Tragédias e corrupção andam de mãos dadasO mais grave acidente aéreo da história do país se inscreve na sucessão de tragédias e desastres que ceifaram centenas de vidas nos últimos meses. Mesmo que suas causas não tenham sido ainda especificadas, é opinião unânime que se trata de uma tragédia mais que anunciada.
A queda do avião da Gol há 10 meses e o desmoronamento das obras do Metrô de São Paulo já indicavam que algo não está certo. A irresponsabilidade do Estado, o avanço da iniciativa privada em setores públicos e o afã pelo lucro rápido e desenfreado são elementos que, inequivocamente, ligam a crise aérea e o desastre do Metrô que, aliás, pouco se fala agora.
No caso do acidente do avião da TAM, o descaso do governo e das empresas aéreas causa revolta. Nos dias que antecederam a tragédia, quatro aviões derraparam na pista recém-inaugurada do aeroporto de Congonhas. Controladores de vôo do aeroporto, categoria vista pelo governo e a imprensa como os vilões da crise aérea, chegaram a pedir a interdição da pista. Agora, será mais difícil eleger algum bode expiatório para a crise, escamoteando as verdadeiras causas para os graves acidentes que periodicamente chocam a população.
Infraero e corrupção
A principal causa da recente mobilização dos controladores era justamente a situação precária do setor aéreo, que ficou explícito após o acidente envolvendo o avião da Gol, no ano passado no Mato Grosso. No entanto, o governo, além de não fazer nada, autorizou a prisão e a punição dos dirigentes dos controladores militares envolvidos. Já a mídia praticamente exigiu o linchamento dos controladores em praça pública, acusando-os pelos cada vez mais recorrentes atrasos nos vôos.
Como sempre, a corda arrebenta para o lado mais frágil. Porém, os verdadeiros causadores da crise não são os trabalhadores que se amotinaram em protesto à precariedade do setor. De um lado, há um governo inepto e imobilista e de outro, as companhias aéreas que, em busca do lucro, fazem de tudo para que seus interesses não sejam prejudicados. Não há outra explicação, por exemplo, para que a pista de Congonhas, incompleta e sem o mecanismo de ranhuras, chamado grooving (que impede acúmulo de água na superfície) esteja sendo utilizada.
As obras estavam programadas para terminar em setembro. No entanto, esperar esse tempo para utilizar a pista significaria menos lucro para as empresas de vôo. Um lobby de companhias aéreas exigiu – e a Infraero aceitou – a liberação da pista mesmo inacabada. Repassando os últimos escândalos que atingiu a estatal, não é de estranhar a atual situação do setor.
A Infraero administra 67 aeroportos em todo o país. Como é prática do governo petista, a empresa é loteada pelos políticos do PT e seus aliados do PTB. Mesmo a estatal tendo importância estratégica e lidando com questões de segurança envolvendo a vida de milhões de pessoas, os cargos são ocupados de acordo com critérios fisiológicos, com inúmeros casos de nepotismo.
Apesar da abertura da CPI do Apagão Aéreo, em junho, o Planalto emitiu ordem para que os parlamentares de sua base não deixem as investigações atingirem a Infraero. Segundo edição da revista Isto É de março deste ano, a estatal é suspeita por inúmeras irregularidades, sendo investigada pelo Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da União e pelo Ministério Público Federal. De acordo com as denúncias, há indícios de superfaturamento, pagamento ilegal e fraudes de licitações em oito obras de aeroportos, incluindo Congonhas.
A oposição de direita, no entanto, embora tenha pressionado pela abertura da CPI, não tem o mínimo interesse em aprofundar as investigações. Mais que isso, aproveita-se da crise aérea para propor a privatização da Infraero. Poucos dias antes do desastre da TAM, um seminário em São Paulo organizado pelo DEM e pelo PSDB propôs a gestão privada dos aeroportos, como se a iniciativa privada não tivesse sua parcela de culpa na crise.
Empreiteiras e tragédias
Grande parte das irregularidades na Infraero foi cometida durante a gestão do deputado federal petista Carlos Wilson, de Pernambuco. Enquanto havia superfaturamento em inúmeras obras, a estatal, apesar de saber há pelo menos 4 anos da necessidade de reformar a pista principal de Congonhas, nada fez. Carlos Wilson presidiu a estatal até março de 2006, quando foi substituído pelo tenente-brigadeiro José Carlos Pereira.
O contrato para as reformas da pista em Congonhas só foi assinado em maio, em regime de urgência e sem licitação. Foi contratado o consórcio formado pelas empresas OAS e Galvão Engenharia. As mesmas empresas formam um outro consórcio responsável pela reforma geral do aeroporto e da pista auxiliar, cujo contrato, de quase R$ 200 milhões, é investigado pelo Ministério Público por superfaturamento.
Coincidência ou não, essas empreiteiras também integravam o consórcio responsável pela construção da estação da Linha 4 do Metrô de São Paulo. O desmoronamento das obras, em janeiro deste ano, causou a morte de oito pessoas. Na ocasião, as empreiteiras e o governo culparam a chuva pela tragédia. O que não é coincidência é o fato de que, tanto no caso do avião da Gol quanto no desabamento do Metrô, ninguém tenha sido punido e as privatizações tenham seguido como se nada tivesse acontecido.