PSTU-AM
Gisele Sifroni, de Manaus (AM)
No dia 21 de abril, o Brasil amanheceu perplexo diante das fotos e dos vídeos que mostravam uma vala coletiva aberta no maior cemitério de Manaus para o enterro de vítimas da Covid-19. Tais imagens escancararam para o país a mentira dos números oficiais de casos anunciados pelo Governo de Wilson Lima (PSC) e Bolsonaro. Entretanto, apesar de evidenciar a subnotificação, essas imagens no máximo revelam as consequências, mas não as causas da tragédia pela qual passa o Estado do Amazonas.
A situação de crise instalada em Manaus, a partir da expansão do vírus, cruza com a história de desprezo que o Estado Brasileiro e as elites locais sempre tiveram diante da classe trabalhadora e dos povos originários da região.
Modernizada em estilo parisiense para agradar o capital internacional no século XIX, e reconfigurada para imitar o estilo de vida estadunidense, em tempos mais recentes, a capital amazonense vive a condição inglória de ser uma das capitais brasileiras com maior produção de riqueza e concomitantemente uma das mais precárias do território nacional.
Nada menos que R$ 100 bilhões anuais são gerados no Polo Industrial de Manaus, sem que isso signifique qualquer melhoria na vida da classe operária, ao contrário, as condições de sobrevivência dos trabalhadores fabris manauaras muito se assemelham com as condições do operariado inglês do século XIX. As sofisticadas fábricas e o imponente aeroporto internacional, porta de entrada do novo coronavírus, convivem tranquilamente com um dos piores transportes urbanos do Brasil, com ruas sujas, esgotos a céu aberto e favelas gigantescas nas quais as igrejas neopentecostais aparecem como “o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração (…) o espírito de uma situação sem espiritualidade”.[1]
Nesse cenário, a Covid-19 não poderia ser apenas uma doença, senão uma catástrofe social que atinge majoritariamente os de baixo. Com as fábricas funcionando a todo vapor, isto é, com 87 mil trabalhadores aglomerados em lugares mal ventilados, a Zona Franca de Manaus tornou-se o principal epicentro de transmissão do coronavírus para os bairros periféricos. Sob pressão da patronal e sem nenhuma resposta efetiva da direção do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindmetal- AM), a situação dos operários do Polo Industrial se soma com os problemas estruturais da saúde pública na região.
De acordo com o Cremam (Conselho Regional de Medicina do Amazonas), somente em 2019, 549 médicos deixaram a rede pública de saúde, em Manaus, devido a salários atrasados. Além disso, para atender todo território amazonense há 502 leitos de UTI, sendo 321 na rede pública e 181 na rede privada, ou seja, o SUS atende 88% da população, mas detém apenas 64% dos leitos, enquanto a rede privada detém 36% dos leitos para atender apenas 12%. [2]
Não por acaso, os bairros mais ricos da cidade (Adrianopolis, Aleixo e Parque Dez de Novembro) são os que reúnem mais casos de coronavírus e menos óbitos, tampouco é mera coincidência que ao mesmo tempo em que os hospitais públicos entram em colapso, os hospitais privados do grupo Samel e Santa Júlia seguem a cobrar R$ 50 mil para internação de cinco dias.
Essa é a razão pela qual nas imagens que correm o mundo, as lágrimas que aparecem descendo junto com os corpos na vala comum, não escorrem do rosto cínico do burguês local, mas sim dos olhos puxados daqueles que carregam nas veias o sangue indígena, carregam nas mãos os calos das máquinas e carregam no falar o sotaque dos migrantes nordestinos. Em Manaus, como em todo o Estado do Amazonas, os corpos dos que partem e o lamento dos que ficam pertencem majoritariamente à classe trabalhadora cabocla.
Situação no interior do Estado e o extermínio indígena
Se a situação da capital amazonense provoca indignação, a situação das cidades do interior do Estado é ainda mais dramática. Acessíveis, em sua maioria, somente por rios ou avião as cidades interioranas possuem, oficialmente, 461 casos de Covid-19. Porém, nenhuma cidade do interior do Amazonas possui leitos de UTI e são atendidas por apenas 336 médicos que percorrem 62 municípios espalhados por uma área de 1,57 milhões de Km² [3].
Com o surgimento do novo coronavírus várias cidades do interior registraram contaminações. São elas: Tabatinga, Tonantins, Castanho, Tefé, Manacapuru, Itacoatiara, Iranduba, Parintins, São Antônio do Iça, São Paulo de Olivença, Presidente Figueiredo, Anori, Careiro da Várzea, Lábrea, Novo Airão, Anamã, Boca do Acre e Manicoré.
Alguns desses municípios, como Tabatinga, São Antônio do Iça e São Paulo de Olivença, estão localizados no Alto Solimões, região com intensa concentração indígena, formada pelas etnias Kokama e Tikuna e pelas etnias isoladas do Vale do Javari (Kanamari, Korubo, Kulina Pano, Marubo, Matis, Matsés e Tsohom-dyapa).
Por um lado, isso explica o fato de que 95% dos casos do novo coronavírus, em povos indígenas, estejam registrados no Estado do Amazonas, e por outro lado, essa situação faz ressurgir um antigo e conhecido drama dos povos originários: a doença como uma arma de genocídio.
