizado do que há quatros anos.

Com apelo dentre setores expressivos das polícias e das Forças Armadas, que dão cobertura às suas manifestações golpistas, bem como apoio num setor da burguesia, mobiliza parte da pequena burguesia e inclusive do proletariado. E, ainda, conta com setores paramilitares: milicianos, jagunços ou mesmo setores vinculados aos CAC’s (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores) em ações extra-parlamentares, como bloqueio de estradas e tentativa de locaute.

No Brasil, as Forças Armadas saíram intactas do final da ditadura, quando governaram por 21 anos, e querem voltar à política (embora sejam dirigidas pela maioria da burguesia e do imperialismo, que não querem um golpe, hoje). Mas, oito mil militares integraram o governo de Bolsonaro, sendo quatro mil deles da ativa.

DEBATE

A esquerda institucional e a extrema-direita

O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, durante entrevista coletiva após reunião com o relator-geral do Orçamento 2023, senador Marcelo Castro, e equipe de transição.

A extrema-direita tem raízes na crise do capitalismo e na decepção com a esquerda institucional e seus governos, como os da socialdemocracia, na Europa, ou do PT, no Brasil.

Não é possível entender o bolsonarismo e o apoio de um setor de massas ao seu discurso xenofóbico contra o Nordeste, de opressão de classe, misógino, LGBTfóbico, racista, de apelo à violência em defesa da ordem e da propriedade; se não entendermos o profundo processo de decadência do capitalismo brasileiro. Um processo de regressão colonial e desindustrialização; tendo como carro chefe da economia o agronegócio, a indústria extrativista e a pilhagem do país.

A Nova República, o PSDB e o PT geriram esse processo e a corrosão social que dá bases ao bolsonarismo.

O PT construiu uma narrativa de que seus governos foram vítimas de uma “onda conservadora”. O PT teria sido vítima de um “golpe”, produto de manifestações conservadoras em 2013 e 2015, que geraram uma reação “fascista” ao desenvolvimento e ao avanço civilizatório realizado durante seus governos.

Mas isso esconde a longa decadência que o Brasil vive, como parte subalterna e subordinada de um mundo capitalista cada vez mais destrutivo e decadente. O PT e o PSDB administraram essa decadência capitalista. Ainda que, administrando um “boom” das commodities (recursos utilizados como matéria-prima, como minérios, óleos, produtos agrícolas etc.), tenham feito, no caso do PT, pequenas “concessões” aos mais pobres, via políticas focalizadas, em detrimento dos setores remediados da classe trabalhadora e da pequena burguesia, sem jamais tocarem nos super-ricos.

Ou, ainda, segurando a inflação, como o PSDB, a custas da desnacionalização, da privatização e do desemprego. Mas, em ambos os casos, geriram a reversão colonial imposta pelo imperialismo e construíram as bases sociais do esgotamento da Nova República e do surgimento do bolsonarismo.

O fracasso das ilusões pregadas pelo “progressismo”

A tentativa de realizar governos burgueses “progressistas”, buscando conter alguns males do capitalismo, não evitou o profundo retrocesso na estrutura produtiva do país. Como diz o professor Luiz Barbosa dos Santos, uma erosão da classe trabalhadora, através da precarização do trabalho, da individualização, da concorrência e do estímulo ao “empreendedorismo”, em que trabalhadores são chamados a serem “empreendedores de si”.

O “progressismo” foi regressivo. Por isso, foi questionado, por baixo, nas explosões de 2013. E, por cima, na medida em que a manutenção da ordem estava sendo questionada. Bolsonaro é o “modo barbárie-acelerada” da decadência capitalista e da subordinação do Brasil ao imperialismo.

Para o PT, “derrotar o fascismo” é restaurar um passado idealizado. Não representa um projeto de futuro, mas de mal menor. A reedição de um governo de unidade com a burguesia, sem confrontar o capitalismo brasileiro, não nos levará além, seguirá fazendo com que avancemos em direção à barbárie.

É preciso construir a organização, a mobilização e a independência da classe trabalhadora, para mudar o país e enfrentar a extrema-direita.

Trotsky: Bonapartismo e Fascismo

Trotsky, nos anos 1920 e 30, elaborou sobre o fascismo e o bonapartismo da época imperialista, assim como suas formas transitórias, pré-bonapartistas, e, também, a especificidade do bonapartismo e semi-fascismo nos países semi-coloniais.

“O fascismo é um sistema de Estado particular, baseado no extermínio de todos os elementos da democracia proletária na sociedade burguesa. A tarefa do fascismo não consiste somente em destruir a vanguarda proletária, mas também em manter toda a classe num estado de fragmentação forçada. Para isto, a exterminação física da camada operária mais revolucionária é insuficiente. É preciso destruir todos os pontos de apoio do proletariado.

O bonapartismo é um governo supraparlamentar, que governa apoiando-se na polícia e no exército (…), é o regime no qual a classe dominante se vê obrigada a tolerar – para preservar a sua propriedade – a dominação do governo por um aparato militar e policial.

O que temos dito demonstra a importância de distinguir entre a forma bonapartista e fascista. Não obstante, seria imperdoável cair no extremo oposto e converter o bonapartismo e o fascismo em duas categorias logicamente incompatíveis

Livros de Trotsky, publicados pela Editora Sundermann : A Luta contra o fascismo (Alemanha) e Aonde vai a França.