Assim como a ditadura militar atacou os Kabã, Kakin e Mã, chamados de Cintas-Largas pelos invasores, e massacrou os Waimiri Atroari, o Governo Bolsonaro e sua réplica regional, o Governo Wilson Lima, aposta em um massacre contra os indígenas a partir da negligência e da omissão, ao lado do incentivo ao roubo de terras indígenas. Da mesma forma que Bolsonaro, assume uma política de quanto pior melhor, isto é, de forma criminosa, negligencia a assistência às etnias para que o avanço da doença elimine aqueles que resistirem à violência dos garimpeiros, dos madeireiros e dos grileiros.
A saída é estatização ou intervenção federal?
Rebeca Monteiro, de Manaus (AM)
No dia 20 de abril, o presidente do PSTU do Amazonas, Gilberto Vasconcelos, entrou com uma ação popular solicitando que a Justiça determine que o Estado do Amazonas comande todo o sistema de saúde, a partir da requisição administrativa da totalidade dos bens e serviços de empresas da rede de saúde privada.
Embora não tenhamos nenhuma ilusão na Justiça dos ricos que encarcera os pobres e absolve os bandidos de colarinho branco, acreditamos que nesse momento é necessário usar todas as táticas possíveis para defender a vida dos trabalhadores.
O centro da ação popular é demonstrar que o Governador Wilson Lima vem assistindo a morte da população amazonense e usando a pandemia para tirar dinheiro do SUS e enriquecer os empresários. Esse foi o caso do “aluguel” do prédio privado do Hospital Nilton Lins, que apesar de não ter condições para receber pacientes com caso de Covid-19, vai custar aos cobres públicos nada menos do que 2,6 milhões de reais.
Como se não bastasse isso, o governador pagou R$ 2,9 milhões em uma loja de vinhos na compra de 28 respiradores inadequados e que custaram 316% a mais do preço de mercado.
Por outro lado, a oposição do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB), ao governo de Lima e a Bolsonaro também é uma farsa. Não podemos esperar nada de um prefeito que diz que vai rezar enquanto os trabalhadores morrem.
Contra esses absurdos e em defesa da vida, o PSTU levantou a palavra de ordem Estatização Já, exigindo que toda a rede hospitalar do Amazonas seja colocada a serviço dos usuários do SUS e esteja sob o controle dos conselhos populares de saúde. Assim, a campanha de estatização vai muito além das medidas jurídicas, ela inclui também um chamado aos trabalhadores e às organizações (sindicatos, partidos, movimento popular, etc.) em defesa da saúde 100% pública e estatal.
PT e PDT tentaram entregar o Amazonas para Bolsonaro
No mesmo dia em que o PSTU entrou com uma ação popular solicitando a estatização da rede privada de saúde, o PT, partido de Lula e o PDT, partido de Ciro Gomes, supostos opositores de Bolsonaro, aprovaram numa sessão da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEM) o pedido de intervenção do Governo federal na área da saúde.
O pedido é baseado no artigo 34 da Constituição Federal, que garante intervenção do Palácio do Planalto em casos de “distúrbios da ordem”. Os parlamentares amazonenses queriam entregar todo o controle da saúde do Estado nas mãos de um interventor nomeado por Bolsonaro.
Embora negado pelo Governo federal, depois de um acordo com o governador, esse pedido de intervenção mostra a falsa oposição do PT e do PDT ao governo genocida de Bolsonaro.
Desde o começo da pandemia Bolsonaro desdenhou da doença e do sofrimento das famílias das vítimas. Pior que isso, em nenhum momento colocou a possibilidade de abrir os quatro hospitais das Forças Armadas sediados em Manaus, Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira para atender a população local. Ao contrário disso, seu discurso atiça os grupos de extrema-direita que planejavam praticar atentados contra hospitais públicos e, deixa bem claro que o lucro das grandes empresas vale mais do que a vida dos trabalhadores e tenta acabar com o frágil isolamento social ainda existente.
Um programa emergencial para a crise no Amazonas
- Que todos os hospitais privados sejam estatizados e fiquem sob o controle dos conselhos populares de saúde;
- Utilização dos hospitais militares para atendimento da população, em especial a população indígena do Alto Solimões e do Alto Rio Negro;
- Realização de testes gratuitos em massa;
- Garantia de EPIs e equipamentos adequados para os profissionais da saúde;
- Paralisação de todas as atividades não essenciais;
- Paralisação de toda produção não essencial da Zona Franca de Manaus. Funcionamento apenas das fábricas que coloquem sua tecnologia para produzir equipamentos de combate a Covid-19, com redução de carga horária, sem redução salarial, com afastamento dos trabalhadores do grupo de risco e com a distribuição EPIs àqueles que seguirem na linha de produção;
- Proibição de demissões sem redução de salário;
- Garantia do isolamento social a partir do pagamento imediato de dois salários mínimos e meio aos trabalhadores informais, população em situação de rua e autônomos;
- Regularização imediata dos imigrantes e refugiados venezuelanos e haitianos para possam receber o auxílio emergencial;
- Isenção de pagamento de luz, água e aluguel para pessoas de baixa renda;
- Diminuição e congelamento dos preços de gás de cozinha;
[1] Karl Marx, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel
[2] Dados do Conselho Federal de Medicina
[3] Demografia Médica no Brasil – Volume 4. – Conselho Federal de Medicina